A assistência jurídica nos aeroportos


Após o acerto de todos os pormenores, as escalas estão desde ontem em funcionamento, numa altura que está a fazer um ano sobre a morte de Ihor Homenyuk, que devemos recordar para que não se volte a repetir em Portugal situação semelhante.


A Lei 23/2007, de 4 de Julho, reconhece os direitos dos cidadãos estrangeiros a quem seja recusada a entrada em território nacional. Efectivamente, o artigo 40º, nº1, dessa Lei estabelece que “durante a permanência na zona internacional do porto ou aeroporto ou em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, o cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território português pode comunicar com a representação diplomática ou consular do seu país ou com qualquer pessoa da sua escolha, beneficiando, igualmente, de assistência de intérprete e de cuidados de saúde, incluindo a presença de médico, quando necessário, e todo o apoio material necessário à satisfação das suas necessidades básicas”.

No entanto, o reconhecimento formal de direitos na lei de pouco serve, se não houver alguém encarregado de exigir aos poderes públicos a aplicação da lei e o concomitante exercício dos direitos dos cidadãos, ou seja, um advogado. Por esse motivo o artigo 40º, nº2, da Lei 23/2007, prevê igualmente que “ao cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território nacional é garantido, em tempo útil, o acesso à assistência jurídica por advogado, a expensas do próprio ou, a pedido, à proteção jurídica, aplicando-se, com as devidas adaptações, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, no regime previsto para a nomeação de defensor do arguido para diligências urgentes”.

Deveria assim ter sido pelo menos desde 2007 assegurado aos cidadãos estrangeiros a quem fosse recusada a entrada no nosso país a assistência jurídica por advogado, exactamente nos mesmos termos em que se procede à nomeação de defensor oficioso aos arguidos quando os mesmos não podem suportar os custos de um advogado. Efectivamente, uma medida como a recusa de entrada no território nacional a um cidadão estrangeiro, que aqui chega em situação de fragilidade, depois de uma viagem de avião que pode ter decorrido durante muitas horas ou até por vários dias, constitui uma medida altamente lesiva do mesmo, que por isso deve implicar a assistência jurídica imediata por advogado.

O art. 40º, nº3, da Lei 23/2007, refere, no entanto, que “a garantia da assistência jurídica ao cidadão estrangeiro não admitido pode ser objecto de um protocolo a celebrar entre o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados”. Só que durante 13 anos essa disposição não foi executada, o que naturalmente implicou que muitos cidadãos estrangeiros tivessem visto a sua entrada no nosso país recusada, sem que lhes fosse imediatamente assegurado o acesso a um advogado, como a lei impõe.

A gravidade dessa omissão ficou demonstrada com a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk. Este cidadão dirigiu-se a Portugal, vindo da Turquia, com o objectivo de aqui arranjar trabalho, tendo aterrado em Lisboa no dia 10 de Março de 2020. Ficou dois dias à guarda do Estado Português, tendo falecido às 18h40m do dia 12 de Março, segundo refere a autópsia, por asfixia mecânica, presumivelmente decorrente de lesões sofridas nas horas anteriores. O Estado Português assumiu a sua responsabilidade pela violação dos direitos à vida e à integridade física desse cidadão, determinando o pagamento de uma indemnização à família. Mas é manifesto que nada disso se teria passado se Ihor Homenyuk tivesse beneficiado da imediata assistência por advogado, como a lei impõe.

Por isso, foi finalmente celebrado o protocolo previsto na lei para essas situações, que tive a honra de assinar em representação da Ordem dos Advogados numa cerimónia pública no passado dia 4 de Novembro, juntamente com o Senhor Ministro da Administração Interna e a Senhora Ministra da Justiça, para se proceder à organização de escalas de advogados nos aeroportos. Após o acerto de todos os pormenores, as escalas estão desde ontem em funcionamento, numa altura que está a fazer um ano sobre a morte de Ihor Homenyuk, que devemos recordar para que não se volte a repetir em Portugal situação semelhante. Para tal, a partir de agora os advogados assumirão o desafio de garantir a assistência jurídica a estes cidadãos estrangeiros que dela tanto necessitam, no âmbito da nobre função da advocacia de defesa dos cidadãos mais vulneráveis.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


A assistência jurídica nos aeroportos


Após o acerto de todos os pormenores, as escalas estão desde ontem em funcionamento, numa altura que está a fazer um ano sobre a morte de Ihor Homenyuk, que devemos recordar para que não se volte a repetir em Portugal situação semelhante.


