O oceano digital


As últimas duas décadas foram marcadas por um forte investimento da União Europeia no desenvolvimento de sensores e infraestruturas capazes de adquirir medições diretas e indiretas das propriedades do oceano.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Recursos Naturais e Ambiente

Os mares e oceanos são centrais no desenvolvimento socioeconómico de muitos países, no comércio mundial e uma componente essencial nas cadeias de valor e d abastecimento global. Os mais distraídos foram relembrados deste facto no recente bloqueio do canal de Suez por um navio encalhado. Seis dias de bloqueio durante o mês de março resultaram em perdas estimadas entre os 5 e os 8 milhões e meio de euros por dia. Mas a importância dos mares e oceanos não se extingue nas questões relacionadas com a economia. Estes desempenham um papel fundamental em temas relacionados com a emergência climática e na regulação global do clima.

Ainda assim é paradoxal que apesar da importância dos mares e oceanos, o conhecimento detalhado sobre os processos físicos que neles ocorrem, em particular no oceano profundo, e da sua interação com a atmosfera e com os sedimentos do fundo do mar, incluindo a biogeoquímica marinha, seja hoje ainda bastante limitado. Há questões científicas relevantes por responder.

As últimas duas décadas foram marcadas por um forte investimento da União Europeia no desenvolvimento de sensores e infraestruturas capazes de adquirir medições diretas e indiretas das propriedades do oceano, basicamente temperatura e salinidade, relevantes para diferentes áreas do conhecimento. São exemplo duas grandes infraestruturas europeias: a rede de observação e de dados EMODNet (the European Marine Observation and Data Network (1)); e o desenvolvimento e disponibilização de modelos do oceano e de previsão a grande escala, o Copernicus Marine Environment Monitoring Service (2), que têm fornecido serviços, apoio e informação valiosa tanto a entidades públicas como privadas.

A discussão sobre o novo Pacto Ecológico Europeu (o European Green New Deal), um conjunto de políticas públicas que tem como objetivo a neutralidade carbónica dos países da união em 2050, deverá abrir as portas a uma nova etapa no estudo dos mares e oceanos através de um novo grande programa de financiamento para investigação e desenvolvimento. A grande quantidade de dados adquiridos nas últimas décadas pelos sensores já existentes, e por novos que se preveem ser implementados num futuro próximo integrando uma rede de sensores distribuídos, permitirá o desenvolvimento do conceito de oceano digital.

Um não menos ambicioso plano para a modelação e monitorização dos oceanos em tempo real e com grande detalhe espacial. Acredita-se que os processos físicos oceanográficos que ocorrem à pequena escala (em poucas dezenas ou centenas de metros), muitos deles ainda desconhecidos ou sem validação in situ, tenham grandes implicações nos sistemas de maior escala espacial. Neste contexto, a informação proveniente de medições indiretas, ou de deteção remota, será um recurso vital para a modelação dos processos oceanográficos multi-escala, para a cartografia dos recursos marinhos e para a monitorização da poluição marinha.

A título de exemplo, um dos maiores desafios científicos e tecnológicos no estudo dos mares e oceano para a próxima década é a necessidade urgente em desenvolver métodos eficazes de identificar, mapear e modelar a evolução espaciotemporal de acumulações de plásticos, e microplásticos (partículas de plástico com dimensões menores que 5 mm), e outros materiais flutuantes que poluem os mares e oceanos. A solução para este problema global passará obrigatoriamente por uma nova visão que seja simultaneamente abrangente, multidisciplinar e a várias escalas.

Uma nova visão do oceano que permita modelar a sua evolução no espaço e no tempo, só possível através da combinação eficaz de dados com diferentes origens e que observam fenómenos oceanográficos de várias perspetivas. São exemplos destes dados as imagens de satélite de alta resolução espacial, disponíveis através da última geração de satélites da Agência Espacial Europeia (os satélites Sentinel da família Copernicus (3)), os dados adquiridos através de métodos geofísicos, nomeadamente de propagação de ondas acústicas no oceano, e de medições diretas provenientes de sensores distribuídos em veículos autónomos submarinos que navegam os nossos mares e oceanos. Combinar dados com estas características é em si um desafio científico que exigirá o desenvolvimento e aplicação de novos métodos de ciência de dados espaciais, de inteligência artificial e de aprendizagem automática.

Se por definição o futuro é incerto, é-nos exigido que este seja obrigatoriamente mais sustentável. Um oceano digital capaz de prever fenómenos oceanográficos no espaço e no tempo a uma escala local será certamente uma ferramenta útil para melhores decisões que preservem este recurso natural crítico.

