Eduardo Oliveira e Sousa “Não sou nem periquito nem tubo de ensaio” para não comer carne de vaca

Eduardo Oliveira e Sousa “Não sou nem periquito nem tubo de ensaio” para não comer carne de vaca


O presidente da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP) censura as restrições ao consumo de carne de vaca e crítica as alternativas que são dadas ao organismo para compensar a proteína animal: químicos e sementes


Estamos a assistir a uma “guerra” contra o consumo de carne de vaca. Como é que a CAP vê esta campanha?

A primeira reação foi de indignação pelo facto de ter sido um reitor que, deverá ser o expoente máximo das pessoas ligadas ao conhecimento, a entrar numa espécie de onda sem haver rigor científico na medida que foi tomada. É uma ideia que não contribui minimamente para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Estas têm consequências e causas a vários níveis e uma medida isolada, desligada de um contexto, de uma estratégia e, ainda por cima, assente em chavões que se vão dizendo – muitas vezes, de forma fácil – não contribui minimamente para ajudar as pessoas a fazerem escolhas acertadas. Em Portugal, o comportamento da bonivicultura não tem nada a ver com o grande impacto que tem o comportamento da bonivicultura generalizada de outros países e que contribui para esses tais efeitos de estufa. Em Portugal tem menos significado do que no resto do mundo. Tudo isto numa sociedade que está hoje muito voraz de sensacionalismo com alguma demagogia e ideologia por detrás dessas ondas. Um assunto que podia ser muito bem acompanhado, com uma grande mensagem de sustentabilidade e de equilíbrio foi transformado numa guerra de palavras, de posicionamento que não vem ajudar a resolver o problema. Ficámos completamente perplexos porque seria a última entidade que pensaríamos que poderia gerar uma onda destas, vindo de uma universidade e ainda por cima da universidade de Coimbra que curiosamente não tem no seu polo universitário uma escola agrícola.

Acha que sendo uma universidade pública faria sentido dar esse exemplo?

Não acho que faça sentido nenhum porque não concordamos com a medida. O senhor reitor deveria ter dito aos alunos que, a partir de 2020, a carne de vaca iria ser sujeita a um programa pedagógico no sentido de as pessoas estarem devidamente conscientes do que é consumir carne de vaca e que, a partir dessa altura, toda a carne de vaca que houvesse nas cantinas tinha de ser obrigatoriamente de origem portuguesa e, ao fim de uns meses, além de portuguesa só poderia haver carne de vaca produzida em modo de produção extensivo e, ao fim de outros tantos meses, só podia haver carne de vaca de raças portuguesas e, ao fim de outros tantos meses, só poderia haver carne de vaca de raças portuguesas a menos de 30 ou 40 quilómetros da universidade e por aí fora. Juntando a isto devia ser dado um conhecimento sobre o que significa o pastoreio, a retenção do carbono, as emissões e como os gases que são libertados pelas vacas se comportam na atmosfera. O CO2 que sai das vacas não é igual ao CO2 que sai das fábricas ou dos automóveis. Há todo um conhecimento que tem de se ter em conta a quem se interessa pelo assunto. E quem são? O universo universitário e o reitor fez o pior que podia ter feito que foi considerar que um assunto se resolve omitindo, ou seja, retirando.

Elimina-se o problema…

O mundo não funciona assim. E ele sabe que não funciona assim.

Chegou a falar com o reitor?

Não, nem tenho de falar com ele.

E com o Governo?

O Governo reagiu como tinha de reagir, pelo menos, da parte do Ministério da Agricultura. Acho muita graça alguns setores virem dizer que o Ministério da Agricultura defendeu a CAP ou este negócio. O Ministério da Agricultura tem obrigação de defender a bonivicultura porque é um setor da agricultura nacional. E sabendo que existem programas e medidas que estão em curso, existindo o fundo de carbono que financia e financiou programas para sustentar a bonivicultura numa ação de retenção de carbono como, a tal utilização de pastagens biodiversas, como era possível o Governo não tomar uma posição a favor? Mas houve uma posição pouco ponderada do Ministério do Ambiente porque foram os ambientalistas que deram o maior apoio à medida drástica do reitor e como o ministro do Ambiente acha que precisamos de entrar numa lógica de descarbonização quase absoluta deixou-se envolver na ideia que as vacas são um enorme problema, quando não o são e, por isso, tomou uma medida de apoio. Foi uma atitude isolada, creio eu e espero que tenha sido uma medida pouco ponderada e infeliz por parte do reitor que talvez nem esperasse que isso tomasse estas percussões. E nem estou a falar de outras pessoas, nem de comentadores que falaram sobre o assunto, estou a falar de alunos que se não for na universidade têm pouca capacidade de se alimentarem convenientemente e infelizmente esse é um quadro que ainda existe e de agricultores que vendem os seus animais e com esse dinheiro é que conseguem pagar a estadia do seu filho na universidade. A universidade tem de ser muito mais do que aquilo que aparentemente demonstrou ser ao tomar uma medida destas.

