O apocalipse em Beirute

O apocalipse em Beirute


A explosão pode ter sido devida a “enormes quantidades de nitrato de amónio” que existiam no local. Milhares de feridos estão a afluir aos hospitais de Beirute. 


Uma explosão de uma brutalidade incrível devastou o porto de Beirute, esta tarde, deixando uma nuvem em forma de cogumelo a pairar sobre a cidade. “Parecia o apocalipse”, descreveu uma testemunha à National News Agency. A causa poderá ter sido “enormes quantidades de nitrato de amónio” – um material frequentemente utilizado no fabrico de bombas – que estava armazenadas no porto, disseram as autoridades ao canal Al Mayadeen. Milhares de feridos deram entrada nos hospitais da cidade, que já se debatiam com enormes problemas para enfrentar a pandemia de covid-19.
Há imagens dos médicos a tratar feridos graves em parques de estacionamento, o hospital de São Jorge está danificado e sem eletricidade, o hospital de São José, a mais de um quilómetro do local da explosão, ficou destruído – algo que demonstra bem a violência do sucedido. “Eles estão a trazer pessoas para o hospital, mas não as podemos tratar”, disse um médico do hospital destruído, ao Guardian. “Eles estão a deixá-los lá fora, na rua. O hospital ficou arrasado, as urgências não funcionam”.

“O apartamento abanou horizontalmente e, subitamente, parecia uma explosão aqui, as janelas e as portas abriram de rompante”, descreveu uma habitante à CNN, que estava a quilómetros de distância. O estrondo foi tão forte que se ouviu do outro lado do Mediterrâneo, em Chipre, a mais de 200 quilómetros de distância. “A porta estava a abanar em minha casa. Em Larnaca, eles ouviram-na, sentiram-na… Foi um barulho tão alto que pensamos que tinha acontecido aqui, a minha casa estava a tremer”, contou um cipriota ao Guardian.

“Em toda a minha vida, nunca vi destruição nesta escala”, disse o governador de Beirute, Marwan Abboud. E quando um libanês mais velho fala em destruição, sabe do que se trata: entre 1975 e 1990, o Líbano foi devastado por uma brutal guerra civil que fez mais de 120 mil mortos. Beirute, onde se vê as marcas da guerra nas paredes, que teve bairros inteiros destruídos por artilharia, nunca sofreu nada como a explosão. “É uma catástrofe nacional”, lamentou Abboud à NNA.

Tensões Um dos artefactos da guerra civil é a constante tensão e instabilidade política, com várias confissões religiosas – sunitas, xiitas, cristãos maronitas e drusos – a dividir desconfortavelmente o poder. Quando se soube que houve uma explosão em Beirute, a primeira pergunta que veio à cabeça era se foi um acidente ou não: já foi anunciado que entre os mortos está Nazar Najarian, secretário-geral das Falanges Libanesas, um partido de extrema-direita, que representa os cristãos maronitas, cuja sede é mesmo ao lado do porto de Beirute.

A inimaginável tragédia que atingiu a cidade não podia vir em pior altura. Não só há uma pandemia, como o país enfrenta uma terrível crise económica, inclusivamente com escassez de alimentos, como as tensões estão em alta entre as várias fações libanesas. É que os xiitas do Hezbollah não estão nada satisfeitos, à medida que se aproxima sexta-feira, a data em que um tribunal apoiado pela ONU deverá anunciar o veredicto quanto a quatro dos seus militantes, acusados do assassinato à bomba do antigo primeiro-ministro sunita Rafik al-Hariri, em 2005.