Voltámos à ação psicológica


Parece estar em marcha a operação imposto extraordinário, com a guarda avançada da professora Peralta.


1. Durante a guerra colonial, a ação psicológica moldava comportamentos e opiniões, tanto de colonos como de colonizados. Ninguém diria, mas hoje perduram estratégias usadas na época – agora com designações mais sofisticadas –, preparando as populações para situações que se tentam impor. Um bom exemplo são declarações de Susana Peralta, uma professora universitária, que adiantou, em entrevista ao i, a hipótese de ser necessário um imposto extraordinário para a burguesia que está em teletrabalho. Astuciosamente a criatura lançou o debate sobre um imposto extraordinário para fazer face à crise, aproveitando para dividir a sociedade em classes de forma primária e datada. Mas foi dado o passo e feito o frete ao Governo, que haverá de negar a eventualidade até ao dia em que aplica a medida. A seguir a essa decisão virão outras que tocarão todos aqueles que não tenham perdido rendimento. Exemplo típico são os reformados de classe média e as profissões não afetadas diretamente. A proclamação de Peralta foi de facto uma etapa a cumprir na caminhada de preparação psicológica de aceitação. Com o mesmo género de argumentação, sofremos uma austeridade “troikiana” excessiva, que nos levou a uma recessão desnecessária e dramática. Tão grave como a óbvia intenção subliminar, é o facto de quem preconiza impostos destes ignorar a nossa realidade social. Hoje, a maioria dos portugueses que têm mais qualquer coisa em termos de estabilidade financeira são aqueles – pais, familiares, amigos e colegas – que estão na primeira linha da ajuda aos mais afetados pela crise pandémica. Equacionar impostos extraordinários ou novas taxas é ser insensível a essa realidade e desrespeitar o esforço de entreajuda geracional que se verifica e que ocorre sempre em Portugal, em alturas de crise profunda. É não saber que quando o Estado não chega para nada e gasta gulosamente na sua própria máquina, há uma sociedade solidária e gregária que se movimenta e acode. Só mesmo quem navega em modelos teóricos e políticos, como a professora Peralta, pode dar-se ao luxo de elucubrar coisas desse género, mais não fazendo do que velha ação psicológica com vista a uma finalidade política, destinada a preparar o que se pretende.

2. António Costa preside à União Europeia há dois meses. O mote era a vacinação em grande escala dos mais de 500 milhões de cidadãos da UE. O balanço possível é simples: fracasso total e absoluto. De facto, Costa não tem culpas diretas das peripécias das compras feitas pela tripla Ursula/Angela/Macron. Até por isso, já devia ter dado um murro na mesa em vez de ver passivamente a Europa ser ultrapassada por chineses, americanos e ingleses. Por cá, a vacinação alterna entre percalços e escândalos como a suspensão da AstraZeneca (anunciada numa surrealista conferência de imprensa) e a vacinação de favoritos do regime na Guarda, onde um dos beneficiados foi o marido da vice-presidente do Parlamento Edite Estrela, ele próprio um ex-deputado PS. Claro que foi aberto um inquérito. Talvez lá para 2030 haja um relatório preliminar da coisa…

3. Os pequenos partidos avariaram quase todos numa semana, o que é bom para os mais antigos (PS,PSD, CDS, PCP e Bloco). Veja-se: o candidato da Iniciativa Liberal (IL) à Câmara de Lisboa desistiu em três dias depois de uma apresentação ridícula. É como a história da pescada que antes de o ser já o era. Vale à IL, Cotrim de Figueiredo que tem categoria política para limitar os danos. O Chega está, entretanto, dividido no continente e sobretudo nos Açores. Ventura arranjou um apresentador de televisão meio esquecido para candidato a Lisboa. Nuno Graciano é uma habilidade de publicitário de anúncio de cálcio para sexagenários. Já o PAN viu o seu líder histórico, André Silva, comunicar que não se recandidata ao cargo e deixa o parlamento, em junho. Para já, fica Inês Sousa Real na liderança, o que retira força à tendência animalista e aproxima o partido do Bloco de Esquerda, que agradece.

4. Além da TAP e da SATA, há em Portugal mais uma companhia aérea internacional. Chama-se Euroatlantic e funciona bem desde que existe. O seu ciclo de crescimento era notável, mas naturalmente ressentiu-se da pandemia numa proporção igual à das outras duas. A Euroatlantic vai a todas e faz voos de repatriamento de portugueses de todo o mundo. Mas do Brasil nada. Isto porque o Governo, através do Ministério dos Estrangeiros, a está a boicotar, ao não a contratar para trazer os nossos concidadãos que estão em terras de Vera Cruz. Ora sucede que a Euroatlantic propõe passagens a metade do preço das da TAP, que nos custas centenas de milhões. Há muitas coisas em que Portugal está cada vez mais parecido com a Venezuela. Uma delas é a hostilidade a tudo o que é privado.

5. A Caixa Geral de Depósitos é o banco público; o banco público é um banco que todos conhecem; como todos o conhecem muitos têm dinheiro lá porque confiam no Estado ou só para que ele não seja roubado por uma família supostamente ilustre ou utilizado para pagar uma reforma milionária a um banqueiro privado, beato e escrupuloso. Hoje, porém, verifica-se que o banco público só faz dinheiro, abusando das comissões e fechando balcões que atiram gente para o desemprego. Estando cheio de dinheiro que não sabe multiplicar, o dito banco público inventa onde o gastar. Por isso, anda a mudar as estacionárias, os logótipos e a despender rios de dinheiro para as pessoas saberem que existe um banco público, a que todos chamam Caixa. Caixa essa que está inscrita na memória coletiva desde 1876. Um conselho de borla (coisa rara hoje em dia) para que os que mandam na instituição: atendam melhor os clientes, estejam nas terras das pessoas e falem com elas. Prefiram gente à informática. Como diz o povo não se deve “poupar na farinha e gastar no farelo”. Claro que a CGD tem de concorrer. Mas é no terreno e não a mudar o boneco da entrada.

Escreve à quarta-feira