A acção do terrorismo político e religioso em tempo de pandemia


RESUMO A crise mundial resultante do surgimento da nova pandemia COVID-19, com profundos e inquietantes reflexos em todos os domínios da sociedade, não passou despercebida tanto aos agentes do terrorismo jihadista global, como, também, aos representantes de um “renascido” terrorismo político, prontos a dela retirarem largos benefícios para os seus movimentos globais, com recurso a…


RESUMO

A crise mundial resultante do surgimento da nova pandemia COVID-19, com profundos e inquietantes reflexos em todos os domínios da sociedade, não passou despercebida tanto aos agentes do terrorismo jihadista global, como, também, aos representantes de um “renascido” terrorismo político, prontos a dela retirarem largos benefícios para os seus movimentos globais, com recurso a narrativas antiocidentais, no caso dos islamistas, ou à fractura do tecido social, com discursos de índole segregacionista, como tem vindo a acontecer com os activistas de extrema-direita ou grupos neonazis, sem qualquer tipo de constrangimentos no que à disseminação de falsas notícias diz respeito, numa permanente instigação ao ódio motivado por razões raciais, étnicas ou religiosas.

ANÁLISE

Embora as duas principais organizações do terrorismo jihadista internacional – DAESH e Al Qaeda – coincidam na interpretação de que o COVID-19 é uma “punição de Allah[1]” destinada aos países não muçulmanos, vistos como “infiéis”; já o mesmo não acontece no que à leitura das razões de partida diz respeito (ainda que possam ser entendidas como demagógicas). Se para o DAESH, de acordo com o editorial da sua publicação semanal Al-Naba, de 19 de Março de 2020, a pandemia é uma “vingança contra o Ocidente pelas atrocidades cometidas em Baghuz, Sirte e Mosul [cidades iraquianas]”[2], já para a Al Qaeda a mesma é a “causa fundamental da ira de Allah pela usura das economias ocidentais”, num sentimento que, de resto, tem vindo a alargar-se ao Irão, pelo seu “apoio ao regime sírio”, e à China, pelos “crimes contra a comunidade uigur”[3]. Daqui, facilmente se depreende que a Humanidade foi colocada perante uma nova ameaça – o COVID-19 -, que assim se junta a outras, já há muito declaradas, como são o extremismo político, as alterações climáticas, o crime organizado, os regimes autoritários, a corrupção ou a violação dos Direitos Humanos, e o Terrorismo Jihadista, que, através de uma das suas principais referências, o DAESH, que logo se prontificou a declarar aos seus apoiantes e ao mundo, que a guerra por si empreendida contra os “infiéis” de todo o planeta iria continuar, “mesmo na presença do vírus”, algo que, de resto, era expectável. Desde o seu primeiro sinal, em Dezembro de 2019, a pandemia e a crise sanitária dela resultante foram, de imediato, aproveitadas pelos terroristas jihadistas para desferirem os seus mortíferos ataques a Estados profundamente empenhados no combate à crescente tragédia pandémica. Face a este inquietante cenário é, agora, exigível a toda a Comunidade Internacional um inquestionável esforço de cooperação neste duro combate que se afigura longo, com a certeza de que, se tal não se verificar o terrorismo jihadista global terá caminho livre para a materialização dos seus assassinos propósitos, com a trágica possibilidade de recorrer, ainda, ao bioterrorismo, que desde há muito, diga-se, tem vindo a seduzir estas organizações terroristas.

No plano interno, entretanto, muitos são os países a braços com a ameaça representada pelo crescente extremismo político, num combate que se tem revelado deveras bastante difícil, sobretudo num contexto de confinamento, como o actual, em que os seus agentes operam predominantemente no espaço virtual, de grande acessibilidade. Virá a propósito referir a oportunidade de um relatório[4] produzido pela Commission for Countering Extremism (CCE), publicado no dia 9 de Julho de 2020, sobre a necessidade manifestada pelo governo britânico relativamente à “criação de uma resposta à significativa ameaça representada pelo extremismo político e pela difusão das suas narrativas”.

A finalizar, refira-se que, apesar da frenética corrida contra o tempo empreendida pela comunidade científica na busca de uma solução eficaz para reduzir drasticamente a exposição da população mundial ao COVID-19, o flagelo do terrorismo continuará a marcar a agenda dos movimentos que o representam, num claro aproveitamento que a actual crise sanitária tem vindo a oferecer. Resta-nos acreditar que os decisores políticos consigam estar à altura das suas responsabilidades, por via da necessária e rápida implementação de estratégias de prevenção e combate a estas (outras) formas de pandemia[5]: o terrorismo político e religioso.

 

 

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2021

 


[1] Termo árabe para designar Deus.

[2] INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/global/contending-isis-time-coronavirus [Consultado em 7 de Janeiro de 2021].

[5] Definição clássica do vocábulo usado pela primeira vez por Platão, e que, no seu sentido genérico, era atribuído “a qualquer acontecimento capaz de alcançar toda a população”. 

