Estacionamento pago. Em nome do dinheiro ou do ambiente?


A opinião sobre o estacionamento não é consensual – há quem defenda estacionamento pago apenas para o centro da cidade e há quem ache que se é para uns, então deve ser para todos. Certo é que são cada vez mais os lugares pagos na capital e as aplicações não fomentam o objetivo inicial -…


Se até ao ano passado existiam lugares de estacionamento que escapavam aos parquímetros na freguesia de Penha de França, em Lisboa, o mesmo não se vai verificar já a partir do próximo mês. A Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamentos de Lisboa (EMEL) anunciou que o que resta de estacionamento gratuito vai começar a ser pago em fevereiro e, ainda de acordo com a responsável pela gestão do estacionamento na capital, “está ainda em análise a entrada em S. Vicente durante o primeiro semestre de 2020”. Em Lisboa, são já poucas as freguesias com o carimbo de estacionamento gratuito, mas as opiniões dividem-se quando o assunto é o lugar para o seu carro: uns defendem que só deveriam pagar no centro da cidade, onde há mais movimento e outros acham muito bem que seja pago em toda a capital. Independentemente da opinião, o objetivo inicial do estacionamento pago era permitir, nas zonas de maior tráfego, uma maior rotatividade e canalizar os utilizadores do carro para os transportes públicos.

Em Carnide e Telheiras, a rotina é igual todos os dias. Por volta das 18h, quem chega do trabalho dá quase sempre as mesmas voltas para encontrar estacionamento, mas nem sempre encontra um lugar vago na estreita zona onde o estacionamento ainda não é pago. E o nível de dificuldade sobe quando, por exemplo, há jogos do Benfica ou do Sporting. Os adeptos dos clubes escolhem os lugares que ainda não são pagos, multiplicam-se os carros em cima dos passeios e os moradores não têm outra hipótese que não a de estacionar onde calhar – às vezes a mais de um quilómetro de casa.

Soluções? “Tudo menos a EMEL”, diz Paula Moniz, uma das moradoras da zona. “Aqui, o problema é que colocaram parquímetros em Telheiras e os carros automaticamente deslocaram-se para as zonas grátis”, diz a moradora, acrescentando que “não se justifica colocar aqui parquímetros, tanto em Carnide como em Telheiras, porque esta é uma zona residencial, não comercial – isto não é a Baixa, aí sim, é preciso pagar, porque nunca há estacionamento, aqui nunca há estacionamento, porque o que está à volta é pago”. Os moradores de Carnide nunca quiseram parquímetros e chegaram mesmo, em 2017, em conjunto com o presidente da Junta de Freguesia, Fábio Silva, a arrancar 12 parquímetros que tinham acabado de ser colocados pela EMEL. Depois disso, o presidente da autarquia foi acusado pela EMEL do crime de dano qualificado, mas o caso acabou por ser arquivado, tendo Fábio Silva de pagar uma indemnização de 1100 euros.

Se há uns anos o objetivo era desviar os carros dos centros da cidade, hoje parece também que é preciso fazê-lo nas zonas menos movimentadas. Exemplo disso, são as áreas que foram acrescentadas ao mapa durante o ano de 2019. Pelo menos as zonas de Carnide, Telheiras, Benfica, Olivais, Beato, Areeiro e até Parque dos Príncipes viram tarifados parte dos seus lugares de estacionamento. Na freguesia dos Olivais, a indignação é semelhante à de Carnide e a Associação de Moradores da Freguesia de Olivais apresentou uma proposta para levar a questão do estacionamento pago a referendo local. O referendo para decidir se a EMEL se espalha, ou não, pela freguesia vai acontecer, mas ainda não tem data marcada. Para estes moradores, que já se manifestaram devido à falta de estacionamento, a solução também não passa pela EMEL, mas sim pela criação de mais parques para quem deixa o carro e depois opta pelos transportes públicos.

Da lista de indignações faz parte o parque de estacionamento junto ao Cemitério dos Olivais, que agora é gerido pela EMEL. Antes, quando era gratuito, quem fosse ao cemitério, muitas vezes não tinha lugar para estacionar, porque eram ali deixados veículos durante todo o dia, pertencentes a pessoas que apanhavam os transportes públicos. Hoje, quem quiser deixar o carro tem de pagar, mas a empresa garante “sendo um parque tarifado, será gratuito para quem se desloque ao cemitério num período de até 2 horas”.

Princípio da igualdade: “ou há para todos ou para ninguém” A zona de Marvila é uma das poucas que escapa às mãos da EMEL. Mas isso não significa que os moradores estejam de acordo com a decisão, já que existam muitas pessoas que vêm de fora de Lisboa e aproveitam o facto de não pagarem estacionamento para deixar os seus carros e depois apanhar os transportes públicos. Este cenário cria constrangimentos aos moradores que quando chegam a casa não têm onde estacionar o carro. Para Paulo Nunes, um dos moradores de Marvila, “ou há [estacionamento pago] para todos ou para ninguém, até por um princípio de igualdade”.

