Há imenso tempo que suscita bastante controvérsia na Ordem dos Advogados a existência de formadores contratados por ajuste directo, sem qualquer concurso público a que todos os advogados interessados em exercer essa actividade possam ter acesso. Nos últimos tempos procurou-se resolver a situação através de um concurso público, organizado com base num novo regulamento, aprovado pelo conselho geral da ordem. Mas o conselho regional de Lisboa, interessado em manter os formadores que ele próprio sempre contratou livremente, decidiu reagir contra esse concurso, interpondo uma providência cautelar de suspensão de eficácia das normas do regulamento, invocando, imagine-se, “prejuízos de difícil reparação, pelo facto de os formadores poderem ser seleccionados por órgão incompetente ou ilegalmente constituído”. É manifesto que o objectivo dessa providência não era o regulamento, mas antes o concurso público para a contratação dos formadores, que ficaria inviabilizado se as normas fossem suspensas. Perante a resposta do conselho geral de que as normas eram idênticas às do regulamento anterior, ainda veio o conselho regional de Lisboa proceder à “ampliação do pedido”, solicitando que o curso de estágio de 2018 fosse “realizado pelo actual corpo de formadores do Centro de Estágio do Conselho Regional de Lisboa”. Como se vê, o conselho regional de Lisboa esteve sempre unicamente empenhado em que os seus formadores se mantenham os mesmos de sempre e que ninguém possa ser contratado por concurso público, como deve ser a regra na contratação pública. Para atingir esse objectivo, chega ao ponto de reagir judicialmente contra um regulamento aprovado pelo conselho geral no exercício das suas competências.
A providência foi totalmente indeferida por absoluta falta de fundamento, sem que o tribunal se desse sequer ao trabalho de ouvir as provas, mas o presidente do conselho regional de Lisboa resolveu continuar a sua guerra contra o actual bastonário nos meios de comunicação social. Foi assim que foi apresentar as suas justificações no jornal Público, dizendo que “a decisão é susceptível de recurso e que vão voltar a tentar impugnar o regulamento” e tendo o cuidado de nos lembrar que “há eleições na Ordem em Novembro e que é um forte opositor da actual Direcção”. O jornal deu, naturalmente, espaço a estas extraordinárias declarações de quem tinha acabado de perder estrondosamente um processo judicial contra a sua ordem, mas não conseguiu sequer ouvir o próprio bastonário sobre o assunto, tendo tentado, “sem sucesso, obter uma reacção”.
O bastonário, porém, é que não esteve com meias-medidas e, confrontado com a publicação desta notícia, resolveu divulgar por todos os advogados a sentença da referida providência cautelar, que põe claramente em causa a actuação do conselho regional de Lisboa em defesa dos formadores que este contratou. Não deixa, porém, de ser estranho que o bastonário, que não avisou previamente os advogados da gravidade do que se estava a passar, agora use os meios de comunicação da ordem como reacção a uma notícia de jornal.
Essa comunicação implicou uma resposta do presidente do conselho regional de Lisboa, também ele utilizando os meios de comunicação da ordem, invocando a sua “necessidade de responder ao comunicado que me visou na honra e na dignidade”. Pelos vistos, a necessidade de resposta do presidente do conselho regional de Lisboa implica a colocação dos meios de comunicação da ordem ao serviço das suas questões pessoais. E foi assim que os advogados foram bombardeados com uma resposta em 14 pontos que, no entanto, em lugar dos 14 pontos do Presidente Wilson para a paz mundial, são novamente um acicatar da guerra na Ordem dos Advogados. Tal provocou, naturalmente, a estupefacção geral de todos os advogados, incapazes de compreender como a simples aplicação de um concurso público para contratação de formadores pode gerar providências cautelares entre órgãos da ordem, recursos, comunicados e contracomunicados, e notícias nos órgãos de comunicação social.
Tudo isto tem dado da Ordem dos Advogados uma imagem pública absolutamente degradante, demonstrando que os seus órgãos executivos andam neste momento envolvidos numa guerra sem quartel, cada um em defesa das suas capelinhas, incapazes de se preocupar com a gravíssima situação que atinge a esmagadora maioria dos advogados portugueses. É devido a estes conflitos internos que a Ordem dos Advogados anda há muito tempo a perder o prestígio e a influência que já teve na sociedade portuguesa. É preciso, por isso, acabar de vez com os interesses instalados na Ordem dos Advogados e voltar a colocá-la ao serviço da sua função estatutária de zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990