Pensamentos de verão


A pergunta que lhes falta fazer e que, meio ensolarados, meio molhados de água salgada e empapados em areia, conseguimos formular é a de saber para onde vamos desta vez: se é que vamos a algum lado.


O tempo de Verão, quente e molengão, leva a pensamentos esparsos, e também eles preguiçosos, mas, nem por isso, menos acutilantes por vezes.

Depois do rigoroso confinamento primaveril que a pandemia impôs, o pouco de liberdade controlada de que, agora, podemos dispor sabe-nos como nunca; e – é sabido – uma liberdade alimenta a outra.  

Espraiados diretamente na areia, ou sobre uma espreguiçadeira, lá vamos, contudo, lendo as notícias que os media nos transmitem sobre os assuntos de sempre.

A vida do país, tal como, ainda hoje, espelhada por eles, continua, sem grande espanto já, enredada, apenas, nos mesmos temas fúteis e nada os parece motivar a encarar, seriamente, a situação extraordinária e grave que, de facto, vivemos todos.

A pergunta que lhes falta fazer e que, meio ensolarados, meio molhados de água salgada e empapados em areia, conseguimos, mesmo assim, formular é a de saber para onde vamos desta vez: se é que vamos a algum lado.

Às respostas para tal pergunta – e creio que as pode haver diversas, convergentes, contraditórias e mesmo antagónicas – interessam, todavia, pouco os diz-que-disse que enxameiam, ainda hoje, os media.

Não é disso que eles tratam; nem querem, deveras, tratar.

Por isso, fora das repostas repetidas pelo quadro habitual do clube monocromático dos comentadores de serviço, nada nos é sugerido que nos espevite e faça verdadeiramente pensar sobre os destinos do país.

Daqueles, uns dedicam-se, assustados, a mandar farpas ameaçadoras e, simultaneamente, suplicantes a antigos correligionários e responsáveis políticos atuais, a propósito das consequências para o regime – e para eles próprios, claro – de uns tantos processos judiciais.

Outros repetem, entediados e realmente pouco convictos, os mesmos credos sobre os caminhos cintilantes da Pátria, abertos, uma vez mais, segundo eles, pela mercê redescoberta da União Europeia, por mais que os factos, antigos e recentes, os devessem, no mínimo, fazer dela duvidar.

Outos, democratas preocupados, vociferando baixinho contra a extrema-direita e os seus líderes – mas, para os justificar, associando-lhe logo, à ilharga, a esquerda que conquistou a democracia e aprovou a constituição – promovem-na diariamente, desgastando, desse modo, a direita clássica, que acham, agora, descafeinada e incapaz de repor a ordem das coisas.

Outros, ainda, preferem dissertar sobre as vidas loiras das animadoras televisivas e as voltas e revoltas que elas dão para engrandecerem o seu património, mesmo que, porventura, à custa, também, de subsídios públicos aos media privados, que os papalvos – estes os verdeiros saloios – pagam por conta dos impostos que lhes são cobrados.

E, como se nada mais faltasse nesta fase de pandemia branda, mas ainda assim aditiva e capaz de se agravar em overdoses sucessivas, voltam, por fim, ufanos, os comentadores do futebol, chutando para o infinito as nossas, já de si imunizadas, preocupações com o País e o seu futuro.

Nada, portanto, de verdadeiramente grave e que interrompa uma merecida sesta latina.

O calor encarregar-se-á de fazer, ou desfazer, o resto, a não ser que voltem os incêndios, que proporcionam sempre imagens espetaculares e entrevistas dramáticas na televisão.

Nem um olhar realmente vigilante e explicativo para o conteúdo das peças processuais que descobrem, objetivas, muitos dos meandros dos nossos fracassos económicos e financeiros sucessivos; não vá o povo pedir um mundo novo a sério, como dizia o poeta Aleixo.

Nem um olhar atento e verdadeiramente clarificador para o plano de relançamento da economia nacional, que – para além dos soundbites sempre provocados pelas invocações sacrílegas do TGV e do novo aeroporto – nos faça compreender e permitir ter uma posição consciente na consulta pública que, sobre ele, por certo, incidirá.

E, todavia, o abrandamento do tempo, que o tempo de Verão sempre permite, poderia ser um bom momento para irmos, com alguma curiosidade, paciência e mesmo maior consciência, compreendendo o que nos aconteceu e o que nos pode vir a acontecer se – desta vez – nos distrairmos e, de novo, deixarmos correr o marfim para sítios menos próprios e que só depois descobrimos.

Mas, as reflexões e os pensamentos acutilantes são inoportunos e, dirão alguns – como outros já disseram sobre a democracia – podem ser perigosos para quem não está habituado a eles. 

