O mistério da grande pirâmide (1)

O mistério da grande pirâmide (1)


Sem retomar o trabalho enquanto não chegassem imagens fiáveis, verá afinal que os nauseantes recipientes eram iguais  aos de Nova Iorque


Criada por Edgar Pierre Jacobs (1904-1987) e estreada em 1947 no número inaugural da revista Tintin, Blake e Mortimer é uma série que estará sempre na mão que conte pelos dedos as obras mais notáveis do género BD. Relatos de aventuras, envolvendo a espionagem, a ciência e também a História: ou como escreveu o sociólogo Jean-Bruno Renard, uma mistura de Júlio Verne, H. G. Wells e Raymond Leblanc, o criador de Arsène Lupin, faltando dizer que será isso tudo e algo mais, singularizado pela grande arte do autor, um antigo barítono cuja carreira fora interrompida pela guerra de 39-45.

Encontramos pela primeira vez os dois gentlemen britânicos – o Professor Phillip Angus Mortimer, escocês nascido na Índia, físico nuclear, inventor, arqueólogo amador, desportista, e o galês Sir Francis Percy Blake, capitão da RAF e futuro director do MI5 –, em O Segredo do Espadão, no Tibete, onde impera Basam-Damdu, o ditador que fará deflagrar a III Guerra Mundial, ainda a anterior terminara havia dois anos.… E contra eles, o Coronel Olrik, aventureiro e criminoso internacional, com provável origem nos países bálticos, cria Jacobs, criador de mais esta criatura cujo rosto em si mesmo fora inspirado…

Se todos as histórias se revestem de grande qualidade, os dois volumes de O Mistério da Grande Pirâmide (estreia em 1950 nas páginas daquela revista) e A Marca Amarela (publicada entre 1953 e 54) são consideradas as obras-primas. Em Portugal, ambas foram publicadas quase de seguida no Cavaleiro Andante, de Adolfo Simões Müller, cujos contactos com a Bélgica, vinham já de antes da guerra, nomeadamente com Hergé. Perfeccionista, Jacobs foi uma espécie de Flaubert da BD. O romancista francês esgotava os assuntos: para escrever Salammbô leu tudo sobre Cartago, autores antigos e modernos, consultou especialistas, foi à Tunísia, às ruínas púnicas. Jacobs procedia da mesma forma no que respeita à documentação e planificação do seu trabalho, que executava sempre sozinho. Há uma anedota reveladora dessa obsessão pela verosimilhança e rigor documental: em 1971, a revista publicava semanalmente As Três Fórmulas do Professor Sato, até que, para desespero da redacção, Jacobs resolveu que precisava de conhecer os modelos dos caixotes do lixo de Tóquio, imagens cujo acesso não era fácil à época – decerto que um guia regular da cidade não traria fotos da imundície urbana… Sem retomar o trabalho enquanto não chegassem imagens fiáveis, verá afinal que os nauseantes recipientes eram iguais aos de Nova Iorque, esses bem à mostra, até para quem os não quisesse ver… É à luz desta prática que o nosso autor situa Blake e Mortimer no Egipto do último faraó, Faruk I, um monarca manobrado pelos ingleses que controlavam o país, pálida sombra do fundador da sua dinastia, albanesa, Mohamed Ali, e um enigma envolvendo um outro soberano, a milénios de distância, o controverso Aquenáton mais um espólio que ficou por encontrar…

(continua)

O Mistério da Grande Pirâmide, Vol. 1. O Papiro de Máneton
Texto e desenhos Edgar P. Jacobs
Editora Verbo, Lisboa, 1969

 

BDTECA

Oriente aos quadrados. Guy Delisle é um autor de BD e cinema de animação natural do Quebec, que tem colhido das suas viagens ao Oriente, ora como animador ora como cônjuge de uma responsável pelos Médicos sem Fronteiras, material para comentar com humor crítico essas experiências, de que resultaram alguns livros que dão conta num tom pessoal do choque cultural e das dificuldades de comunicação. A Devir anuncia uma nova edição de Pyongyang – Uma Viagem à Coreia do Norte (2003) e uma primeira publicação de Crónicas da Birmânia (2007), esse país complexo, ponte entre a Índia e a China, de que sabemos tão pouco.

Conspirações. O sétimo álbum do segundo ciclo da série XIII, criada por Jean Van Hamme e William Vance, agora a cargo de Yves Sente (argumento) e Iuri Jigunov (desenhos). Jason MacLane, aliás ‘XIII’, infiltrou-se na Fundação Mayflower, uma organização ultraconservadora que pretende assenhorear-se da presidência dos Estados Unidos. O conluio passa por um atentado ao Papa, em visita ao país, que XIII é compelido a perpetrar e a liquidação do Presidente americano. Na chefia do Estado está agora o presidente do Senado, implicado na conspiração. Resta assim à Fundação Mayflower reprogramar XIII e torná-lo indefectível à causa. Mémoire Rechargée, edição Dargaud, Paris 2020.