Do que nos faz mais fortes em Cascais


Recordo a tremenda maturidade das populações que, perante a adversidade, mantiveram uma serenidade espantosa, determinante para evitar mais perdas num cenário dantesco.


1. Passaram ontem dois anos sobre o último grande incêndio no Parque Natural Sintra-Cascais.

Um fogo criminoso, com uma ignição marcada para as horas altas de uma noite ventosa, que começou na Peninha, do lado de Sintra, e rapidamente avançou para o lado de Cascais.

Combatido por quase 800 bombeiros e mais de 220 viaturas, aos quais se juntaram seis meios aéreos mal nasceu o sol, o incêndio estaria dominado na manhã de dia 7 de outubro. Cascais perdeu 450 hectares de mato e floresta, aldeias foram evacuadas e alguns bombeiros ficaram feridos a defender a comunidade.

Mas não é só por estas razões que 6 de outubro de 2018 é um dia gravado na nossa memória coletiva.

Recordo, nesse dia de um trágico ano de 2018, a resistência sobre-humana dos nossos bombeiros. Recordo a tremenda maturidade das populações que, perante a adversidade, mantiveram uma serenidade espantosa, determinante para evitar mais perdas num cenário dantesco. Recordo a pronta colaboração do Governo, na pessoa do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, assim como o primeiro-ministro e o Presidente da República que apoiaram Cascais do primeiro ao último minuto. E recordo, dias depois, a 13 de outubro, a estrondosa manifestação de energia e boa vontade dos cascalenses com mais de 1200 voluntários a pôr mãos à terra para regenerar e recuperar o nosso Parque Natural. A adversidade expôs uma força maior da comunidade.

Há sempre quem queira colar fogos florestais a desejos mais ou menos confessados de novas construções e empreendimentos imobiliários. Travámos esses ímpetos. E fomos muito claros: não permitiremos um centímetro de betão em terrenos ardidos. Zero construção em zona de Parque Natural quer mesmo dizer zero construção. Pois ainda o incêndio não tinha sido dado como extinto e já eu assinava um despacho que, entre outras medidas, proibia (e proíbe) a construção em zonas afetadas por incêndios por uma década. Ao mesmo tempo, as nossas equipas municipais passaram de imediato à fase de regeneração e recuperação da paisagem ardida. Entre combate às chamas e custo ambiental (na operação de regeneração) investimos 1.8 milhões de euros. O dinheiro nunca foi o mais importante.

Salvaguardadas pessoas e bens, o importante era olhar para a defesa de longo prazo do Parque Natural para além daquelas cicatrizes recentes de fogo.

E foi o que fizemos. Repensámos a organização da floresta e redescobrimos os usos originais da terra como fonte de resiliência. Olhámos para os mapas ancestrais do Parque Natural e, como os antigos sabiam, confirmámos que é a paisagem-mosaico a principal fonte de biodiversidade. A terra parcelada, com as suas dinâmicas culturais, de visitação, ou económicas (pastorícia e agrícola) é mais resiliente do que a floresta uniforme. É da descontinuidade que surge a capacidade de resistir à adversidade.

Para materializar esta nossa visão de futuro que é um regresso à sustentabilidade do passado, tivemos o apoio inexcedível do Instituto de Conservação da Natureza e Floresta, da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais e do Instituto Superior de Agronomia. É este plano de paisagem, que ontem apresentámos à comunidade, que queremos transportar para todo o território como forma de aumentar os nossos níveis de sustentabilidade.

Acreditamos que é este o caminho para o futuro. E não estamos sozinhos. Os particulares – não esquecer que a maior parte do Parque Natural é propriedade privada – alinharam com os poderes públicos e com a academia desde o momento zero. É que só unidos, só agindo como um verdadeiro ecossistema, vamos ser capazes de vencer a batalha pela biodiversidade e pela sustentabilidade ambiental.

2. Uma das frases que mais me marcou em pleno período de pandemia foi dita pelo Papa Francisco. “Estamos todos no mesmo barco”, dizia o Santo Padre. Como líder de uma comunidade, absorvi este ensinamento e, com as equipas municipais, temos feito um esforço para que ninguém fique para trás. Foi nos mais frágeis da sociedade que pensámos quando o confinamento foi decretado. Um teto, uma casa para quem já só remotamente ouvira falar dela, era uma emergência. Adaptámos, logo em março, dois pavilhões desportivos a centros de acolhimento para sem abrigo. Sete meses depois, renovamos o nosso compromisso de não deixar ninguém para trás. De sermos todos por todos. Inaugura hoje, na freguesia de Alcabideche, um Centro de Recursos para Pessoas em Condição de Sem Abrigo. Com apoio 24/7, acompanhamento médico, alimentação, higiene, canil e gatil, damos uma nova oportunidade a quem dela mais precisa. Das 73 pessoas que acolhemos nos centros provisórios, 18 já se autonomizaram. Têm casa e emprego. Têm futuro e esperança. Esperamos que sejam muitos mais a seguir as pegadas da libertação da rua, da desumanidade e da indignidade por que nenhum ser humano deve passar.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira