Se procurarmos nos indicadores internacionais os países com maior percentagem de população entre os 18 e os 64 anos que é dona do seu próprio negócio, facilmente concluímos que, em muitas regiões do mundo, ser empreendedor é uma necessidade, e não um sonho. Nos dados disponíveis sobre países africanos, a percentagem de empreendedores é muito superior à dos países mais industrializados. No seu livro A Economia dos Pobres, os prémios Nobel A. Banerjee e E. Duflo caracterizam o paradoxo dos pobres e dos seus negócios: são energéticos e inventivos e conseguem fazer muito com muito pouco, mas grande parte dessa energia é gasta em iniciativas demasiado pequenas e indiferenciadas. O resultado é que estas frequentemente não proporcionam rendimentos suficientes para satisfazer as necessidades básicas de quem neles trabalha.
Governos e entidades, como o Banco Mundial, gastam milhares de milhões de dólares em programas destinados a estes microempresários, ensinando-lhes boas práticas de gestão como contabilidade, gestão de stocks, marketing, vendas, etc. Há, no entanto, poucas evidências de que estas formações tenham contribuído significativamente para o aumento dos lucros desses negócios. Por outro lado, os estudos sobre empreendedores mostram-nos pouca correlação entre o seu sucesso e o seu nível de conhecimentos em práticas de gestão e em variáveis económicas. Já referi em artigos anteriores a importância de fatores como a mentalidade e a forma de pensar dos empreendedores de sucesso (“Tem uma mentalidade inovadora”, 7-jan-2019, e “Como pensar como um inovador”, 20–mar-2018). É no desenvolvimento desta mentalidade e modo de pensar que se foca a educação em empreendedorismo.
Um grupo de investigadores do Banco Mundial e de uma universidade alemã resolveram fazer uma experiência para procurar determinar as diferenças entre o impacto da formação tradicional em gestão e da formação em empreendedorismo. Para isso utilizaram os candidatos a um programa de financiamento do Banco Mundial no Togo para selecionarem 1500 microempresários para o seu estudo. As empresas escolhidas tinham um lucro médio mensal de 199 dólares, uma média de três empregados e 53% dos donos eram mulheres. Foram estratificadas por género, setor de atividade e lucros e, em cada estrato, foram divididas aleatoriamente por três grupos de 500 empresas. Aos empresários do primeiro grupo foi dada uma formação tradicional em gestão, aos do segundo grupo uma formação em empreendedorismo e o terceiro foi usado como grupo de controlo, sem qualquer formação.
O período de formação presencial durou quatro semanas e foi seguido de quatro visitas mensais dos formadores a cada empresa. A partir daí, as empresas foram seguidas com quatro inquéritos semestrais e os resultados ao fim de dois anos foram surpreendentes. Os negócios dos empresários que receberam formação em empreendedorismo tiveram, em média, um crescimento dos lucros em 30%, enquanto os dos empresários que receberam a formação tradicional tiveram um aumento médio dos lucros, estatisticamente não significativo, de 11%. Além disso, os empresários com formação em empreendedorismo criaram mais produtos novos e com maior inovação e aumentaram o seu acesso ao crédito. Curiosamente, notou-se que este grupo aumentou também o uso de boas práticas de gestão. Poderá conhecer melhor estes resultados no artigo da revista Science “Teaching personal initiative beats traditional training in boosting small business in West Africa”, (F. Campos et al., 2017).
Usei recentemente este trabalho numa aula que dou a alunos do primeiro ano do Técnico para os motivar a procurar valor para a sociedade nos projetos que irão realizar ao longo da sua formação em engenharia, com o objetivo de aumentar a sua mentalidade empreendedora. Como, desta vez, a aula decorreu virtualmente, foi possível ver nas trocas de mensagens que alguns alunos discutiam se a propensão para o empreendedorismo nascia ou não com as pessoas. Com efeito, tal como o quociente de inteligência aumenta entre 2,7 e 4,5 pontos por ano de escolaridade, também a capacidade empreendedora pode ser desenvolvida. Haverá certamente alguma propensão inata para alguns dos aspetos que contribuem para uma mentalidade empreendedora, mas o sucesso no empreendedorismo requer o desenvolvimento de uma variedade de comportamentos. Muitos destes microempresários do Togo tê-lo-ão sido por força das circunstâncias, mas tiveram mais sucesso com uma formação focada no desenvolvimento da sua iniciativa pessoal.
Os resultados deste estudo no Togo devem levar à reflexão não apenas sobre a melhor forma de treinarmos os microempresários em África, mas sobre a forma como preparamos as próximas gerações para as incertezas de uma economia global. Até porque a startup vencedora da Web Summit da semana passada nasceu e está sediada na Etiópia.
Professor do Instituto Superior Técnico