A Lei 23/2007, de 4 de Julho, reconhece os direitos dos cidadãos estrangeiros a quem seja recusada a entrada em território nacional. Efectivamente, o artigo 40º, nº1, dessa Lei estabelece que “durante a permanência na zona internacional do porto ou aeroporto ou em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, o cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território português pode comunicar com a representação diplomática ou consular do seu país ou com qualquer pessoa da sua escolha, beneficiando, igualmente, de assistência de intérprete e de cuidados de saúde, incluindo a presença de médico, quando necessário, e todo o apoio material necessário à satisfação das suas necessidades básicas”.

No entanto, o reconhecimento formal de direitos na lei de pouco serve, se não houver alguém encarregado de exigir aos poderes públicos a aplicação da lei e o concomitante exercício dos direitos dos cidadãos, ou seja, um advogado. Por esse motivo o artigo 40º, nº2, da Lei 23/2007, prevê igualmente que “ao cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território nacional é garantido, em tempo útil, o acesso à assistência jurídica por advogado, a expensas do próprio ou, a pedido, à proteção jurídica, aplicando-se, com as devidas adaptações, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, no regime previsto para a nomeação de defensor do arguido para diligências urgentes”.

Deveria assim ter sido pelo menos desde 2007 assegurado aos cidadãos estrangeiros a quem fosse recusada a entrada no nosso país a assistência jurídica por advogado, exactamente nos mesmos termos em que se procede à nomeação de defensor oficioso aos arguidos quando os mesmos não podem suportar os custos de um advogado. Efectivamente, uma medida como a recusa de entrada no território nacional a um cidadão estrangeiro, que aqui chega em situação de fragilidade, depois de uma viagem de avião que pode ter decorrido durante muitas horas ou até por vários dias, constitui uma medida altamente lesiva do mesmo, que por isso deve implicar a assistência jurídica imediata por advogado.

O art. 40º, nº3, da Lei 23/2007, refere, no entanto, que “a garantia da assistência jurídica ao cidadão estrangeiro não admitido pode ser objecto de um protocolo a celebrar entre o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados”. Só que durante 13 anos essa disposição não foi executada, o que naturalmente implicou que muitos cidadãos estrangeiros tivessem visto a sua entrada no nosso país recusada, sem que lhes fosse imediatamente assegurado o acesso a um advogado, como a lei impõe.

A gravidade dessa omissão ficou demonstrada com a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk. Este cidadão dirigiu-se a Portugal, vindo da Turquia, com o objectivo de aqui arranjar trabalho, tendo aterrado em Lisboa no dia 10 de Março de 2020. Ficou dois dias à guarda do Estado Português, tendo falecido às 18h40m do dia 12 de Março, segundo refere a autópsia, por asfixia mecânica, presumivelmente decorrente de lesões sofridas nas horas anteriores. O Estado Português assumiu a sua responsabilidade pela violação dos direitos à vida e à integridade física desse cidadão, determinando o pagamento de uma indemnização à família. Mas é manifesto que nada disso se teria passado se Ihor Homenyuk tivesse beneficiado da imediata assistência por advogado, como a lei impõe.

Por isso, foi finalmente celebrado o protocolo previsto na lei para essas situações, que tive a honra de assinar em representação da Ordem dos Advogados numa cerimónia pública no passado dia 4 de Novembro, juntamente com o Senhor Ministro da Administração Interna e a Senhora Ministra da Justiça, para se proceder à organização de escalas de advogados nos aeroportos. Após o acerto de todos os pormenores, as escalas estão desde ontem em funcionamento, numa altura que está a fazer um ano sobre a morte de Ihor Homenyuk, que devemos recordar para que não se volte a repetir em Portugal situação semelhante. Para tal, a partir de agora os advogados assumirão o desafio de garantir a assistência jurídica a estes cidadãos estrangeiros que dela tanto necessitam, no âmbito da nobre função da advocacia de defesa dos cidadãos mais vulneráveis.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990