Nem tudo o que parece é

Nem tudo o que parece é


A história tem, entre várias coisas, uma moral: nunca devemos deixar aqueles que amamos sem uma boa palavra.


Uma história sobre o momento após a desaparição inesperada e súbita de alguém próximo, familiar, amigo, colega, o desasar que tal provoca e as dúvidas e suspeições para quem fica quando o descaminho se dá em situações pouco claras é o grande tema de L’Instant Aprés, uma edição Dupuis com argumento de Zidrou e desenhos de Maltaite.

Zidrou (Benoît Drousie, Anderlecht, 1962) é um dos mais profícuos autores da BD franco-belga; podendo, o leitor português tem acesso ao seu trabalho em Verões Felizes (Arte de Autor), Ric Hochet – substituir Duchâteau é obra – ou O Menino Boavida, ambos na Asa. Éric Maltaite (Bruxelas, 1958) é filho de um nome histórico da Escola de Marcinelle, Will, (Tif e Tondu), sobre quem falámos há semanas a propósito de Kim Kebranoz. Com incursões na BD erótica (ver As 1001 Noites de Xerazade, na Booktree, e Os Campistas, na Asa), revelou-se uma escolha excelente para dar forma a esta BD de atmosfera negra e tons quentes, integralmente a computador, uma vez que a artrite reumatoide de que padece obriga à economia de tecidos e articulações…

Nesta narrativa há duas histórias que se entrecruzam: a de Blandine com a de Houdain. Blandine, ex-hospedeira de bordo, stripper num cabaré em Charleston, Carolina do Sul, tem, durante uma atuação, um pressentimento de que algo muito grave acaba de suceder envolvendo a sua irmã gémea, Aline. Esta, uma harpista clássica de primeiro plano, casada com um playboy, acabara de sofrer um acidente numa via de Paris. O marido é internado, mas o corpo de Aline desapareceu. Pouco depois, numa prisão francesa, Houdain, que cumpre pena pelo suposto assassínio da mulher, cujo corpo também nunca foi encontrado, recorta a notícia do mistério que envolve Aline. Tal como o marido desta, Houdain também clama inocência e, tal como ele, era igualmente visto como um mau cônjuge, que maltratava a mulher, enquanto o outro aparece como um escroque, beneficiário de um seguro de vida em caso de viuvez. Durante os 13 anos que leva de prisão, Houdain recorta e cola num álbum todos os casos relatados pela imprensa sobre desaparecimentos inexplicáveis, tendo coligido cerca de 900. Na prisão tornou-se conhecido por “Houdini” pelos companheiros de cárcere e pelos guardas, nome do célebre prestidigitador que encenava o próprio desaparecimento. O encontro com Blandine, irrequieta e indagadora por natureza, é, pois, inevitável.

Trata-se de um one-shot, álbum único, e é uma pena. Blandine tem tudo para se tornar e continuar um ícone ficcional de BD: inteligente, com mundo e sex appeal, marcada por uma dor mal resolvida em relação aos pais, que sempre manifestaram preferência pela filha cujo nome começava por A, enquanto ela era o eterno B… A história tem, entre várias coisas, uma moral: nunca devemos deixar aqueles que amamos sem uma boa palavra, nunca sabemos quando tornaremos a vê-los. 

E, como brinde, um reaparecido que… desaparece: Martin Milan, uma homenagem.

 

L’Instant d’Aprés

Texto: Zidrou

Desenho: Éric Maltaite

Editora: Dupuis, Marcinelle, 2020

 

BD Teca

 

Touro Sentado Sitting Bull (1831-1890) foi o chefe sioux que derrotou o general Custer na Batalha de Little Big Horn (1876), para findar como notoriedade pública em atração do circo de Buffalo Bill. O mundo dos ameríndios, do norte ao sul do continente americano, não tem uma história bonita de se conhecer. Mais que qualquer outro grupo humano, são eles os grandes perdedores da História. Ainda hoje… Depois de Wyatt Earp e Billy The Kid, as Éditions Soleil prosseguem com a coleção dedicada aos nomes emblemáticos do Oeste. Texto de Olivier Peru e desenhos de Luca Merli.

Silêncios Não há nada pior que os silêncios profundos ou ostensivos. Acontece que, por vezes, explodem, libertando a sua carga sobre todos. 21 Jours Avant la Fin du Monde, uma senhora BD da dupla italiana Silvisa Vecchini (texto) e Sualzo (desenhos). Edição Rue de Sèvres, Paris, 2020.

Adolescentes Um clássico, os adolescentes em férias: já todos fomos – de férias, e adolescentes também. Uma abordagem sensível do belga Max de Radiguès, para nos lembrarmos. Edição Sarbacane, Paris, 2020.