Polémica. Marquise de Ronaldo pode violar direitos de autor

Polémica. Marquise de Ronaldo pode violar direitos de autor


João Francisco Sá, especialista em direitos de autor, garante que, se Cristiano Ronaldo não pediu autorização a José Mateus, poderá estar a incorrer numa ilegalidade.


O tema tem feito correr muita tinta. A marquise que Cristiano Ronaldo mandou construir no topo do edifício Castilho 203, onde possui um apartamento que terá custado cerca de 7 milhões de euros, tornou-se alvo de discussão e poderá ser ilegal, garante ao i João Francisco Sá, especialista em direitos de autor e coordenador jurídico na Inventa International. A polémica estalou quando o arquiteto José Mateus, cofundador do atelier ARX, responsável pelo desenho do edifício, partiu para as redes sociais em protesto, onde criticou o acrescento de Cristiano Ronaldo à sua obra, acusando o ‘craque’ de ter feito a marquise sem o licenciamento da Câmara Municipal de Lisboa, e sem ter o aval dos arquitetos e do condomínio. Por entre acusações a Cristiano Ronaldo e garantias de que a obra foi feita sem licenciamento, o arquiteto mostrou o seu desagrado com as alterações feitas pelo futebolista, e assegurou não vai “ficar parado” a assistir ao que considera ser um atentado arquitetónico.

João Francisco Sá, da Inventa International, garante que, se efetivamente não houve um pedido de autorização de Cristiano Ronaldo ao atelier ARX, como parece ser o caso, o ‘craque’ poderá ter incorrido numa ilegalidade. “Estas situações são sempre boas para alertar para o tema dos direitos de autor. A obra de arquitetura é protegida por direitos de autor e não pode ser alterada sem autorização dos autores”, começa por explicar o especialista. “Sobre os direitos de autor há aqui uma questão ilícita”, aponta sem sombra de dúvidas. “O que é facto é que, do ponto de vista do direito de autor, era obrigatório que houvesse um pedido prévio da alteração da obra. O Cristiano, ou alguém em seu nome, deveria ter pedido ao arquiteto antes de fazer a alteração. Este é o ponto basilar da discussão toda”, afirma.

Trata-se, considera João Francisco Sá, de “um caso interessante em que há um conflito entre o dono da obra, o proprietário, e o dono dos direitos de autor”. “A lei portuguesa tenta salvaguardar o direito de propriedade, pelo que não é impossível que o proprietário faça mudanças”, acrescenta. “Tem é de haver um aviso primeiro”.

Há, no entanto, uma outra questão que se levanta e assume “grande importância”: o direito à propriedade. Conforme explica João Francisco Sá, caso Cristiano Ronaldo tivesse pedido autorização ao ateliê ARX e esta lhe fosse negada, tal não implicaria que a construção da marquise se tornasse ilegal. Daria, sim, pretexto para que o autor pudesse “repudiar a paternidade” da obra modificada. Ou seja, caso Cristiano Ronaldo tivesse feito uma petição e o arquiteto a tivesse negado, o jogador de futebol deixaria de poder dizer que a obra era da autoria da ARX, e o próprio ateliê poderia escolher desassociar-se da mesma.

Uma vez que isso não aconteceu, “estamos a falar de uma situação ilícita, onde pode até haver pedido de indemnização do arquiteto”, considera João Francisco Sá. A situação, no entanto, poderá ir ainda mais longe: “No caso concreto é difícil ir por aí, mas a modificação de uma obra com direitos de autor é algo muito cuidado pelo direito em Portugal, e podemos estar aqui perante um crime de usurpação. Quero acreditar que não vai atingir estas proporções e que seria difícil invocar aqui uma situação penal, mas é uma sombra que vai pairar sobre esta discussão toda, e o arquiteto poderá fazer-se valer disto. O próprio Ministério Público pode intervir”, avisa o especialista.

“Isto é uma chamada de atenção para as pessoas que querem fazer as coisas como deve ser, porque têm de ter cuidado ao fazer alterações às obras sem pedir autorização prévia aos autores. Se isto serve de alguma coisa, pelo menos que sirva para que as pessoas percebam que não vale tudo”, reflete ainda João Francisco Sá. Ao mesmo tempo, admite que “o proprietário não pode ficar limitado pelos desejos e caprichos do arquiteto, e devia ter havido aqui alguma flexibilidade”.

O i tentou entrar em contacto com José Mateus, do ateliê ARX, mas o arquiteto recusou prestar qualquer declaração sobre o assunto. Há uma semana, Mateus reagiu assim à notícia do Correio da Manhã de que Ronaldo instalara uma estrutura de metal e vidro na cobertura da torre: “Assistir ao desrespeito e à conspurcação de forma ignóbil do nosso trabalho, da nossa arquitectura, sem ter cumulativamente a anuência dos arquitectos, dos vizinhos e sem projecto aprovado pela CML, construindo à bela ‘maneira antiga’ uma marquise no coroamento do edifício, é algo a que não vou assistir parado”.