O pagamento pelo lugar de estacionamento “só tem benefícios, até porque se quando me desloco para fora de Lisboa e quero ir, por exemplo, à praia da Costa da Caparica, tenho de pagar parquímetro, por que é que as outras pessoas que estacionam à minha porta não têm de pagar?”, questiona o morador. “Eu ando de transportes públicos, mas sou afetado pela poluição que os outros carros vêm fazer para a minha zona, portanto concordo que o estacionamento seja pago na cidade inteira”, acrescenta Paulo Nunes.

Uma das soluções apontadas pelo morador de Marvila é, além de lugares tarifados, a construção de mais parques periféricos – a custo zero. Isto, para que as pessoas sejam incentivadas a deixar o carro nas zonas periféricas da cidade e utilizem os transportes públicos.

Esta ideia, aliás, já passou pela cabeça do presidente da EMEL Luís Natal Marques, que em 2017 anunciou 4320 lugares – na Pontinha, Ameixoeira, Estádio de Alvalade, Bela Vista, Pedrouços, Areeiro e Estádio da Luz –, não gratuitos, mas a baixo preço: 10 euros por mês para os utilizadores dos transportes públicos. Na altura, o presidente da EMEL referiu ao Público: “Serão sempre parques a preços meramente simbólicos. Por 50 cêntimos por dia, desde que tenha um título de transporte, a pessoa deixa ali o carro e vai para o seu trabalho”. Hoje, existem apenas os parques periféricos do Areeiro, Ameixoeira – e abriram muito depois do previsto.

Aplicação matou a rotatividade? Quando foi implementado o sistema de estacionamento pago na via pública, o objetivo que ecoava pelas ruas era o de permitir uma maior rotatividade. Ou seja, criar lugares de estacionamento para curtos períodos de tempo em zonas onde o tráfego é mais intenso. Com isso, o intuito seria, por exemplo, garantir que existia um lugar para ir ao banco, ou a uma loja. Além disso, queria potenciar o uso de transportes públicos. Para conseguir esta rotatividade criou-se um limite de tempo para estacionar, não sendo permitido pagar, por exemplo, cinco euros nos parquímetros e deixar o carro durante várias horas. E isto acontece em todos os pontos do país.

Mas a mudança chegou com as novas aplicações para o telemóvel, em que é possível ir pagando conforme a necessidade, acabando com o problema colocado inicialmente do limite de tempo que obrigava as pessoas a ir ao local de estacionamento se quisessem ficar mais tempo. As aplicações têm vindo a multiplicar-se nos últimos anos e isso veio facilitar a vida dos utilizadores. Aliás, já é possível utilizar também a Via Verde para fazer estes pagamentos. A questão que se impõem é, de facto, se o interesse económico se sobrepõe ao objetivo inicial – de criar lugares pagos com tempo limitado para permitir a rotatividade.

Este sistema de pagamento através de uma aplicação já está implementado no país todo e, apontando a lupa para a capital – que não é exceção –, a resposta que chega da EMEL refere apenas questões ambientais. Isto é, os responsáveis pela gestão do estacionamento em Lisboa referiram ao i que o propósito é “facilitar a vida a quem estaciona na via pública e contribuir para uma cidade mais sustentável, uma vez que evita a emissão de papel”.

Em Cascais, por exemplo, também se utiliza o telemóvel para pagar e, neste caso, o que diz a autarquia é que “a aplicação tem um limite máximo de quatro horas de utilização, pelo que alguma rotatividade é mantida”. No entanto, “se o utilizador quiser pagar, não há principio de rotatividade que resista”, sendo que “o maior dissuasor é o custo, não a forma de pagamento”, acrescentou a Câmara Municipal de Cascais ao i.

Cascais quer oferecer minutos O ano ainda mal começou, mas a Câmara Municipal de Cascais já anunciou que vai canalizar as receitas do estacionamento pago para oferecer viagens nos transportes públicos. Durante este mês de janeiro, os transportes públicos são a custo zero para todos os utilizadores e, nos próximos meses, a medida vai abranger só os residentes, estudantes e trabalhadores do concelho, deixando de fora os visitantes. Esta forma de captar utilizadores para os transportes públicos vai custar cerca de 12 milhões de euros por ano, mas parte do financiamento – a autarquia estima que seja de cerca de 40%, o que corresponde a cinco milhões de euros – será feito através da receita do estacionamento tarifado. Ou seja, aqueles que pagam parquímetro contribuem para que outros andem de transportes públicos de forma gratuita.

Ao i, a Câmara Municipal de Cascais referiu que, em breve, está “prevista a introdução do programa de pacote de minutos estacionamento gratuito para todos os residentes”. Tal como acontece em Lisboa, o estacionamento tarifado está a ser implementado de forma gradual e, no futuro, todos os lugares serão pagos, já que, segundo esta autarquia, “a Cascais Próxima tem recebido inúmeros pedidos de moradores para alargamento da orbita do estacionamento tarifado”.