O Governo arrisca-se a ter de “abrir os cordões à bolsa” para levar a cabo a produção de hidrogénio verde em Portugal – tal como o previsto na Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2), aprovada em agosto.
Em causa está a atribuição de 900 milhões de euros de apoios públicos ao investimento e à produção, pelo menos, até 2030, para compensar os elevados custos de produção do hidrogénio verde – dependente de fontes de energia renováveis (solar, fotovoltaica e eólica) – em comparação com o gás natural. Mas o investimento do Estado poderá até ser maior, pois, segundo a EN-H2, apenas em 2035 esta tecnologia se tornará competitiva no mercado (com o aumento do preço do gás natural, na sequência do agravamento dos preços do carbono).
De acordo com o documento, o quilo do hidrogénio verde custa mais de três euros – o preço pode ir dos 2,5 aos 5,5 euros, segundo a Comissão Europeia –, enquanto o do gás natural se situa na ordem dos 50 cêntimos. Perante esta (enorme) diferença, o Executivo de António Costa adianta que é necessário “criar as bases para estimular a procura, e não simplesmente aguardar que esta ocorra”. Ou seja, o Estado vai ajudar os novos projetos com 400 a 450 milhões de euros (provenientes do Portugal 2020 e do Portugal 2030) e mais 500 a 550 milhões através do Fundo Ambiental, de forma a compensá-los.
O Governo continua a ignorar as críticas que têm surgido de vários quadrantes e personalidades (e que até deram forma a um manifesto contra o plano). A intenção passa por alimentar o país, mas também exportar esta nova energia para o Norte industrializado da Europa (os Países Baixos e a região do Vale do Ruhr, na Alemanha), por via marítima.
Fica por saber quanto pagarão pelo hidrogénio os países importadores.Ao i, o Ministério do Ambiente diz que “essa avaliação ainda decorre, numa lógica de otimização técnico/económica”. Caso os preços tendam a aproximar-se do gás natural (50 cêntimos/quilo), isso poderia significar um aumento da fatura do Estado, que, na prática, passaria a custear a descarbonização dos Países Baixos e outros compradores, pelo menos, até 2030.
A chave para o arranque do processo em Portugal passa pela formalização de uma candidatura ao Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI na sigla inglesa), que, segundo as regras comunitárias, terá de ser feita por, pelo menos, dois Estados-membros. O acordo com os Países Baixos foi há muito dado como certo e assinatura, garante o Ambiente ao i, “está a ser ultimada e será comunicada muito brevemente”.
Entretanto, a Comissão Europeia fez cair por terra os planos holandeses para apoiar a produção de hidrogénio no país através de subsídios, pois como a eletricidade nos Países Baixos ainda é produzida, principalmente, a partir de gás natural e carvão, Bruxelas defende que a produção de hidrogénio no país, neste momento, teria como consequência aumentar as emissões de carbono. Uma decisão que o ministério de Matos Fernandes admite que “reforça” a posição de Portugal neste processo. “O impacto disto para Portugal é evidente e claramente positivo: se antes da decisão da Comissão a Holanda já reconhecia que precisava de importar hidrogénio verde de Portugal, após a decisão da Comissão terá de importar ainda mais, porque os seus planos de apoio à produção interna não foram considerados viáveis, refere a tutela.
O plano estratégico de Portugal tem, aliás, vindo a ser elogiado pela Comissão Europeia, abrindo boas perspetivas para o futuro. Neste caso, o projeto português – nomeadamente a central a ser instalada em Sines (que envolve EDP, Galp e REN, entre outras) – será sempre a principal solução.
Recorde-se que na apresentação do EN-H2 o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, apontou para investimentos privados entre os 7 mil milhões e os 9 mil milhões de euros, e a criação até 12 mil novos empregos, diretos e indiretos. Segundo o calendário do Governo, deverá ser lançado no próximo ano o primeiro leilão para a produção de hidrogénio verde em Portugal. A produção poderá começar no final de 2021 ou início de 2022.