Na noite do dia 30 de junho estava em Yokohama. Da estação de comboios de Shibuya, em Tóquio, a Sakuragi-chõ é pouco mais do que meia hora. Trinta e cinco minutos de bairros contínuos, periferias maçadoras, vias rápidas que se cruzam umas sobre as outras como teias de betão de uma aranha gigante enlouquecida. Fiz trinta e cinco minutos de comboio para ver noventa minutos de futebol. A final do Campeonato do Mundo. Brasil-Alemanha: um jogo para lá do jogo. Um confronto de ideias, de filosofias, de formas de estar na vida. Um confronto até de Continentes. Quando o talento defronta a força, fico geralmente do lado do talento. O Brasil tinha talento; a Alemanha não.
Luiz Felipe Scolari estava sentado no banco do Brasil. Sentado é uma forma de expressão que rima com banco: ele esteve quase sempre em pé. Ao vê-lo, lá da bancada de imprensa, não era capaz de adivinhar que viria a ser o próximo selecionador de Portugal. Era algo inatingível. Ainda por cima para uma seleção que se despedira do Mundial pela porta do cavalo, derrotada pelos Estados Unidos e pela Coreia do Sul.
Em Yokohama, depois da vitória do Brasil sobre a Alemanha por 2-0, com dois golos de Ronaldo – Ronaldo-Ronaldinho-Ronaldo, eis como um nome se repetiu na carreira de Scolari entre o Brasil e Portugal -, choveram cisnes coloridos de papel sobre a multidão que enchia o estádio Kokusai Sõgõ Kyõgi-jõ, mais de 72 mil espectadores encantados com a magia japonesa do origami.
O fim da festa: para onde voam os cisnes?
“Foi suado, sofrido, dramático”, escrevia Júlio Gomes Filho no jornal Esporte. E continuava, colocando o dedo na ferida cicratizada: “O Brasil que foi muito criticado antes do Mundial e chegou desacreditado, conquistou o penta-campeonato de maneira brilhante. A equipe ganhou os seus sete jogos e ainda teve o melhor ataque do torneio com 18 gol”.
Depois da tristeza de 1998, em França, a “Canarinha” recuperava a alegria amarela e verde.
Um nome era consensual: Luiz Felipe Scolari.
Não tardaria a chegar a Lisboa e a Cascais onde viveu virado para o mar. O Chico Buarque sempre disse que as festas murcham. E o Toquinho: “Uma amizade infinita de irmão mais velho/Você, constante amigo/Meu distante companheiro/Você que o tempo inteiro/Não tem medo do perigo, não”.
Quanto muito, para nós sobraram os lírios brancos de cemitérios calados.