Depois de ter reconhecido que a eficácia da vacina se situava nos 62% em vez dos 90% anunciados inicialmente, a farmacêutica AstraZeneca anunciou agora que irá colaborar com cientistas russos para realizar ensaios clínicos de forma a combinar a sua vacina com a Sputnik V.
Miguel Castanho, especialista do Instituto de Medicina Molecular, afirma ao SOL que esta «é uma ótima notícia». «Dois rivais e competidores entenderam-se para criar um produto melhor e com vantagem para todos», disse através de uma chamada telefónica.
O especialista explicou que a criação de «uma vacina mista» é possível, uma vez que estas são «semelhantes». «Tem o mesmo modo de ação: um vírus inofensivo que distribui um gene de uma proteína do SaRS-CoV-2 aos genes nas células para produzirem a proteína e, portanto, despoletarem a resposta imunitária», descreve Castanho.
Este processo faz sentido para o especialista. Os testes da AstraZeneca falharam inicialmente porque a segunda dose criou uma resposta imunitária que diminui a eficácia da vacina. Portanto, ao administrar dois vírus (ligeiramente) diferentes é possível que «a resposta imunitária à primeira dose não se faça sentir tanto depois de tomar a segunda dose».
«Parece-me lógico que, do ponto de vista do desenvolvimento de uma vacina melhor, [esta fusão] aconteça», conclui o especialista.
Uma vacina credível?
As vacinas desenvolvidas pela AstraZeneca e pela Rússia são das que mais dúvidas e reservas têm levantado entre especialistas.
A vacina russa ainda não publicou os resultados dos testes e a desenvolvida pela farmacêutica em conjunto com a Universidade de Oxford ainda não ofereceu uma explicação «convincente», nas palavras de Castanho, para o erro verificado em relação à percentagem da eficácia anunciada.
Apesar de acreditar que «este erro não compromete a segurança do processo», Miguel Castanho considera que «se aconteceu algo que não era suposto acontecer é bom que ele seja melhor explicado».
Provar que esta é uma vacina credível é «um dos maiores desafios para os próprios produtores», refere. «Mas espero que eles tenham transparência nos seus testes e que os resultados sejam sempre publicados e disponibilizados para escrutínio porque isso é uma condição essencial em qualquer circunstância», explica.
Vacina australiana testa falso-positivo para VIH
A empresa australiana de biotecnologia CSL anunciou que ia suspender os testes da vacina contra a covid-19 após um número indeterminado de participantes da primeira fase de testes ter testado «falsos positivos» para o VIH.
Segundo dados científicos da CSL, os anticorpos desenvolvidos na primeira fase de testagem interferiram no diagnóstico de VIH, abrindo caminho para «falsos positivos».
Desenvolvida em parceria com a Universidade de Queensland, era um dos principais trunfos do governo australiano, que comprou 51 milhões de doses, para responder à pandemia.
O primeiro-ministro Scott Morrison anunciou que a solução da CSL deixará de fazer parte do plano de vacinas australiano e que, entretanto, o governo autorizou um aumento de 33,8 milhões para 53,8 milhões de doses da vacina AstraZeneca, que serão produzidas em Melbourne, de 40 para 51 milhões de doses da vacina Novavax e de 10 milhões de vacinas da BioNtech-Pfizer.
Miguel Castanho elogia a atitude do governo australiano: «Perante o adiamento inevitável que representaria otimizar a vacina, perante o número de vacinas que já se espera ser aprovado, desistiram de desenvolver a sua própria vacina», diz-nos. «Quando há várias empresas a desenvolverem o mesmo tipo de vacinas e alguns avançam em relação a outros, os que vão ficar para trás acreditam que deixa de ser vantajoso desenvolver aquele produto e abandonam a ideia».