A presença de comunidades judaicas no território português é anterior à formação dos reinos ibéricos, sendo essa comunidade denominada sefardita precisamente pela designação da Península Ibérica, Sefarad em hebraico. Os judeus tiveram uma importância muito grande na história de Portugal, como se encontra abundantemente documentado.
Infelizmente, no entanto, a Inquisição, implantada em Espanha pelos Reis Católicos em 1478, adoptou uma política de perseguição dos judeus, exigindo a sua conversão ao catolicismo, acabando os Reis Católicos, através do Decreto de Alhambra, de 31 de Março de 1492, por decretar a sua expulsão do reino caso não se convertessem, o que os obrigou a sair num prazo de quatro meses. Muitos foram para Portugal, tendo sido permitida a sua entrada pelo Rei D. João ii. No entanto, como parte do acordo de casamento do Rei D. Manuel com a princesa espanhola D. Isabel, o Rei decretou em Dezembro de 1496 a expulsão dos judeus do território nacional caso não se convertessem. Em consequência, muitos judeus portugueses tiveram de fugir do país ou de praticar a sua religião na clandestinidade, situação que só terminou a 17 de Fevereiro de 1821, com a revogação pelas Cortes Constituintes do Decreto de Expulsão dos Judeus.
Nesse diploma, as cortes reconheciam “os gravíssimos danos, e prejuízos que resultaram a este Reino da iníqua expulsão dos Judeus, decretada pelo Senhor D. Manuel em Dezembro de 1496, e executada no princípio da Quaresma no ano de 1497 com a barbaridade de se lhes arrancarem do pátrio poder seus filhos, e filhas menores de 14 anos, para se criarem, e educarem como órfãos, repartidos pelas vilas, e lugares do Reino”. Por isso, em reparação, o decreto considerava “renovados, confirmados, e postos em todo o seu vigor todos os direitos, faculdades, liberdades, e privilégios, que os primeiros Reis deste Reino concederam aos judeus foragidos” (art.o 1.o). Ao mesmo tempo, proclamava que “podem em consequência regressar para Portugal, sem o menor receio, antes sim com toda a segurança, não só os descendentes das famílias expulsas, mas todos os judeus que habitam em qualquer parte do globo terão neste Reino as mesmas contemplações, se para ele quiserem vir” (art.o 3.o).
Em 6 de Dezembro de 1996, data do 500.o aniversário da expulsão dos judeus, a Assembleia da República louvou o decreto de 1821 por ter terminado com essa iníqua expulsão. Mais tarde, o decreto-lei 30-A/2015, de 27 de Fevereiro passou a permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos judeus sefarditas desde que demonstrem pertencer a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência directa ou colateral.
Sucede, porém, que o PS apresentou uma proposta de alteração à Lei da Nacionalidade que, inicialmente, visava acrescentar a estes requisitos a residência legal em Portugal durante pelo menos dois anos. Subsequentemente, a proposta foi alterada e prevê agora que se comprove uma ligação efectiva à comunidade nacional, incluindo uma norma transitória que remete a entrada em vigor da lei para 1 de Janeiro de 2022.
Os argumentos apresentados para esta estranha iniciativa pelos autores do projecto passam pelas nossas obrigações perante a União Europeia e pela exigência de um vínculo efectivo dos judeus sefarditas à comunidade nacional, como se isso fosse argumento para recusar a reparação de uma injustiça histórica aos descendentes de uma comunidade que desde sempre esteve presente em Portugal e que ainda hoje ostenta no seu nome e na sua própria língua (o ladino) essa mesma ligação.
Na altura em que o Parlamento concedeu justificadamente as honras do Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes, talvez fosse bom ponderar-se o seu exemplo e não se permitir que as legítimas expectativas de uma comunidade injustamente perseguida durante séculos no nosso país venham agora a ser postas em causa.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990