    

 

  

 

Pensamentos de verão


A pergunta que lhes falta fazer e que, meio ensolarados, meio molhados de água salgada e empapados em areia, conseguimos formular é a de saber para onde vamos desta vez: se é que vamos a algum lado.


O tempo de Verão, quente e molengão, leva a pensamentos esparsos, e também eles preguiçosos, mas, nem por isso, menos acutilantes por vezes.

Depois do rigoroso confinamento primaveril que a pandemia impôs, o pouco de liberdade controlada de que, agora, podemos dispor sabe-nos como nunca; e – é sabido – uma liberdade alimenta a outra.  

Espraiados diretamente na areia, ou sobre uma espreguiçadeira, lá vamos, contudo, lendo as notícias que os media nos transmitem sobre os assuntos de sempre.

A vida do país, tal como, ainda hoje, espelhada por eles, continua, sem grande espanto já, enredada, apenas, nos mesmos temas fúteis e nada os parece motivar a encarar, seriamente, a situação extraordinária e grave que, de facto, vivemos todos.

A pergunta que lhes falta fazer e que, meio ensolarados, meio molhados de água salgada e empapados em areia, conseguimos, mesmo assim, formular é a de saber para onde vamos desta vez: se é que vamos a algum lado.

Às respostas para tal pergunta – e creio que as pode haver diversas, convergentes, contraditórias e mesmo antagónicas – interessam, todavia, pouco os diz-que-disse que enxameiam, ainda hoje, os media.

Não é disso que eles tratam; nem querem, deveras, tratar.

Por isso, fora das repostas repetidas pelo quadro habitual do clube monocromático dos comentadores de serviço, nada nos é sugerido que nos espevite e faça verdadeiramente pensar sobre os destinos do país.

Daqueles, uns dedicam-se, assustados, a mandar farpas ameaçadoras e, simultaneamente, suplicantes a antigos correligionários e responsáveis políticos atuais, a propósito das consequências para o regime – e para eles próprios, claro – de uns tantos processos judiciais.

Outros repetem, entediados e realmente pouco convictos, os mesmos credos sobre os caminhos cintilantes da Pátria, abertos, uma vez mais, segundo eles, pela mercê redescoberta da União Europeia, por mais que os factos, antigos e recentes, os devessem, no mínimo, fazer dela duvidar.

Outos, democratas preocupados, vociferando baixinho contra a extrema-direita e os seus líderes – mas, para os justificar, associando-lhe logo, à ilharga, a esquerda que conquistou a democracia e aprovou a constituição – promovem-na diariamente, desgastando, desse modo, a direita clássica, que acham, agora, descafeinada e incapaz de repor a ordem das coisas.

Outros, ainda, preferem dissertar sobre as vidas loiras das animadoras televisivas e as voltas e revoltas que elas dão para engrandecerem o seu património, mesmo que, porventura, à custa, também, de subsídios públicos aos media privados, que os papalvos – estes os verdeiros saloios – pagam por conta dos impostos que lhes são cobrados.

E, como se nada mais faltasse nesta fase de pandemia branda, mas ainda assim aditiva e capaz de se agravar em overdoses sucessivas, voltam, por fim, ufanos, os comentadores do futebol, chutando para o infinito as nossas, já de si imunizadas, preocupações com o País e o seu futuro.

Nada, portanto, de verdadeiramente grave e que interrompa uma merecida sesta latina.

O calor encarregar-se-á de fazer, ou desfazer, o resto, a não ser que voltem os incêndios, que proporcionam sempre imagens espetaculares e entrevistas dramáticas na televisão.

Nem um olhar realmente vigilante e explicativo para o conteúdo das peças processuais que descobrem, objetivas, muitos dos meandros dos nossos fracassos económicos e financeiros sucessivos; não vá o povo pedir um mundo novo a sério, como dizia o poeta Aleixo.

Nem um olhar atento e verdadeiramente clarificador para o plano de relançamento da economia nacional, que – para além dos soundbites sempre provocados pelas invocações sacrílegas do TGV e do novo aeroporto – nos faça compreender e permitir ter uma posição consciente na consulta pública que, sobre ele, por certo, incidirá.

E, todavia, o abrandamento do tempo, que o tempo de Verão sempre permite, poderia ser um bom momento para irmos, com alguma curiosidade, paciência e mesmo maior consciência, compreendendo o que nos aconteceu e o que nos pode vir a acontecer se – desta vez – nos distrairmos e, de novo, deixarmos correr o marfim para sítios menos próprios e que só depois descobrimos.

Mas, as reflexões e os pensamentos acutilantes são inoportunos e, dirão alguns – como outros já disseram sobre a democracia – podem ser perigosos para quem não está habituado a eles.