Socialistas contra referendo sobre a eutanásia

Socialistas contra referendo sobre a eutanásia


Vital Moreira alerta que os debates referendários são, em geral, sectários e reducionistas. O constitucionalista diz ao i, porém, que a eutanásia “é uma matéria elegível para ser decidida por referendo”.


A questão está lançada, a uma semana do debate no Parlamento sobre a eutanásia. Deve haver um referendo? Vários socialistas advogam que não. Para a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos, o tema não é referendável. A título pessoal, a parlamentar considera que a consulta popular não faz sentido, e baseia-se na opinião “da maioria dos constitucionalistas” para sustentar que “tudo o que são direitos fundamentais não são referendáveis”.

Em declarações ao i, a deputada (que deu a cara pelo projeto do PS) enquadra a proposta socialista como a “despenalização da eutanásia, a pedido do doente que seja maior, consciente [em todo o processo], que esteja numa situação de diagnóstico irreversível, com sofrimento extremo”, e que seja acompanhado por médicos e vários intervenientes em cinco fases. O espírito do projeto tem a ver com a “decisão do próprio [doente]. É a própria pessoa que decide se quer antecipar a sua morte, se quer ser ajudada a morrer, em que só o próprio, com ajuda de profissionais, obviamente, [sempre consciente] poderá avaliar”. Esta explicação foi dada para sustentar que o que está em causa é a “autonomia individual” e o debate prende-se com a “dignidade da vida humana”. Por isso, a deputada deixa a pergunta: “Como é que nós vamos poder defender um referendo sobre uma situação em que só o próprio pode avaliar?” E recorda a proposta do PS para a despenalização da eutanásia, “em condições excecionalíssimas,” dependentes de uma vontade “livre, reiterada” e atual. Ou seja, estão previstas “todas as cautelas” para o processo.

A socialista acrescenta que o Parlamento teve um debate “intenso” com especialistas, académicos, da ética, em que todos foram ouvidos na anterior legislatura, durante largos meses. A discussão começou ainda em 2016. E Maria Antónia Almeida Santos lembra que “ninguém está contra os cuidados paliativos até ao fim da vida”, argumento usado porque quem é contra ou defende a consulta popular para acautelar este apoio.

Por seu turno, a deputada Catarina Marcelino considerou ao i, a título pessoal, que não é favorável a um referendo sobre a eutanásia e recorda a experiência em torno do referendo à interrupção voluntária da gravidez. “São temas que têm muitas afinidades, porque está em causa a questão da vida e, no fundo, é em torno desse debate filosófico que a questão se faz. Julgo que, no fundo, um referendo é palco certo para a desinformação, para trazer populismo, e acho que não contribui para um debate informado e extrema posições”. Tal como a sua colega de partido Maria Antónia Almeida Santos, Catarina Marcelino insiste que o Parlamento tem legitimidade para decidir.

 

Alertas de constitucionalista

Já Vital Moreira, constitucionalista e antigo eurodeputado eleito pelo PS, começa por lembrar ao i que não é, em geral, favorável a referendos. E o argumento é claro: “Por entender que elegemos os deputados para decidirem em nosso nome e para assumirem o mandato que lhes confiámos, e por os debates referendários serem, em geral, sectários e reducionistas”. Contudo, Vital Moreira compreende porque “as pessoas contrárias à eutanásia, e mesmo outras, defendem o referendo e alguns partidos prefiram o mesmo, remetendo a decisão para os cidadãos e dispensando-se de tomar posição”. O constitucionalista acrescenta, porém, que [a eutanásia]”é uma matéria elegível para ser decidida por referendo, se nisso convierem a Assembleia da República e o Presidente da República”. Mas concluiu com um alerta: “Em matérias tão controversas como esta, que envolve convicções que extravasam o foro político, as decisões referendárias são menos expostas à contestação do que as decisões parlamentares, mas o debate referendário é mais passional e mais divisivo”.

 

Lastro q.b. no PSD

A ideia de um referendo à eutanásia ganhou lastro no PSD após o congresso. Há uma reunião da bancada do partido já amanhã, mas não é líquido que dali saia uma decisão sobre a proposta de uma consulta popular. Bem pelo contrário. Os deputados do PSD terão liberdade de voto nos vários projetos de lei que serão debatidos no próximo dia 20, há quem tenha esperança, entre os sociais-democratas, de que a ideia de um referendo seja abraçada pelo partido, mas o vice-presidente da bancada do PSD, Adão Silva, tentou colocar algumas balizas.

“Neste momento, não é o que está em cima da mesa”, declarou o deputado ao i. Adão Silva, recorde-se, é um dos parlamentares mais alinhados com o presidente do PSD, Rui Rio – que é tendencialmente favorável à eutanásia, desde que com regras bem definidas, e defende liberdade de voto dos deputados nesta matéria. “O que está em cima da mesa são cinco projetos de lei e vamos debater e votar esses projetos de lei numa lógica de plena liberdade, da consciência de cada senhora deputada e senhor deputado. Segundo lugar, quanto à questão do referendo, neste momento, não se coloca. Não se coloca porquê? Porque não há tempo útil para se estar a colocar. Mais tarde, se se vier, eventualmente, a colocar, veremos. Neste momento, não é o que está em cima da mesa”, frisou Adão Silva (que tem sido apontado como possível próximo líder da bancada do PSD).

No próximo dia 20 serão debatidos os projetos de lei de PS, Bloco de Esquerda, PEV, PAN e Iniciativa Liberal. A deputada não inscrita Joacine Katar Moreira já anunciou que será contra o referendo e votará a favor da eutanásia.