Cria alguma discriminação?

Não queria entrar por aí. A minha função é olhar para o setor que tem uma palavra a dizer no sentido positivo, no sentido da descarbonização, da mitigação dos efeitos dos gases de efeitos de estufa e das alterações climáticas que estão a dar origem a uma outra coisa que é muito grave que é a desertificação de vastas áreas. E essa desertificação é combatida pela bonivicultura e pelas pastagens. As pastagens não sobrevivem sem terem animais a pastar e para haver animais a pastar tem de existir um mercado que sustente isso. A bonivicultura e essa sustentabilidade pode contribuir para diminuir os efeitos da desertificação. E quanto mais rápida for a desertificação maiores serão os impactos, por exemplo, dos fogos florestais. Há uma série de questões à volta do tema que não podem ser postas em causa por uma medida isolada, pouco pensada e fora do conhecimento do setor.

Receia que estas restrições se alastrem a outras instituições?

Esses riscos serão os próprios reitores ou dirigentes de outras universidades que têm de medir. Não tenho conhecimento que tenha havido outros reitores que se tenham pronunciado sobre isso, nomeadamente reitores de universidades onde a agricultura é o mote principal. É pena, mas talvez seja uma forma de querer esvaziar este balão que mal ou bem cresceu da forma como cresceu. Tenho esperança que isso não aconteça. Temos de encontrar um modelo de sustentabilidade, é para isso que estamos a estudar e trabalhar.

Já foi possível encontrar esse modelo?

Existe pontualmente, mas não de forma generalizada porque as coisas não se mudam de repente. Também existe alguma bonivicultura intensiva em Portugal e também ela própria está a fazer um esforço para minimizar os impactos das suas emissões por outra via. Em vez de ser pela utilização do ciclo natural das pastagens biodiversas é pela utilização de uma alimentação que está a ser adaptada para que gastronomicamente no interior da vaca a fermentação tenha um comportamento químico diferente que vai dar origem a emissões de gases que não têm o mesmo efeito dos gases que atualmente são emitidos perante as rações normais. A ciência está a procurar soluções, tal e qual como os automóveis, um automóvel a gasóleo há 20 anos poluía vinte vezes mais – estou a figurar há 20 anos 20 vezes – do que um automóvel a gasóleo hoje. Uma vaca alimentada em regime intensivo, ou seja, estabulada hoje com base nessas rações que estão estudadas ao nível microbiano não têm o mesmo impacto que uma vaca alimentada com uma ração há 20 anos porque não se pensavam nestes problemas. Mas é preciso darmos tempo para as coisas acontecerem e termos a noção que a ciência está preocupada e está a encontrar caminhos. Uma coisa é fazer isso, outra é banir os assuntos.

Isso é um longo caminho a percorrer…

Já está em curso. Os resultados podem ainda não ser aqueles que serão daqui a cinco anos, mas isto não pára. Daqui a cinco anos aquilo que está a ser feito hoje é velho. Isso é o que acontece com os telemóveis. Acredito na evolução, no conhecimento e na vontade dos homens e não ponho tudo em causa com um estalar dos dedos.

A discussão em torno da emergência climática está a ser desonesta?

A honestidade é uma palavra um bocadinho violenta, mas que a discussão está a ser feita na base de imputo de uma moda e de uma necessidade de quase protagonismo está. Andamos em excesso de velocidade, andamos a querer fazer tudo e mais alguma coisa para ontem e não pode ser. Temos de ter tempo para pensar, tempo para agir e temos de ter confiança em quem anda a fazer o quê, caso contrário não nos entendemos. E a forma como as pessoas andam a dialogar umas com as outras não é bem um diálogo: é eu digo que sim e tu dizes que não, tu dizes que não e eu digo que sim e andamos assim à moda das campanhas eleitorais. Não pode ser. São assuntos demasiados sérios que não se resolvem com um estalar de dedos. E foi isso que nos chocou, uma vez mais, a atitude do reitor porque é na universidade que se aprende, é onde se ensina. Chegar ali e dizer que é proibido não faz sentido só pode porque é moda ou porque faz mal.

