“A tolerância do Natal tem um custo a pagar e estamos a começar a pagá-lo”

“A tolerância do Natal tem um custo a pagar e estamos a começar a pagá-lo”


O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, adianta que algumas das pessoas que estão a adoecer agora ficaram infetadas no período das festas, e que esse impacto vai ser visível ao longo das próximas semanas.


Estão a chegar relatos às equipas de saúde pública de pessoas que se infetaram nas festas? Em grandes festas ou em situações em que os grupos eram pequenos?

Sim, há vários casos de pessoas que se infetaram no Natal. Não ouvi relatar nenhum caso de grandes ajuntamentos, almoçaradas e jantaradas de 20 pessoas. O que tivemos foi muitos ajuntamentos de grupos relativamente pequenos, cinco, seis, sete pessoas e começam a aparecer pessoas que se terão infetado nesses contextos.

Têm a perceção de que estão a entrar cada vez mais casos para rastreio de contactos?

A perceção que temos é de que a situação se está mesmo a complicar. Por um lado sabemos que é capaz de haver um efeito de arrastamento de alguns diagnósticos mais tardios, mas há um aumento claro dos casos.

Defendeu que o cenário de um novo confinamento não pode ser excluído. Poderemos chegar a esse ponto?

Não podemos fazer futurologia, mas olhando à volta, até para outros países, o cenário que vemos é esse. Estamos a aumentar o número de casos, não temos ainda muitas pessoas vacinadas. Já tínhamos dito que janeiro ia ser complicado e antevejo tempos difíceis.

A renovação do estado de emergência desta vez por oito dias pode levar a expectativas diferentes nas pessoas?

Já temos uns meses largos de mensagens ambivalentes. A tolerância do Natal tem um custo a pagar e estamos a começar a pagá-lo. Sabemos que tipicamente há cinco a seis dias de período de incubação, mas isto gera cadeias de transmissão e mesmo o impacto nos internamentos só se vê mais tarde, não é imediato. Algumas pessoas que estão a adoecer agora infetaram-se de facto no período das festas, mas o impacto vai ser visível ao longo das próximas semanas. Como nunca tivemos grande folga nos internamentos, continuamos com 500 pessoas em UCI e mais de 3 mil internamentos, partimos com números elevados e se a situação se continua a avolumar será difícil.

Sabendo o impacto do primeiro confinamento, o que considera que deve ser a linha vermelha para equacionar uma solução desse género?

O que tenho dito é que se continuarmos a achar que o confinamento é a solução, vamos andar de confinamento em confinamento. Ou acertamos com a mensagem, as pessoas moderam os comportamentos e passamos a ter menos infeções e temos capacidade de ter meios no terreno para fazer rapidamente a identificação das cadeias de transmissão e interrompê-las ou vamos andar sempre a correr atrás do prejuízo.

Está a haver dificuldades das equipas que fazem os inquéritos epidemiológicos para acompanhar o recrudescimento de casos?

Em Lisboa já começaram a acumular casos pendentes, casos a que não dão seguimento nas 24 horas previstas. A menos que haja um reforço significativo nos meios disponíveis as coisas não melhoram espontaneamente.

Que medidas espera que venham a ser tomadas?

Por um lado parece-me sensato que sejam utilizados os dados mais atualizados possível. E sobretudo que seja transmitida a mensagem adequada.