O Mecanismo Nacional Anticorrupção


O Governo vai deixar de fora do novo regime de prevenção da corrupção os gabinetes de todos os órgãos de soberania, incluindo os tribunais e o Ministério Público, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e autarquias locais.


Foi notícia esta semana que o Governo já elaborou um Decreto-Lei a criar o Mecanismo Nacional Anticorrupção, executando assim aquilo a que se tinha proposto na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Segundo as notícias referem, o Mecanismo em questão pretende dar resposta a algumas das preocupações do Conselho de Prevenção da Corrupção que, no último relatório de Março passado, fez uma análise qualitativa e chegou à conclusão de que os mecanismos de prevenção da corrupção existem, mas faltava controlo na sua execução em toda a cadeia de decisão na Administração Pública.

Perante esta clara denúncia da falta de controlo da execução dos mecanismos de prevenção da corrupção por parte do Conselho de Prevenção da Corrupção, imagine-se qual a resposta do Governo: a extinção do próprio Conselho de Prevenção da Corrupção e a substituição pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção. Estamos aqui perante um caso óbvio da célebre fórmula de matar o mensageiro. A instituição que preveniu da ineficácia dos mecanismos de controlo da corrupção acaba ela própria extinta, a benefício da criação de um novo Mecanismo, cuja utilidade ainda ninguém conseguiu demonstrar.

Já é, porém, revelado que existirão entidades intocáveis para esse novo Mecanismo. Na verdade, foi também referido nas notícias que o Governo vai deixar de fora do novo regime de prevenção da corrupção os gabinetes de todos os órgãos de soberania, incluindo os tribunais e o Ministério Público, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e autarquias locais. Assim, enquanto que os organismos públicos e as médias e grandes empresas vão ser obrigadas a apresentar planos de prevenção dos riscos de corrupção, sob pena de serem aplicadas multas, todos os gabinetes dos políticos, seja ao nível nacional, regional ou local, ficarão isentos desses planos, constituindo assim um porto seguro para a corrupção. Parece assim que no país o novo Mecanismo vai efectuar um combate implacável ao peixe miúdo na corrupção, enquanto deixará de fora os grandes tubarões.

Já quanto à composição do novo órgão, as notícias também revelam a independência que irá ter. Enquanto que o Conselho de Prevenção da Corrupção é presidido pelo Presidente do Tribunal de Contas, e inclui um magistrado designado pelo Conselho Superior do Ministério Público e um advogado designado pela Ordem dos Advogados, o Presidente do Mecanismo será escolhido pelo Governo “sob proposta do Presidente do Tribunal de Contas e da Procuradora-Geral da República”. Mas para evitar quaisquer veleidades de independência do escolhido, garante-se desde logo que o cargo não pode ser exercido por juízes e procuradores, a menos que abandonem a magistratura. Temos assim que o Governo, depois de colocar magistrados no activo não só nos gabinetes ministeriais mas inclusivamente em cargos no próprio Governo, agora acha que deve combater as portas giratórias neste novo Mecanismo Anticorrupção. Em qualquer caso é garantido que por esta via nenhum magistrado será escolhido, acabando-se assim com quaisquer veleidades de independência da entidade, mesmo nas magras competências que irá ter, uma vez que em relação aos políticos, não terá qualquer intervenção.

Parece que o Mecanismo em questão vai ser carinhosamente designado pelo Governo abreviadamente como MENAC. A abreviatura faz lembrar a palavra inglesa menace, traduzida por ameaça. E na verdade este Mecanismo Anticorrupção constitui uma verdadeira ameaça para um combate sério à corrupção em Portugal.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


O Mecanismo Nacional Anticorrupção


O Governo vai deixar de fora do novo regime de prevenção da corrupção os gabinetes de todos os órgãos de soberania, incluindo os tribunais e o Ministério Público, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e autarquias locais.


Foi notícia esta semana que o Governo já elaborou um Decreto-Lei a criar o Mecanismo Nacional Anticorrupção, executando assim aquilo a que se tinha proposto na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Segundo as notícias referem, o Mecanismo em questão pretende dar resposta a algumas das preocupações do Conselho de Prevenção da Corrupção que, no último relatório de Março passado, fez uma análise qualitativa e chegou à conclusão de que os mecanismos de prevenção da corrupção existem, mas faltava controlo na sua execução em toda a cadeia de decisão na Administração Pública.

Perante esta clara denúncia da falta de controlo da execução dos mecanismos de prevenção da corrupção por parte do Conselho de Prevenção da Corrupção, imagine-se qual a resposta do Governo: a extinção do próprio Conselho de Prevenção da Corrupção e a substituição pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção. Estamos aqui perante um caso óbvio da célebre fórmula de matar o mensageiro. A instituição que preveniu da ineficácia dos mecanismos de controlo da corrupção acaba ela própria extinta, a benefício da criação de um novo Mecanismo, cuja utilidade ainda ninguém conseguiu demonstrar.

Já é, porém, revelado que existirão entidades intocáveis para esse novo Mecanismo. Na verdade, foi também referido nas notícias que o Governo vai deixar de fora do novo regime de prevenção da corrupção os gabinetes de todos os órgãos de soberania, incluindo os tribunais e o Ministério Público, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e autarquias locais. Assim, enquanto que os organismos públicos e as médias e grandes empresas vão ser obrigadas a apresentar planos de prevenção dos riscos de corrupção, sob pena de serem aplicadas multas, todos os gabinetes dos políticos, seja ao nível nacional, regional ou local, ficarão isentos desses planos, constituindo assim um porto seguro para a corrupção. Parece assim que no país o novo Mecanismo vai efectuar um combate implacável ao peixe miúdo na corrupção, enquanto deixará de fora os grandes tubarões.

Já quanto à composição do novo órgão, as notícias também revelam a independência que irá ter. Enquanto que o Conselho de Prevenção da Corrupção é presidido pelo Presidente do Tribunal de Contas, e inclui um magistrado designado pelo Conselho Superior do Ministério Público e um advogado designado pela Ordem dos Advogados, o Presidente do Mecanismo será escolhido pelo Governo “sob proposta do Presidente do Tribunal de Contas e da Procuradora-Geral da República”. Mas para evitar quaisquer veleidades de independência do escolhido, garante-se desde logo que o cargo não pode ser exercido por juízes e procuradores, a menos que abandonem a magistratura. Temos assim que o Governo, depois de colocar magistrados no activo não só nos gabinetes ministeriais mas inclusivamente em cargos no próprio Governo, agora acha que deve combater as portas giratórias neste novo Mecanismo Anticorrupção. Em qualquer caso é garantido que por esta via nenhum magistrado será escolhido, acabando-se assim com quaisquer veleidades de independência da entidade, mesmo nas magras competências que irá ter, uma vez que em relação aos políticos, não terá qualquer intervenção.

Parece que o Mecanismo em questão vai ser carinhosamente designado pelo Governo abreviadamente como MENAC. A abreviatura faz lembrar a palavra inglesa menace, traduzida por ameaça. E na verdade este Mecanismo Anticorrupção constitui uma verdadeira ameaça para um combate sério à corrupção em Portugal.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990