Da velha estante: Kim Kebranoz e os táxis vermelhos

Da velha estante: Kim Kebranoz e os táxis vermelhos


O calcanhar de Aquiles de Kim Kebranoz é, não a kryptonite, mas o vírus da gripe pois, quando se constipa, volta a ser uma criança igual às outras.


Bento Torceferro” poderia ser uma tradução literal do nome da personagem de hoje, Benoît Brisefer; porém, o tradutor optou pelo mais sonante “Kim Kebranoz”, e está certo. “Torce” ou “quebra” porque o nosso herói, apesar de miúdo educado e gentil, muito atilado em sua indumentária, calções pretos, casaco vermelho, cachecol e boina basca de que nunca se separa, é um inusitado detentor de superpoderes. Mais forte que Sansão, mais rápido que o Flash da DC, pulmão tão devastador quanto o de Éolo, deus dos Ventos, salta, quase em voo, como se usasse botas de sete léguas. Apesar de nunca ter crescido desde que, em 1960, apareceu nas páginas da revista Spirou, julgamo-lo também imortal, como o Super-Homem, tendo também o seu calcanhar de Aquiles, não a kryptonite, mas o vírus da gripe pois, quando se constipa, Kim Kebranoz volta a ser uma criança igual às outras; mas, ao contrário dos super-heróis, não faz questão de ter identidade secreta. Só que o seu melhor amigo e companheiro de aventuras, o Sr. Vicente, velho taxista e ex-músico de jazz, nunca presencia os feitos do rapaz, atribuindo-lhe os relatos à imaginação fértil.

O autor é Pierre Culliford (1928-1992), mais conhecido por Peyo, já então autor da bela série medieval humorística Johan et Pirlouit, de onde surgirão os Schtroumpfs – duns e doutros também aqui falaremos. Assoberbado pelos compromissos, com várias séries a cargo, irá socorrer-se do seu camarada Will (Willy Maltaite, 1927-2000), desenhador da série Tif et Tondu, que se encarregou dos cenários, em particular dos edifícios, ruas e jardins da Vila Girassol (Vivejoie-la-Grande, no original).

Em Kim Kebranoz e os Táxis Vermelhos, primeiro título, uma moderna empresa de radiotáxis instala-se na localidade. O negócio é, porém, uma fachada para um golpe épico sobre os bancos e demais comércios de valores da Vila Girassol, além de arruinarem o pobre Sr. Vicente com concorrência desleal e sabotagem. O plano seria perfeito, mas não contavam com o fenómeno Kim Kebranoz – ele bem tentara avisar os adultos que, obviamente, não lhe ligaram nenhuma –, que porá todos os grãos de areia na engrenagem, conseguindo ainda, pelo meio de todas as peripécias, fazer-se raptar, indo parar a uma ilha quase deserta do outro lado do Atlântico.

Um álbum infantojuvenil na sua génese, hoje irresistível para a faixa de “todas as idades”, ou “dos 7 aos 77”, para citar o semanário rival… O talento de Peyo, o dinamismo das vinhetas, sulcando e desarrumando o alinhamento clássico em prancha, são bons de se ver, a que devemos acrescentar a destreza narrativa “folhetinesca” da história em continuação, ao longo dos meses em que se foi publicando, cada semana terminando em suspense ou com um gag.

Acrescente-se a curiosidade de esta edição portuguesa, de 1962, com a chancela da União Gráfica, editora ligada à Igreja Católica, ocorrer no mesmo ano da publicação do original na Bélgica, pela Dupuis.

Louro & Simões Na década de 1980, num meio editorial quase desértico, a Editorial Futura, sempre pela mão diligente e culta de Jorge Magalhães, trazia aos quadradinhos portugueses uma das suas personagens humorísticas mais emblemáticas: Jim del Mónaco, da autoria de uma dupla que só por esta série ficará na história: Luís Louro e Tozé Simões. Louro, entretanto, empreendeu um percurso profissional, sendo um dos mais destacados autores da atualidade. Anuncia-se agora a recolha doutras histórias da dupla, dispersas por antigas publicações, com o humor mordaz que era seu apanágio. Universo Negro, edição Escorpião Azul, 2020.

 

 

Manga Emilyko é a boneca preferida de Kate Shadow, a criança protagonista desta história. Acontece que a boneca é viva e Kate não tem rosto, como, de resto, a sua família. Shadows House, ou a casa da família Shadow, uma manga de ambiente vitoriano e quase contranatura – as pupilas gigantescas da BD japonesa estão aqui ausentes, pelo menos numa das protagonistas. Autoria da dupla Sô-ma-tô, volumes 1 e 2, Glénat, 2020.

 

 

Mutante Criado em 1974 por Roy Thomas, Len Wein e John Romita, Wolverine é das personagens mais interessantes da parafernália Marvel, um assassino de bom coração… Em Wolverine: Logan, texto de Brian K, Vaughan e Eduardo Risso, o mutante está no Japão, em processo de autoconhecimento e regeneração. Edição G-Floy, 2020.