Tarzan dos Macacos, romance publicado em 1912 por Edgar Rice Burroughs (1875-1950), escritor de pulp fiction, tornou-se o epítome de uma certa visão do homem ocidental e da efetiva supremacia de então. A história é conhecida: após um naufrágio ao largo da costa ocidental de África, Lorde e Lady Greystoke, aristocratas britânicos, constroem uma cabana, procurando rodear-se de um mínimo de conforto com os salvados do navio. John Clayton, nascido em plena selva, não chegará a ter memória dos pais. Será Kala, uma gorila fêmea, quem descobrirá um bebé a quem chamará Tarzan, “o de pele branca”, na sua língua simiesca… Dotado de grande inteligência, destreza física, uma força sobre-humana e um grito de guerra que atemoriza os outros animais, chegado à idade adulta, Tarzan virá a tornar-se o “rei” incontestado dos símios e, com magnanimidade, ditará a lei naquele território.
Tarzan combina a fantasia do bom selvagem às avessas com a do fardo do homem branco, polvilhada pelas imaginosas narrativas finisseculares. Nessa medida, não estranha vê-lo em auxílio do Rei Dalon, bem-amado soberano cujo reino com cenário medievo fora tomado de assalto por dois aventureiros anglófonos, Flint e Gorrey. Se o monarca parece provir do círculo arturiano, também a Princesa Nakonia se assemelha a uma estrela de Hollywood – ingenuidades que atingem um patamar hilariante quando Tarzan se dirige aos seus num inglês impecavelmente traduzido: “Pois bem!”, exclama Tarzan, “apesar de ser uma loucura, guiar-vos-ei!” Narrativa de aventuras puras, verifica-se uma quase paragem da História quando, depois de expulsos pelo nosso herói, os dois rufias, recorrendo ao financiamento de um magnata do crime, Andol Rakka – o nome orientalizante é outro clichê –, invadem de novo o reino com uma poderosa força de guerra, composta por mercenários, blindados e aviões. Será o homem-macaco a liderar os animais da selva para o embate; os súbditos, aparentemente, parecem incapazes de defender-se por si sós…
O que há de particular interesse neste álbum é a passagem de testemunho de Hal Foster para Burne Hogarth – os dois maiores desenhadores da série –, de um domingo para o outro: 2 e 9 de maio de 1937. Foster (1892-1982), vindo da publicidade, trabalha na personagem de Burroughs durante oito anos, abandonando-a para criar o Príncipe Valente, uma das melhores bandas desenhadas de sempre; Hogarth (1911-1986) responde a um concurso aberto pela UFS com uns desenhos à maneira de Foster, sendo contratado.
Se o primeiro é um soberbo fisionomista e, conhecendo Valente, já o estamos a ver nas vinhetas do homem-macaco, Hogarth, embora ainda muito colado ao primeiro, revela um plasticidade superior no movimento e na anatomia, qualidades que levará ao máximo na adaptação da história original, em 1973.
Tarzan na Cidade do Ouro – 3.ª parte
Desenho Hal Foster e Burne Hogarth
Edição Futura, Lisboa, 1987
Capa Augusto Trigo, a partir de vinheta de Hogarth
BDTECA
Eles existem. A vida cinzenta dos jovens nos subúrbios de Paris, a falta de horizontes, a ausência de exemplo, o desengano, as estratégias de sobrevivência de quem cresce na sombra, nos lugares que preferimos não conhecer. En Falsh, t. 1 – On Est Là, trabalho soberbo de Oz e Bastien Sanchez, edição Delcourt.
A verdadeira história verídica. É o título de uma coleção humorística sobre líderes sanguinários, com textos de Bernard Swysen e o concurso de vários desenhadores: Calígula, Átila, Torquemada, Drácula, Robespierre, Hitler e agora Estaline, numa BD animalista, com o talento de Ptiluc nas imagens: o pai, sapateiro violento e alcoólico, é um rato; a mãe, uma porca; o médico, uma ave pernalta; o padre ortodoxo, um bode; o mestre-escola, um mocho, evidentemente. Estaline, nesta fábula, aparece como um rato anafado e próspero. Mais uma série que poderia ter edição portuguesa.
À maneira de Alice. Melvina é uma pré-adolescente um pouco aborrecida por nunca ser tida nem achada pelos pais nas decisões que lhe dizem respeito. O gato Octavius é o principal confidente. Numa tarde de queixumes, o bicho salta pelo telhado e Melvina, no seu encalço, é recebida por um velho afável, de longa barba branca, que a conduz a uma sala onde, tomando chá, a aguardam um raposo, um mocho e uma texuga… Melvina, de Rachele Aragno (Dargaud).