Um azul mais escuro

Um azul mais escuro


O substrato, sendo humorístico, nunca poderia sê-lo totalmente (estamos numa guerra, apesar de tudo), como, de resto, já acontecia com Cauvin


Willy Lambil desenha vagarosamente , nos seus 85 anos, o 64.º tomo dos Túnicas Azuis, série semi-humorística passada durante a Guerra da Secessão americana. Estreou-se ao quinto, após a morte prematura de Salverius, em 1972. O vagar não será tanto causado pela idade, antes algum desalento por saber que Raoul Cauvin – a escrever as histórias desde 1968 – decidiu-se suficientemente tirocinado em cargas de cavalaria, e achou por bem parar. A Dupuis não estava disposta a perder uma das suas âncoras (20 milhões de exemplares vendidos), e entrega o álbum seguinte a um trio: o casal BéKa (Caroline Roque e Bertrand Escaich), argumentistas de Champignac, e o desenhador espanhol (e aqui também co-argumentista) José Luis Munuera, um dos actuais autores de Spirou, e também doutra série paralela ao universo do groom, Zorglub. A demora de Lambil fez com que o tomo 65 tenha avançado antes do anterior.
O argumento é rico, equilibrando a natureza híbrida e semi-realista da série. O substrato, sendo humorístico, nunca poderia sê-lo totalmente (estamos numa guerra, apesar de tudo), como, de resto, já acontecia com Cauvin. A intenção anti-racista e antimilitarista está como deve estar; e, neste tempo cacofónico, ideal para fazer passar manipulação e propaganda por informação, os autores foram buscar a personagem real de William Howard Russell (1820-1907), considerado o primeiro repórter de guerra, cobrindo conflitos como a Guerra da Crimeia e a Comuna de Paris. Russell é enviado especial do Times ao lado ianque, que espera boa imprensa para a nobre causa do antiesclavagismo. Escoltam-no os protagonistas, o sargento Chesterfield e o cabo Blutch, este, um misto de Quixote e Sancho, antimilitarista e matreiro, aquele, no fundo uma boa alma por vezes embriagada pelo brilho dos galões (não muito) superiores. O problema surge quando o comando nortista descobre, escarrapachado no jornal inglês, que não há assim tanta grandeza na guerra e que a miséria humana também mostra o focinho no lado dos libertadores. Se o papel de anfitriões impede a neutralização do repórter afinal abelhudo, ao mesmo não está obrigado o lado confederado… Com esta trama cruza-se a de Daisy, filha de um pastor severo, levada a casar com um herdeiro rico de uma plantação, quando está apaixonada por Jim, filho dos escravos do pai. Já casada, fogem ambos, arranjando guarida num asilo para órfãos de guerra. Daisy agora esposa adúltera e trânsfuga; Jim, à mercê do castigo que impende sobre os fugitivos, se apanhado.
Munuera, se por um lado respeita a tradição de Lambil no que respeita a Blutch e Chesterfield, nas passagens tensas e dramáticas de Daisy o registo torna-se mais realista e sombrio. E há ainda uma inspiração em Morris, os oficiais dos estados-maiores militares, e uma brincadeira com Cauvin e Lambil, eles próprios retratados, com uma piscadela de olho aos autores intrusos… Um álbum esplêndido, à espera de edição portuguesa. 

Les Tuniques Bleues #65. L’Envoyé Spécial
Texto BéKa e Munuera Desenho Munuera
Editora Dupuis, Marcinelle, 2020

BDTeca

Em cada um de nós há um Erisictão. Conta-nos a mitologia que que Erisictão, rei da Tessália, era um ímpio que um dia devastou um bosque consagrado à deusa Deméter. Esta, como castigo, introduziu no estômago do soberano Éron, a fome. A partir daqui, a sua voracidade não tem freio: como tudo quanto tem, delapida os seus tesouros por comida, vende a filha, Mnestra, como escrava. Esta, que fora amante de Posídon, ganhara o poder da metamorfose. Quando lograva voltava a casa, o pai tornava a vendê-la. Nada o sacia, e enlouquece, devorando-se a si próprio. Em A Fábrica de Erisicton (edição Chili com Carne, Cascais, 2021), André Ferreira aborda a destruição dos solos no Alentejo, pela agricultura intensiva que se pratica, directamente para os nossos inconscientes e tranquilos pratos.

O Detective e o Caçador. Dyland Dog, o detective do pesadelo, e Dampyr, caçador de vampiros, apesar de ser filho de um com uma mulher de carne e osso, Ambos juntos pela primeira vez, contra Lodbrock, o Senhor da Noite e as criaturas que engendra, em dois títulos: A Noite do Dampyr, por Roberto Recchioni, Giulio Antonio Gualtieri (texto) e Daniele Bigliardo (desenhos) e O Detective do Pesadelo, dos já nossos conhecidos Mauro bolselli e Bruno Brindidi. Edição A Seita, Prior Velho, 2021.