O impacte da covid-19 nos transportes

O impacte da covid-19 nos transportes


Todas as alterações verificadas tanto no transporte de passageiros como no de mercadorias têm consequências profundas no equilíbrio do modelo de negócio dos vários operadores.


Muito se tem falado sobre o impacte da pandemia em vários setores, mas os transportes são certamente onde vamos encontrar impactes mais profundos desta pandemia, tanto na mobilidade de passageiros quanto na logística e transporte de mercadorias.

Esta pandemia, pela gravidade e duração, veio alterar rotinas e formas de interação tanto profissionais como sociais. A necessidade de alterar as nossas formas de trabalho e a rapidez com que a sociedade foi capaz de o fazer vieram evidenciar que, de uma forma menos consciente, tínhamos os meios técnicos e o conhecimento para realizar as nossas atividades reduzindo drasticamente a necessidade de mobilidade de pessoas. Ensino, reuniões de negócios, eventos, etc., passaram de um dia para o outro a realizar-se através de plataformas de comunicação com uma eficácia que nos surpreendeu a todos.

Essa facilidade de adaptação, associada ao receio de contágio, que vai perdurar muito para além da obrigatoriedade de confinamento, vai ser um fator de afastamento dos transportes coletivos, com uma provável transferência modal para os modos individuais mais inspiradores de confiança. Caberá aos operadores e também às autoridades estimular a confiança do cidadão nestes serviços. Não bastará oferecer uma qualidade de serviço razoável, é indispensável que o cidadão perceba que não corre riscos por utilizá-los. Mais profundo do que a mudança de rotinas é, de facto, o aumento relativo da valorização dos riscos de saúde, para o que são necessárias campanhas de confirmação do compromisso de manter as medidas de segurança e também evidências incontestáveis desse compromisso, para reconquistar a confiança do cidadão.

No outro domínio, do transporte de mercadorias, em particular a chamada última milha, é possível observar mudanças muito significativas na organização das cadeias logísticas, cuja dimensão efetiva do seu impacte está ainda por determinar. Entre os principais fatores de mudança estão, por um lado, uma forte contração da procura em localizações tradicionalmente de elevada procura, por exemplo, contração da restauração e hotelaria, encerramento de muitos pontos de comércio, fortíssima retração de atividade no canal alimentar, etc.; por outro lado, verificou-se um forte crescimento do comércio digital e das entregas ao domicílio.

No entanto, e como sempre acontece em qualquer crise, surgem também evoluções em muitos segmentos desta atividade. Os retalhistas digitais, cuja tendência de crescimento já estava assinalada antes da chegada da pandemia, viram acelerar a sua penetração nos mercados de forma excecional, enquanto os retalhistas tradicionais se viram forçados a ativar os canais digitais de comunicação com os seus clientes, porventura revelando um potencial de mercado até aqui pouco trabalhado. Noutros casos observa-se uma reorganização do setor logístico, com a relocalização territorial da procura, que conduz também a uma crescente incerteza sobre os padrões reajustados dessa mesma procura, com uma redução da eficiência das cadeias logísticas devido ao aumento dos retornos em vazio, aumento dos tempos de entrega, etc.

Todas estas alterações, tanto no transporte de passageiros como no de mercadorias, têm consequências profundas no equilíbrio do modelo de negócio dos vários operadores, pelo impacte que têm nas suas estruturas de custos e na sua capacidade de gerar receitas de forma estável. Estamos, por isso, num momento em que é indispensável assegurar capacidade de observar o setor e analisar quais as necessárias formas de intervenção, para garantir que um setor de importância fundamental para o funcionamento da sociedade mantém níveis mínimos de eficácia e de eficiência, e não entra em rotura.

 

Professora do Instituto Superior Técnico