João Henriques
Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris

 


A acção do terrorismo político e religioso em tempo de pandemia


RESUMO A crise mundial resultante do surgimento da nova pandemia COVID-19, com profundos e inquietantes reflexos em todos os domínios da sociedade, não passou despercebida tanto aos agentes do terrorismo jihadista global, como, também, aos representantes de um “renascido” terrorismo político, prontos a dela retirarem largos benefícios para os seus movimentos globais, com recurso a…


RESUMO

A crise mundial resultante do surgimento da nova pandemia COVID-19, com profundos e inquietantes reflexos em todos os domínios da sociedade, não passou despercebida tanto aos agentes do terrorismo jihadista global, como, também, aos representantes de um “renascido” terrorismo político, prontos a dela retirarem largos benefícios para os seus movimentos globais, com recurso a narrativas antiocidentais, no caso dos islamistas, ou à fractura do tecido social, com discursos de índole segregacionista, como tem vindo a acontecer com os activistas de extrema-direita ou grupos neonazis, sem qualquer tipo de constrangimentos no que à disseminação de falsas notícias diz respeito, numa permanente instigação ao ódio motivado por razões raciais, étnicas ou religiosas.

ANÁLISE

Embora as duas principais organizações do terrorismo jihadista internacional – DAESH e Al Qaeda – coincidam na interpretação de que o COVID-19 é uma “punição de Allah[1]” destinada aos países não muçulmanos, vistos como “infiéis”; já o mesmo não acontece no que à leitura das razões de partida diz respeito (ainda que possam ser entendidas como demagógicas). Se para o DAESH, de acordo com o editorial da sua publicação semanal Al-Naba, de 19 de Março de 2020, a pandemia é uma “vingança contra o Ocidente pelas atrocidades cometidas em Baghuz, Sirte e Mosul [cidades iraquianas]”[2], já para a Al Qaeda a mesma é a “causa fundamental da ira de Allah pela usura das economias ocidentais”, num sentimento que, de resto, tem vindo a alargar-se ao Irão, pelo seu “apoio ao regime sírio”, e à China, pelos “crimes contra a comunidade uigur”[3]. Daqui, facilmente se depreende que a Humanidade foi colocada perante uma nova ameaça – o COVID-19 -, que assim se junta a outras, já há muito declaradas, como são o extremismo político, as alterações climáticas, o crime organizado, os regimes autoritários, a corrupção ou a violação dos Direitos Humanos, e o Terrorismo Jihadista, que, através de uma das suas principais referências, o DAESH, que logo se prontificou a declarar aos seus apoiantes e ao mundo, que a guerra por si empreendida contra os “infiéis” de todo o planeta iria continuar, “mesmo na presença do vírus”, algo que, de resto, era expectável. Desde o seu primeiro sinal, em Dezembro de 2019, a pandemia e a crise sanitária dela resultante foram, de imediato, aproveitadas pelos terroristas jihadistas para desferirem os seus mortíferos ataques a Estados profundamente empenhados no combate à crescente tragédia pandémica. Face a este inquietante cenário é, agora, exigível a toda a Comunidade Internacional um inquestionável esforço de cooperação neste duro combate que se afigura longo, com a certeza de que, se tal não se verificar o terrorismo jihadista global terá caminho livre para a materialização dos seus assassinos propósitos, com a trágica possibilidade de recorrer, ainda, ao bioterrorismo, que desde há muito, diga-se, tem vindo a seduzir estas organizações terroristas.

No plano interno, entretanto, muitos são os países a braços com a ameaça representada pelo crescente extremismo político, num combate que se tem revelado deveras bastante difícil, sobretudo num contexto de confinamento, como o actual, em que os seus agentes operam predominantemente no espaço virtual, de grande acessibilidade. Virá a propósito referir a oportunidade de um relatório[4] produzido pela Commission for Countering Extremism (CCE), publicado no dia 9 de Julho de 2020, sobre a necessidade manifestada pelo governo britânico relativamente à “criação de uma resposta à significativa ameaça representada pelo extremismo político e pela difusão das suas narrativas”.

A finalizar, refira-se que, apesar da frenética corrida contra o tempo empreendida pela comunidade científica na busca de uma solução eficaz para reduzir drasticamente a exposição da população mundial ao COVID-19, o flagelo do terrorismo continuará a marcar a agenda dos movimentos que o representam, num claro aproveitamento que a actual crise sanitária tem vindo a oferecer. Resta-nos acreditar que os decisores políticos consigam estar à altura das suas responsabilidades, por via da necessária e rápida implementação de estratégias de prevenção e combate a estas (outras) formas de pandemia[5]: o terrorismo político e religioso.

 

 

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2021

 


[1] Termo árabe para designar Deus.

[2] INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/global/contending-isis-time-coronavirus [Consultado em 7 de Janeiro de 2021].

[5] Definição clássica do vocábulo usado pela primeira vez por Platão, e que, no seu sentido genérico, era atribuído “a qualquer acontecimento capaz de alcançar toda a população”. 

João Henriques
Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris