Animais.  “Sem presença humana” é natural que procurem as cidades

Animais. “Sem presença humana” é natural que procurem as cidades


Em Portugal, os javalis estão espalhados por todo o território nacional. Porém, em cidades como Ovar, Coimbra e Setúbal, as visitas são mais frequentes. Poderão as ruas vazias dos centros urbanos ser uma porta de entrada?


À medida que os governantes vão declarando – e renovando – os estados de emergência, as ruas vão ficando, um pouco por todo o mundo, mais vazias. Seja por obrigatoriedade, seja por dever, as pessoas confinam-se em casa à espera que a pandemia provocada pelo novo coronavírus se torne uma realidade distante das ruas por onde passam todos os dias para ir para o trabalho, visitar amigos ou apenas dar uma volta.

Portugal decidiu punir com crime de desobediência todos aqueles que, estando obrigados pelas autoridades de saúde a cumprir quarentena, decidam sair de casa. Noutros países, a declaração do estado de emergência trouxe medidas diferentes como, por exemplo, o recolher obrigatório. É o caso do Chile, onde o primeiro-ministro, Sebastián Piñera, decretou que esta medida fosse obrigatoriamente cumprida por todo o território entre as 22h e as 5h. As ruas vazias em Santiago do Chile não foram, no entanto, o único cenário estranho no início desta quarentena, já que uma onça-parda – mais conhecida por puma – apareceu nas ruas da capital durante o dia. O animal adulto, que pesava, segundo a publicação chilena El Desconcierto, cerca de 35 quilos, chegou a saltar a vedação de uma residência, antes de ser capturado vivo. À mesma publicação, a diretora do jardim zoológico para onde o animal foi transportado explicou que o aparecimento do animal se devia “muito provavelmente” à ausência humana. “Muito provavelmente é porque não veem pessoas, não sentem ruídos perturbadores e decidem explorar”, explicou Alejandra Montalba, que acrescentou ainda à mesma publicação que estes animais “não vivem apenas nas colinas, mas costumam viver nas planícies de Santiago [do Chile]”.

As visitas inesperadas não ficam, no entanto, do outro lado do oceano Atlântico. Também em Espanha foram filmados, nas últimas semanas, javalis nas ruas de Barcelona. Apesar de a visita ter sido feita durante a quarentena obrigatória, decretada por Pedro Sánchez a 15 de março, esta não é a primeira vez que acontece. Estes animais são já conhecidos dos habitantes, sobretudo daqueles que vivem perto do Parque Natural Collserola, a maior área verde de Barcelona. Segundo o estudo levado a cabo pela Universidade Autónoma de Barcelona e pela Universidade de Aveiro, a presença de javalis nas áreas circundantes do parque catalão foi registada 3148 vezes entre 2010 e 2014.

Javalis nas ruas de barcelona Ao i, João Carvalho, um dos autores do estudo “Urban wild boars prefer fragmented areas with food resources near natural corridors”, explica que Barcelona é apenas uma entre as muitas cidades europeias onde estas visitas acontecem. “Em Portugal, o javali já foi registado em diversas cidades e aglomerados populacionais”, de que dá exemplo Ovar, Coimbra e Setúbal. Não só a “paisagem periférica das cidades”, como a Serra de Collserola, é apontada pelo docente da Universidade de Aveiro como motivo para estas visitas, mas também as características da própria cidade, como “parques urbanos, áreas verdes que poderão constituir corredores de entrada de diferentes espécies”. Também aliadas a estes aspetos estão as “atitudes e civismo da população local”, já que o “lixo e alimento deixados nas ruas das regiões periurbanas de Barcelona, por exemplo, são um íman que atrai não apenas animais domésticos e assilvestrados, mas também animais selvagens/silvestres”, explica, em declarações ao i, o investigador. “Quem alimenta pombos e patos também se senta nos parques a alimentar javalis com pão e fiambre”, garante, explicando que foram registados, durante os quatro anos em que a investigação foi feita, javalis com “três, quatro anos, com 100 a 120 quilos”. “Atendendo a que o peso no javali é muito importante para a maturidade reprodutiva da espécie, é possível ter uma ideia do impacto deste aumento artificial do peso na dinâmica populacional de uma espécie já por si prolífica”, acrescenta.

E em portugal? Para além de esta espécie estar associada a doenças infecciosas como tuberculose, brucelose e triquinose, um dos maiores problemas, em Portugal, está relacionado com o excesso de população. Segundo o dirigente regional da Quercus em Vila Real, este problema agrava-se ainda mais porque, em Portugal, “não há predador”, que é, por norma, o lobo. Não coexistindo com o seu predador natural, o controlo desta espécie é dificultado. Em declarações ao i, o dirigente explica que a deslocação destes animais para os grandes centros urbanos, como aconteceu em Barcelona, pode acontecer, como tem vindo a acontecer até aqui. Em Portugal é esperado que, durante o estado de emergência, os javalis se mantenham ou nos meios rurais ou em locais que estão próximos do habitat natural da espécie, como é o caso da serra da Arrábida. O atual dirigente regional e antigo presidente da Quercus João Branco afasta a ideia de que o atual estado de emergência e consequente confinamento das pessoas em suas casas possa vir a provocar nos grandes certos urbanos, como é o caso da zona da Grande Lisboa, uma “invasão de javalis”.