Turismo. A “fraude” dos prémios que abanou o setor

Turismo. A “fraude” dos prémios que abanou o setor


O ainda presidente da AHETA garantiu em entrevista ao i que os prémios do turismo são comprados. Setor não gostou, mas vários empresários explicaram ao i como tudo funciona. E por 500 libras é possível ser nomeado, até ganhar é “tudo negociado”.


“Quer ganhar a nomeação de melhor destino? Pague 500 libras e vai ver que aparece no site da organização como nomeado. Quer ganhar o prémio? Então tem de negociar com eles o valor. É simples e é assim que funciona. Depois pode ter uma moldura na câmara, no seu hotel, restaurante, praia ou campo de golfe, entre muitas outras categorias”, disse ao i um destacado empresário que não quer dar a cara pela guerra entre empresários hoteleiros algarvios. Exemplos não faltam: “Como é possível um hotel no Algarve ter sido o melhor da Europa durante seis anos?”, diz, acrecentando que só “quem não conhece o velho continente é que pode achar isso”.

Recorde-se que a entrevista ao i, na edição de fim de semana, do ainda presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA) caiu que nem um bomba junta do setor turístico. Elidérico Viegas disse, na ocasião, que os prémios que Portugal tem arrecadado são comprados e só nós é que damos importância. “Em relação a esses prémios só nós é que os conhecemos, o resto do mundo não sabe. São eleições feitas por entidades privadas que se regem por princípios económicos, de rentabilidade económica e, como tal, pagamos e ficamos no lugar que queremos. Estes prémios que andamos a apregoar com frequência são prémios atribuídos por estruturas ou organizações privadas que têm como fim o lucro e que vendem lugares em função dos preços que se pagam”.

Declarações essas que vão levar o responsável a apresentar hoje seu o pedido de demissão, uma vez que, a restante direção não se revê nas suas declarações. “Em reunião imediatamente convocada, a direção ouviu as explicações do presidente e foi informada da sua intenção em se demitir deste órgão social da AHETA, demissão essa que será apresentada pelo próprio ao presidente da Assembleia Geral, na próxima segunda feira, 29 de março”, revelou em comunicado. 

A verdade é que essas declarações são reconhecidas por quase todo o setor. Vários empresários ouvidos pelo i, que preferiram anonimato, garantem que as nomeações são compradas e, com isso, poupam trabalho e também dinheiro por parte do Instituto de Turismo de Portugal. Ao que o i apurou por 500 libras (cerca de 584 euros) as entidades e também empresários podem-se candidatar aos “famosos” World Travel Awards. Depois de serem nomeados tudo é negociado. “Tudo depende se é praia, golfe, ou hotel e, a partir daí, vão negociando individualmente os preços”, diz um dos empresários.

E lembra que com essa nomeação todos ficam contentes. Uma situação que é criticada pelo mesmo empresário . “O país vive embalado nessa coisa dos prémios e não faz ações promocionais como deve ser. As distinções não têm repercussão nenhuma. Isto é o resultado da inércia e da preguiça: nem os empresários se juntam, nem o Governo cria campanhas como deve ser e, como tal, não investe”. 

No entender de outro empresário, estas nomeações representam “não só uma vergonha, como também são muito prejudiciais porque criam complacência. Mostra que Portugal é dos países que tem mais prémios em vez de fazer campanhas promocionais como deve fazer”. E aponta o dedo aos empresários do setor. “Preferem embandeirar em arco estes prémios, em vez de quererem confrontar o lado oficial que apoia esses prémios”. 

Quem atribui? Uma das críticas feitas pelos empresários ouvidos pelo i diz respeito a quem atribui os prémios do World Travel Awards. E a opinião é unânime: não existe direção, apenas um site. E a fórmula de sucesso é simples: saem baratas estas candidaturas e como consequência os prémios. “Não existe nenhuma direção, ninguém responde, mas ganham muito dinheiro”. Um outro empresário chama a atenção para a “mina de ouro”. E explica: “É uma coisa muito bem feita porque a rentabilidade é enorme. Multiplicando as nomeações a 500 libras por 20 ou 30 categorias em cada país veja o dinheiro que isso dá e depois ainda negoceiam o prémio”, lembrando que “o destino ou a empresa não é nomeada é auto-nomeada”

Um outro responsável do setor também diz que a World Travel Awards aceita os candidatos, desde que os mesmos paguem as tais 500 libras. E reforça: “Quem pertence ao comité de seleção? Não dizem. Como chegaram à seleção de nomeados? É tudo muito bem feito e o segredo é não ser muito caro. E abrange o mundo todo, em 20 a 30 categorias em cada país. E depois há 10 ou 15 candidatos em cada categoria. Somando tudo dá milhões”. 

Prémios para todos os gostos Cristóvão Norte, deputado do PSD pelo círculo de Faro, não vê com maus olhos as declarações de Elidérico Viegas. “Não tomo por insulto qualquer frase que tenha sido proferida na entrevista. É uma pessoa que sempre se empenhou em fazer a região progredir. Quanto à questão dos prémios e, todos sabem disso, haverá seguramente coisas para todos os gostos e isto também tem de ser enquadrado numa lógica de política de promoção da região que existe em todos os países e que não é exclusivo do Algarve, nem do país. São as regras do jogo. Haverá prémios que são completamente imaculados do ponto de vista das regras e haverá outros prémios em que as participações obrigam a alguma flexibilidade”, diz ao i. 

Em relação ao pagamento destes prémios reconhece que há casos em que isso acontece, mas deixa um alerta: “O que interessa é fazer o que estiver ao alcance para promover a região, esse é que é o aspeto fundamental. Se há casos em que há prémios onde se faz isso, tem de se inscrever numa lógica de política de promoção da região, em que todas ou a maioria delas, têm práticas semelhantes e outros países também”.

E deixa uma palavra em relação ao trabalho do ainda presidente da AHETA. “Acho que teve um contributo para a região e merece todo o respeito porque batalhou a favor do Algarve e foi o construtor de uma das mais relevantes associações das regiões do Algarve. Tenho muito respeito pelo serviço público que entendo que aquela associação tem realizado desde a sua fundação, embora nem sempre tenha estado de acordo”. 

Jornalistas convidados Outro truque usado para promover Portugal como destino passa por convidar jornalistas estrangeiros para captar mais turistas. Uma realidade conhecida pelos mesmos empresários que preferiram anonimato.
Também Cristóvão Norte admite essa situação. “Isso é uma política reconhecida do Turismo de Portugal e das entidades regionais de trazer jornalistas para os sensibilizar a escrever sobre o Algarve ou sobre o país. Em alguns casos vale até mais do que os prémios porque são jornalistas de referência versados na matéria e estão disponíveis para ‘carismar’ uma região no plano internacional e, com isso, conseguem movimentar mais pessoas do que alguns desses prémios”, conclui.