Diversidade, sim, importa!

Diversidade, sim, importa!


As perdas globais de biodiversidade têm sido enormes recentemente, apesar de depender desta o futuro da humanidade e de representarem uma crise paralela à das alterações climáticas.


Na sociedade e nas instituições, a presença de indivíduos de diferentes origens, géneros, raças/etnias, culturas, credos, práticas, formação académica, idade e experiências de vida potencia novas ideias e perspetivas, facilita a comunicação com diferentes comunidades, permite uma visão mais aberta ao mundo. Promover a diversidade é o primeiro passo para aumentar a tolerância e a verdadeira aceitação das diferenças e, assim, diminuir as incompreensões e preconceitos que alimentam as várias formas de discriminação, entre elas, o racismo, a xenofobia, a misoginia. Da diversidade biológica-biodiversidade depende a vida e o nosso futuro na Terra. No final deste mês marcado não só pela destruidora pandemia, mas também pela tomada de posse da administração Biden e pelas eleições para a Presidência da República Portuguesa, como ignorar o assunto?

A diversidade e a inclusão têm recentemente vindo a ser prioritizadas por um número crescente de empresas não só por serem um imperativo moral e ético, mas pela evidência (estudos da McKinsey, Boston Consulting Group…) de que um local de trabalho diverso e inclusivo maximiza talento, produtividade e sucesso num mundo profundamente globalizado e competitivo. Um local de trabalho no qual vozes diferentes são ouvidas e aceites conduz a maior sucesso também na atração e retenção de talentos e novos líderes. Na atividade académica, a diversidade impulsiona a excelência. São as equipas que reúnem as mentes mais brilhantes, com conhecimentos diversificados, de diferentes gerações, trabalhando harmoniosamente e partilhando ideias e experiências, as mais capazes para resolver problemas novos e complexos com maior rapidez e de serem criativas e inovadoras. A maior abrangência, profundidade e relevância das abordagens e tópicos de investigação assim permitidos acabam por se traduzir em publicações e inovações de maior qualidade e impacto, avaliados com base nas conhecidas métricas. Por isso é recomendada a investigação interdisciplinar, envolvendo equipas diversas e o experimentar de diversos ambientes de investigação. É desaconselhada, também por esta razão, a endogamia na universidade.

Contudo, a ascensão nas empresas dos agentes dessa diversidade não é assim tão clara e recompensadora! É o “paradoxo diversidade-inovação” que se verifica também na atividade académica, como mostra a publicação, em 2020, de um estudo realizado na Universidade de Stanford. Este mostrou que as inovações e outros sucessos atingidos por indivíduos de grupos sub-representados são desconsiderados e desvalorizados nas decisões para contratações e promoções, não se concretizando as previsíveis carreiras de sucesso. Este conflito entre a meritocracia na academia e a existência de desigualdades e preconceitos limita as oportunidades dos indivíduos, independentemente de demonstrado brilhantismo. Ainda que o preconceito dos júris de recrutamento ou promoção seja por vezes inconsciente, ele afeta o julgamento. Apesar da maior presença das mulheres no mundo do trabalho em geral, estas continuam significativamente e injustamente sub-representadas nos lugares de topo. Contudo, se o preconceito de género, que atinge metade da população, tem merecido atenção, outros tipos de diversidade enviesada não têm tido a mesma. Este assunto é por demais multifacetado, complexo e resistente à mudança para poder ser convenientemente tratado num pequeno artigo de opinião, mas muito há a ser feito a nível institucional e pessoal. Não se trata só de equidade, mas de melhor aproveitar todas as capacidades existentes, construir um ambiente de trabalho mais colegial e favorecer melhores desempenhos.

A biodiversidade é uma outra forma de diversidade, a biológica; traduz a variedade da vida na Terra, nas suas várias formas e múltiplas interações. As perdas globais de biodiversidade têm sido enormes recentemente, apesar de depender desta o futuro da humanidade e de representarem uma crise paralela à das alterações climáticas. Resulta da destruição massiva de áreas selvagens (para criar terrenos agrícolas, estradas, habitações, indústrias), da caça insustentável, da poluição. Uma vez destruída a biblioteca da vida, uma vez extinta uma espécie, não há como voltar atrás, é irreversível. A diversidade microbiana representa uma grande parte da biodiversidade que se encontra em perda. Os microrganismos foram o primeiro tipo de vida a aparecer no planeta e estão hoje presentes mesmo em ambientes inóspitos; são essenciais para a manutenção de ecossistemas saudáveis e desempenham papéis críticos na saúde humana, animal e climática. Sabe-se hoje, através da presença dos genomas (metagenómica) mesmo de microrganismos não cultiváveis em laboratório, que a diversidade microbiana é muitíssimo superior ao imaginado. Os microrganismos ambientais são o suporte de todas as formas de vida e são imensamente diversos, bem como os seus metabolismos. Por isso mesmo, têm potencial como fábricas celulares em múltiplas aplicações industriais. No entanto, este precioso reservatório microbiológico e genético continua, em grande parte, por explorar em biotecnologia. Mesmo assim, contribui já hoje para a obtenção de uma diversidade de produtos para prevenção e terapia de doenças, diagnóstico, alimentação, bioenergia, compostos químicos e materiais, e para o tratamento de água e efluentes, valorização de resíduos, etc. Preservar e explorar a atual biodiversidade microbiana com vista a uma bioeconomia sustentável, sim, também importa, também é do nosso interesse.

 

Professora catedrática do Departamento de Bioengenharia do Instituto Superior Técnico