Um mundo global mas parado


A comunicação continua a fluir, mas o contacto físico está a deixar de existir.


1. Corona, covid, vírus, testes, contágio, internados, mortos, infetados, alastramento, confinamento, desconfinamento, vacina, medicamento, capacidade esgotada, falta de resposta, de gente, de quartos, de equipamentos, isolamento, abandono, contingência, emergência, recolher obrigatório, cerca sanitária, crise, economia, falências, moratórias, liberdades e garantias, depressão pessoal e catástrofe social. Mas também esperança, coragem, força, heróis, exemplos, voluntários, altruísmo, caridade e solidariedade. Mais coisa menos coisa, são estas as palavras da nossa nova realidade. Num mundo onde tudo estava feito para se circular, viajar, conviver e ter lazer, a situação não pode ser pior, porque ela é contranatura, ou melhor, contra a natureza da sociedade que a humanidade ia construindo a diversos ritmos, com grandes diferenças de nível de desenvolvimento e, claro, com a exceção de alguns regimes, nomeadamente, como os teocráticos islâmicos e as Coreias do Norte que ainda há. Rapidamente ruíram muitos dos alicerces da sociedade por causa de um vírus pandémico que repete cenários dramáticos que a humanidade já tinha vivido, mas queria esquecer. O mundo continua a ter comunicação global, mas ela está a deixar de ser física. Há que reconstruir, mudar, melhorar, lutar, conter e ter esperança ou fé, consoante os casos. Por cá, as medidas que o Governo impôs eram esperadas. Tornaram-se necessárias porque se falhou na prevenção e porque os cidadãos falharam também. A culpa é de todos, mas essencialmente do Governo e de uma classe política alargada que, no seu conjunto, não soube estar à altura das suas responsabilidades e do que, obviamente, aí vinha. Por exemplo, foi e é errado manter certas escolas e faculdades abertas, ignorando o potencial de transmissão que são os adolescentes e jovens adultos, que já podem ficar em casa sozinhos. Há até medidas que podem ter efeitos perversos. É o caso das limitações de circulação ao fim de semana. Podem ter um efeito psicológico devastador. Basta imaginar a pressão nervosa que se vai abater sobre quem está em teletrabalho toda a semana, a cuidar da casa e dos filhos e que, depois, ao sábado e ao domingo fica confinado a partir das 13 horas. Uma coisa é uma pessoa que sai para a rua mesmo para trabalhar, outra é quem, na prática, está em reclusão permanente. Há muito atabalhoamento no Governo, mas isso já todos sabemos e ficou mais uma vez provado pelos avanços e recuos e pelas ruturas à vista na saúde e na segurança social. A propósito: de onde saíram os números segundo os quais é no convívio familiar que mais se é contagiado? E os que dizem que não há evidência de que se possa ser contaminado em transportes públicos? Digam lá de onde, s.f.f.

2. António Costa não esteve presente no Parlamento na discussão sobre a declaração do estado de emergência. Não se sabendo o motivo, tem de se partir do princípio de que não compareceu por opção política. Delegou o assunto no ministro da Administração Interna, como se fosse um mero tema de intendência policial. O procedimento foi incompreensível do ponto de vista democrático. António Costa tem cultura e pergaminhos democráticos mas, pontualmente, mostra um desprezo pelas normas da República que deveria merecer reparo, pelo menos do presidente da Assembleia da República. Mas Ferro guarda-se mais para falar grosso a quem se situe mais à direita.

3. Pedro Nuno Santos é um caso. Na semana passada, o putativo candidato à posição de sucessor de António Costa tinha feito saber que estava a preparar-se para dizer umas coisas com a sua voz tonitruante no PS, uma vez que a matéria eram as presidenciais. Os jornalistas estavam ansiosos e, afinal, nada. Santos faltou ao secretariado nacional, do qual é membro. Faltou também à comissão política, tendo sido o único membro do secretariado a primar pela ausência nesse órgão. Só participou via Zoom na comissão nacional, por estar em teletrabalho. Entradas de leão…

4. Trump perdeu as eleições, mas nunca irá aceitar pessoalmente o facto. Mesmo apeado, Trump não vai ser um ex-Presidente recatado como foram ou são os seus antecessores. Não vai parar de vociferar. Pode perfeitamente tornar-se um agitador permanente através dos média, uma vez que tem indiscutível capacidade de captar audiências. Entretanto, ninguém por cá questionou muito a circunstância de algumas das principais televisões americanas terem tirado Trump do ar por estar a mentir, na fase de apuramento dos votos. A CNN, a mais anti-Trump que há, não o fez. Deixou-o falar e depois denunciou as falsidades. Agiu corretamente. Na realidade, o precedente americano é grave porque transforma os editores e jornalistas em censores.

5. Deixem voar os flamingos! Já aqui se escreveu, há duas semanas, que faz todo o sentido reequacionar a opção de adaptar o aeroporto do Montijo a voos civis, uma vez que não se prevê que a aviação recupere totalmente antes de 2025. Desde logo porque vão passar alguns anos até que haja um fluxo turístico que sature Lisboa. Depois, porque o enorme impacto ambiental negativo das obras do Montijo deixa de ser um problema. Volta a fazer sentido ponderar a Ota, uma vez que ali perto vai passar a suposta futura linha ferroviária de alta velocidade Lisboa-Porto, juntando-se à atual Linha do Norte e à autoestrada A1. A Ota foi, durante anos, a única opção. Seria um equipamento altamente relevante para dinamizar ainda mais a região Centro. Nos últimos dias, já houve alguma abertura para reconsiderar o Montijo, mas apontando para Alcochete, que também é ambientalmente problemático.

6. A mobilidade urbana mudou muito. Nas ruas das cidades há cada vez mais bicicletas elétricas ou clássicas. Multiplicaram-se as ciclovias. Verifica-se também que certos ciclistas circulam sem olhar a regras de segurança para eles e para terceiros, nomeadamente os peões, muitos dos quais são crianças. O que é lamentável no meio disto é que, salvo as bicicletas camarárias e as trotinetes de aluguer, a maioria circula sem seguro, o que é uma irresponsabilidade cívica por parte dos utilizadores e, sobretudo, do Governo. Há razões de sobra para impor seguros aos ciclistas, salvo, claro está, para as bicicletas de crianças. Fica o aviso, que obviamente vai cair em saco roto até ao dia em que os seguros achem mesmo que é um nicho para ganharem dinheiro. Para já, quem for colhido por um ciclista sem ter culpa está totalmente desprotegido.

 

Escreve à quarta-feira