A Europa guerreava-se, no continente e nas possessões ultramarinas; e até a Rússia, que emerge como grande potência neste período, impor a doutrina da neutralidade armada, a que Portugal adere, o Atlântico era uma balbúrdia: o império luso aos bocados, os espanhóis, passado o Siglo de Oro, tornavam-se presas mais ou menos difíceis para ingleses e franceses, quem realmente mandava no Ocidente, com os holandeses pelos interstícios a abocanhar os restos. Pelo meio, aproveitando-se da confusão, com bases naturais nos arquipélagos das Antilhas, uma chusma fora da lei com a cabeça a prémio, aventureiros, renegados, fugitivos, desertores, revoltados, interceptava os barcos que cruzavam o oceano,
Em 1959, com a criação da revista Pilote, a dupla Jean-Michel Charlier (1924-1989) e Victor Hubinon (1924-1979) há muito que desenvolvia uma profícua colaboração no semanário Spirou: Buck Danny, o ás da aviação surgido em 1947 e que ainda hoje se publica, é a criação mais bem sucedida desse período; uma outra, sobre o corsário Surcouf (1773-1827), permitiu que reunissem uma vasta documentação para empreenderem uma sólida série de flibusteiros. Nasceu assim o pirata Barba Ruiva, comandante audaz, talentoso e cruel, que não fazia prisioneiros.
O galeão que avistámos na primeira vinheta será presa dos piratas do “Falcão Negro”, assim se nomeava o brigue, navio rápido de dois mastros, com seis a dez canhões, apropriado tanto para a abordagem aos pesados navios mercantes, como retiradas bruscas para dentro do arquipélago caribenho, em caso de perseguição de navios de armada hostil. A bordo do barco espanhol seguia um casal com um filho de tenra idade, que não tardará em ficar órfão, ou quase, uma vez que o pirata o adoptará. Eric Lerouge, assim vai chamar-se, será instruído por um velho pirata culto e perneta, Três-Patas, e por Babá, um homenzarrão negro, ex-escravo libertado por Barba Ruiva. E aqui o leitor já estará a vislumbrar a imagem dos desastrados piratas de Astérix, que pela difusão mundial que conhece o gaulês, tornou a paródia mais célebre que o original…
Charlier assimilou muito bem o espírito insurrecto e comunitário da pirataria, que conjugava disciplina férrea e desbragamento selvagem; Hubinon, que era uma máquina a desenhar aviões e couraçados, continuou exímio com os veleiros, perseguindo-se nesse mar sem lei. Tendo passado por vários autores, a série continua a publicar-se na mesma editora, a Dargaud.
Barba Ruiva – O Demónio das Caraíbas
Texto Jean-Michel Charlier
Desenho Victor Hubinon
Editora Meribérica / Liber, Lisboa, s.d.
BDteca
A batida. Hassan é um jornalista que procura infiltrar-se num grupo obscuro de cangalhada esotérica e ligações suspeitas à extrema-direita. Anualmente, “Les Blanchistes” organizam uma batida de caça que é um momento iniciático cheio de alusões a um primitivismo natural que viceja em certas cabecinhas. Para o efeito, o repórter contacta com uma antiga colega de escola, filha de um deles, mas que não lhes acha grande graça, trazendo-lhe algumas recordações inquietantes. Battue, argumento de Lilian Cocquillaud e desenhos de Marine Levéel, edição 6 Pieds sur Terre, 2020.
Uma família reconstituída. Ronan e Ségolène constituíram família trazendo filhos de casamentos anteriores. Caos, embaraço, alegria e felicidade, tudo à uma. Sti, o argumetista baseia-se na própria experiência, cada vez mais comum, com desenhos de Armelle Drouin, autora da Disney francesa. Edição Bamboo, 2021.
BD portuguesa de luxo. Edição comemorativa dos 25 anos da publicação de Alice na Cidade das Maravilhas, de Luís Louro, já um veterano dos quadradinhos nacionais. A história e as estórias de uma hetaira em Lisboa nos anos noventa, agora em quinta edição especial, com extras. Edição Arte de Autor, Estoril, 2020.