 1 https://emodnet.eu/en
 2 https://marine.copernicus.eu/
 3 https://www.copernicus.eu/pt-pt

O oceano digital


As últimas duas décadas foram marcadas por um forte investimento da União Europeia no desenvolvimento de sensores e infraestruturas capazes de adquirir medições diretas e indiretas das propriedades do oceano.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Recursos Naturais e Ambiente

Os mares e oceanos são centrais no desenvolvimento socioeconómico de muitos países, no comércio mundial e uma componente essencial nas cadeias de valor e d abastecimento global. Os mais distraídos foram relembrados deste facto no recente bloqueio do canal de Suez por um navio encalhado. Seis dias de bloqueio durante o mês de março resultaram em perdas estimadas entre os 5 e os 8 milhões e meio de euros por dia. Mas a importância dos mares e oceanos não se extingue nas questões relacionadas com a economia. Estes desempenham um papel fundamental em temas relacionados com a emergência climática e na regulação global do clima.

Ainda assim é paradoxal que apesar da importância dos mares e oceanos, o conhecimento detalhado sobre os processos físicos que neles ocorrem, em particular no oceano profundo, e da sua interação com a atmosfera e com os sedimentos do fundo do mar, incluindo a biogeoquímica marinha, seja hoje ainda bastante limitado. Há questões científicas relevantes por responder.

As últimas duas décadas foram marcadas por um forte investimento da União Europeia no desenvolvimento de sensores e infraestruturas capazes de adquirir medições diretas e indiretas das propriedades do oceano, basicamente temperatura e salinidade, relevantes para diferentes áreas do conhecimento. São exemplo duas grandes infraestruturas europeias: a rede de observação e de dados EMODNet (the European Marine Observation and Data Network (1)); e o desenvolvimento e disponibilização de modelos do oceano e de previsão a grande escala, o Copernicus Marine Environment Monitoring Service (2), que têm fornecido serviços, apoio e informação valiosa tanto a entidades públicas como privadas.

A discussão sobre o novo Pacto Ecológico Europeu (o European Green New Deal), um conjunto de políticas públicas que tem como objetivo a neutralidade carbónica dos países da união em 2050, deverá abrir as portas a uma nova etapa no estudo dos mares e oceanos através de um novo grande programa de financiamento para investigação e desenvolvimento. A grande quantidade de dados adquiridos nas últimas décadas pelos sensores já existentes, e por novos que se preveem ser implementados num futuro próximo integrando uma rede de sensores distribuídos, permitirá o desenvolvimento do conceito de oceano digital.

Um não menos ambicioso plano para a modelação e monitorização dos oceanos em tempo real e com grande detalhe espacial. Acredita-se que os processos físicos oceanográficos que ocorrem à pequena escala (em poucas dezenas ou centenas de metros), muitos deles ainda desconhecidos ou sem validação in situ, tenham grandes implicações nos sistemas de maior escala espacial. Neste contexto, a informação proveniente de medições indiretas, ou de deteção remota, será um recurso vital para a modelação dos processos oceanográficos multi-escala, para a cartografia dos recursos marinhos e para a monitorização da poluição marinha.

A título de exemplo, um dos maiores desafios científicos e tecnológicos no estudo dos mares e oceano para a próxima década é a necessidade urgente em desenvolver métodos eficazes de identificar, mapear e modelar a evolução espaciotemporal de acumulações de plásticos, e microplásticos (partículas de plástico com dimensões menores que 5 mm), e outros materiais flutuantes que poluem os mares e oceanos. A solução para este problema global passará obrigatoriamente por uma nova visão que seja simultaneamente abrangente, multidisciplinar e a várias escalas.

Uma nova visão do oceano que permita modelar a sua evolução no espaço e no tempo, só possível através da combinação eficaz de dados com diferentes origens e que observam fenómenos oceanográficos de várias perspetivas. São exemplos destes dados as imagens de satélite de alta resolução espacial, disponíveis através da última geração de satélites da Agência Espacial Europeia (os satélites Sentinel da família Copernicus (3)), os dados adquiridos através de métodos geofísicos, nomeadamente de propagação de ondas acústicas no oceano, e de medições diretas provenientes de sensores distribuídos em veículos autónomos submarinos que navegam os nossos mares e oceanos. Combinar dados com estas características é em si um desafio científico que exigirá o desenvolvimento e aplicação de novos métodos de ciência de dados espaciais, de inteligência artificial e de aprendizagem automática.

Se por definição o futuro é incerto, é-nos exigido que este seja obrigatoriamente mais sustentável. Um oceano digital capaz de prever fenómenos oceanográficos no espaço e no tempo a uma escala local será certamente uma ferramenta útil para melhores decisões que preservem este recurso natural crítico.

 1 https://emodnet.eu/en
 2 https://marine.copernicus.eu/
 3 https://www.copernicus.eu/pt-pt