O Mistério da Grande Pirâmide (2)

O Mistério da Grande Pirâmide (2)


A egiptologia foi pasto para o imaginário ocidental, da campanha militar de Napoleão à campanha arqueológica de Howard Carter, do espírito científico que deu Champollion às aldrabices ditas esotéricas, e de Hercule Poirot a Indiana Jones.


O Mistério da Grande Pirâmide de Jacobs mistura sabiamente os diversas aspectos deste fascínio, como deixa entrever Jacobs na autobiografia Un Opera de Papier – Les Mémoires de Blake et Mortimer (Gallimard, 1981). Assim, para além do lixo impresso em qualquer gazeta de baixa extracção, muniu-se dos autores clássicos, Heródoto, Estrabão, Abdalatife de Bagdade, e dos modernos como Maspero, citado no texto, ou Mariette – “o amigo íntimo de todas as múmias”, como lhe chamou Eça de Queirós, que com ele se cruzou na Ópera do Cairo, em 1869, onde estava para assistir à inauguração do Canal de Suez. (Para registo: Mortimer passa pelo mesmo hotel em que Eça se hospedou, o Shepheard, mas não consta que o cientista conhecesse a obra do escritor português, o drama dos países periféricos…).

O plot de O Mistério da Grande Pirâmide é pois condimentado com tudo isto: arqueologia (Mortimer em férias, encontra-se com o seu amigo, o Prof. Ahmed, director do Museu do Cairo), o romanesco policial (Olrick surge como testa de uma bem organizada rede de tráfico de antiguidades egípcias) e o mistério: um compartimento secreto até então inviolado, a “Câmara de Hórus”, que esconderia o tesouro e o legado de Aquenáton.

Amenófis IV, faraó da XVII Dinastia, reinando entre 1370 e 1357 a.C. operou uma revolução religiosa no Egipto faraónico: o culto monoteísta de Áton, o deus sol, alterando o nome para Aquenáton, o filho ou o instrumento de Aton, bizarria que a classe sacerdotal não iria deixar passar incólume, assim que o faraó herético fosse prestar contas ao Criador – e, na verdade, o povo também não aderiu a esta mudança. Há quem procure explicar tal desvio pela provável ascendência semita de Aquenáton; as feições do rei, podemos constatá-lo, são assaz peculiares dentro do fenótipo egípcio e a verdade é que a presença hebraica no país é histórica, não apenas pelos contactos comerciais como também pelo domínio dos Hicsos, povo semita, cerca de dois séculos antes. Além disso, mais espicaça a nossa curiosidade a circunstância de a mulher de Aquenáton ser Nefertiti, a mais bela das egípcias antes de Cleópatra, como nos revela o busto no Museu de Berlim, e as tocantes manifestações de afecto entre o casal que chegaram até nós.

Blake e Mortimer, depois de Olrik, terão acesso a essa câmara guardada desde então por descendentes do escriba do faraó, Paatenemheb, o último dos quais aparece na capa do segundo tomo. Será a escolha deste controverso faraó como mola da narrativa, que, quanto a nós, dará a esta aventura de Blake e Mortimer o plus que ainda hoje, passados setenta anos da sua estreia numa revista juvenil, mantém o interesse acrescido numa das grandes séries da BD mundial.

 

 

 

 

O Mistério da Grande Pirâmide,  Vol. 2.
A Câmara de Hórus

Texto  e  Desenho Edgar P. Jacobs
Editora Livraria Bertrand, Venda Nova, 1982

 

Bdteca

Os estranhos inquéritos do Major Burns. O Major Burns e o inefável Dr. Wayne formam outra dupla britânica, criada pelo traço humorístico e cáustico de Devig (Christophe de Viguerie, Toulouse, 1965). Ambientada na Londres Vitoriana, a cidade mais populosa do mundo, capital da maior potência do planeta, onde a indústria e comércio prosperam e o crime e a miséria também. A Scotland Yard cria um departamento para se ocupar de “casos particulares” à frente da qual está uma parelha que é o avesso dos nossos felumáticos britânicos aí ao lado esquerdo. Les Étranges Enquêtes du Major Burns, edição Fluide Glacial, 2020.

 

Kid Paddle. Midam (pseudónimo do belga Michel Ledent) entrou na revista Spirou em 1989, como ilustrador da secção de videojogos, para a qual criou Kid Paddle, um garoto de nove anos obcecado não apenas por essa nova forma de entretenimento como por filmes que não são para a sua idade, em especial o género “gore”. A personagem caiu no goto dos leitores, foi alargando espaço, trazendo consigo outras figuras, nomeadamente Benji “Big” Bang, inventor nem sempre feliz de gadgets, e Horace, o ingénuo, ambos cúmplice de Kid nas tentativas frustrantes e frustradas de entrar em cinemas que passam filmes que lhes estão interditos. Desta série humorística, que deu origem a uma outra de que já aqui falámos, Game Over, foi agora publicado o 16.º álbum, Kid N’Roses, edição Dupuis.