Para que fique claro, sou benfiquista e apoio a reeleição de Luís Filipe Vieira como presidente do Sport Lisboa e Benfica. Não exerço cargos públicos há 9 anos e partidários há 6 anos, mas se os desempenhasse em nada alteraria as razões da participação, porque nada tolheria os critérios de pensamento e de ação em funções públicas.
Em Portugal instituiu-se que a ética da República é o que está na lei do Estado de Direito Democrático, em que as subversões mediáticas e as geometrias variáveis dos interesses fazem com que cada vez mais sejam colocados em causa os direitos, liberdades e garantias. Demasiadas vezes se verificam situações de duvidosa legalidade, de manifesta falta de senso ou de nebulosa aparência que são ignoradas ou conformadas pela anuência pública, por contraste com outras que são geradoras de indignação e comoção quase nacional. Estas são o momento da emergência dos moralistas da República, que nos entretanto sossegam com parte dos acontecimentos e indignam-se com outros, sem que seja inteligível o quadro legal ou o critério aplicado para fundamentar a diferenciação.
Porque se indigna o jornalista da SIC José Gomes Ferreira com a presença do primeiro-ministro na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira e nada disse sobre a sua participação em iniciativas do BES em estâncias de esqui enquanto jornalista de economia no ativo? Ou sobre a lista dos jornalistas avençados pelo saco azul do GES que o grupo Impresa e a classe jornalística protege para que não se saibam quais os nomes dos que recebiam dinheiro de Ricardo Salgado enquanto nos “informavam” sobre a atualidade económica?
Porque se crispam tantos que nada disseram sobre as listas do Conselho Superior do FC Porto ou dos órgãos do Sporting Clube de Portugal, com autarcas e protagonistas do sistema judicial, sobre as nebulosas da ação governativa da atualidade e do passado ou até sobre as proximidades do atual e do anterior Presidente da República ao universo bancário problemático?
Porque se agitam alguns com tantos telhados de vidro que a memória traz à liça como se pudessem ser curadores de uma ética, de uma exigência e de um senso que não praticaram em momento próprio, como é bom de lembrar ao Bloco de Esquerda com o caso Ricardo Robles e a tantos outros que, tendo falado, poderiam se avivados da memória das suas ações e proximidades com o histórico de quase três décadas de acompanhamento da atualidade.
A resposta é simples. Porque é o Benfica e é Luís Filipe Vieira. Porque é arguido, dizem. Sim, como centenas de portugueses com funções públicas, quantas vezes condenados nas notícias plantadas na imprensa pela promiscuidade entre a justiça e os media e absolvidos em julgamento. Em Portugal, num Estado de Direito Democrático, a presunção de inocência deixou de existir. É uma ficção, atropelada pela violação do segredo de justiça. Uma justiça que faz alardo da sua ação na investigação seletiva de situações em função de dinâmicas que escapam aos princípios do Estado de Direito Democrático. É assim que surgem alvos preferenciais e outros são negligenciados ou que, em momentos chave surgem impulsos orientados para determinados fins. Em geral, com eleições autárquicas em 2021, entrámos na fase das denúncias anónimas orientadas para as Autarquias Locais e para os seus protagonistas. O padrão de anos anteriores, de instrumentalização da justiça, diz-nos que as ditas anónimas são enviadas agora para gerar ações, buscas e afins durante o primeiro semestre de 2021. É assim que funciona. Há demasiados calendários e entorses a tolher a justiça em Portugal.
Os entorses são tão claros que alguns parecem não ter percebido o essencial. O foco em Luís Filipe Vieira é só o pretexto para chegar ao Benfica, não mudaria com qualquer mudança de protagonistas, porque o que está mesmo em causa é o que foi construído ao longo das últimas décadas e o que foi conseguido no campo desportivo. O que está em causa é o Benfica e a força institucional que tem na sociedade portuguesa e no mundo. É lamentável constatar a adesão de alguns benfiquistas a esse impulso de que “os fins justificam todos os meios”, incorporando o argumentário alheio e exercitando uma alegada autoridade moral sem nexo com o seu perfil e com a atuação. Agora que parte da justiça deposita parte do Estado de Direito Democrático nas mãos de um pirata informático, a quem alguns media dão guarida com “achismos” e outros vasculhos, ninguém acha estranho que os impulsos justicialista não tenham suscitado o altruísta furto equitativo da correspondência de 10 anos dos três grandes? Claro que não, era pedir demais ao sistema paralelo que agentes do sistema judicial parecem querer validar e incorporar no Estado de Direito Democrático. Foi só o Benfica. Os fins justificam todos os meios, até ter o mesmo advogado do impoluto Michel Platini, apeado da UEFA por suspeitas de corrupção, e outras excentricidades.
Há muito que defendo e procuro praticar uma ética além do estabelecido na República, mas em Portugal, nada é valorizado. Nem a ética da República vertida na lei, nem as visões mais exigentes desse sentido de ética republicana. Por exemplo, como Governador Civil de Lisboa, tendo residência nas Caldas e estando a viver na casa de um familiar em Lisboa, prescindi de um subsídio mensal de cerca de 500 euros a que tinha direito. Fi-lo por uma questão de acréscimo de exigência ética.
Uma sociedade que se conformou com tanta coisa que se passa e passou, com promiscuidades, distorções e entorses, não pode querer despertar para a vida só porque é Luís Filipe Vieira e o Benfica. São importantes, mas não são o centro do mundo. E a ética não pode ser brandida só quando dá jeito, logo por quem tem telhados de vidro, por ação e por omissão. Há muito que a parcialidade, discriminação e populismo em relação ao Sport Lisboa e Benfica se projetou para o domínio do assalto ao acervo construído, que é da órbita dos sócios, das Casas do Benfica e das estruturas da instituição.
Quanto à ética se é para ser, que seja para todos e em todos os momentos, sem alegados moralistas com reiteradas marquises e telhados de vidro.
NOTAS FINAIS
CÁ CALHARÁS. As orientações para a pandemia têm por vezes insondáveis contradições e hesitações. O uso das máscaras continua no epicentro dos zig-zagues. Estamos todos cansados das limitações, mas se a dita protege do contágio pelo ar, porque estamos a atrasar a obrigatoriedade do uso em espaço público, em especial, nos territórios com maior densidade populacional. É para ter mais medidas a anunciar quando a situação se agravar? É ridículo.
A LESTE DO PARAÍSO. Ouvem-se reivindicações em torno do próximo Orçamento de Estado de aumentos e progressões e parece que estamos noutro comprimento de onda da realidade atual e da emergente. Opções orçamentais, remodelação governamental e presidenciais. É tempo de decidir em aperto.
Escreve à segunda-feira