Este é um dos setores que têm sido mais atacados. Antes da carne de vaca tinha sido as touradas…

Mas por razões diferentes. No caso das touradas é mais por uma questão ideológica. Há pessoas que não gostam de touradas e não vão e há pessoas que não gostam de touradas e querem que os outros também não gostem. E querem obrigar a sociedade a achar que ir às touradas é um sintoma de antiguidade negativa, de tortura de animais. As pessoas não entendem a tourada e se não entendem a tourada e se não fazem um esforço para a entender e se não querem ir às touradas por mim está tudo bem. Mas não queiram impor o fim das touradas que têm à sua volta algo de cultural, algo de beleza para quem queira ver beleza, tem criação de animais, animais que são criados em espaço rural, ultra extensivo, em sustentabilidade desse espaço rural, em emprego. Não somos a favor de quem combate as touradas por si só. Dir-me-á assim, mas acha que as touradas vão sobreviver para sempre? Não sei, muito provavelmente não e até aceito que não porque já não se praticam lutas de gladiadores. A sociedade já evolui e já não há luta de gladiadores. Se daqui a 100 anos a sociedade resolver extinguir a tourada tudo bem, agora haver um grupo de pessoas que por ser contra a tourada queira impor essa visão a toda a sociedade não aceito. Há dois ou três setores de atividade agrícola que estão ligados com as touradas que é a criação de cavalos, de touros e de outros bois e que dá trabalho a muitas pessoas. Além do espetáculo que é típico nosso. Há pessoas, por exemplo, que retrataram as touradas sem serem grandes fãs, mas reconhecendo nelas algo extraordinário, como Garcia Lorca, Salvador Dali e o próprio Picasso.

Tem de existir uma liberdade de decisão?

A ideia que têm quando querem combater as touradas é que são torturas, provas de mediocridade de quem vai assistir e que são pessoas insensíveis. É toda essa linguagem que afasta o assunto porque este não tem nada a ver com isso.

Em Espanha isso ainda não acontece…

No caso do problema da carne de vaca creio que não existe e espero que seja um episódio lusitano e por aqui fique. Em relação à contestação das touradas também já existe em Espanha, pontualmente em alguns sítios com mais força. Por exemplo, Barcelona proibiu as corridas de touros, mas já pensa em fazê-las regressar. Estou convencido que vai demorar algum tempo até que termine. Aceito que isso possa acontecer no futuro, mas espero que isso não aconteça na minha vida.

Considera que o PAN deu um empurrão para começarem a ser discutidos esses temas?

O PAN deu de certeza um empurrão. No outro dia vi uma entrevista na televisão a um senhor de idade que estava sentado num banco à borda de um cais num porto qualquer com a sua cana de pesca a meio da manhã e o jornalista perguntou qualquer coisa sobre as eleições e ele respondeu que iria votar porque parece que andam aí uns tipos que querem proibir que possa pescar. Esperemos que essas mensagens sejam desmistificadas porque, de facto, o mundo perfeito não existe e pensar que ir à pesca vai aleijar o peixe não faz sentido. Os homens são animais que têm uma capacidade de inteligência superior que podem dividir algumas coisas, mas não deixam de ter na sua origem genética o consumo de outros animais.

E a caça é outro problema…

Tem tudo a ver com o mesmo assunto. São atos culturais, a caça é muito mais um ato cultural do que um desporto que erradamente se quer fazer crer. Quem não gosta de caçar não caça, quem não gosta de ir ao futebol não vai ao futebol. Agora não me obriguem a ir ao futebol só porque os outros gostam de futebol e porque acham que é muito melhor para a sociedade jogar à bola. Gosto muito mais de passear no campo e de ter outro tipo de atividades.

Acha que é uma questão de moda?

É pelo menos uma questão que está na moda. Há uma onda deste tipo de objeções de consciência, de comportamento e que geralmente nascem em ambiente urbano.

São os tais urbano-depressivos…

Urbano-depressivo é uma forma ofensiva de chamar a estas atitudes. Se são depressivos ou não, não faço ideia, mas são movimentos que nascem em ambiente urbano e é um ambiente que, em muitas situações, está desligado completamente do mundo rural e do que este produz não tenho dúvidas. É o mundo da noite, é o mundo da droga, não estou a generalizar. São pessoas que nascem, vivem, trabalham, divertem-se, deprimem-se, adoecem-se e curam-se sempre em ambiente urbano. E na sua maneira de pensar não veem o mundo ligado à naturalidade do ser humano e esse desligar leva as pessoas a tomarem estas atitudes e pior do que isto tudo é que quando elas são um bocadinho violentas com atitudes de proibição e com essas manifestações de imposições de vontades que eles criam.

Já houve quem sugerisse a criação de uma taxa superior para quem consumisse carne de vaca. Concorda?

É mais outra aberração porque se as pessoas dissessem vamos pôr o IVA mais caro a uma carne que tem uma pegada ecológica dupla em relação a outra que é produzida cá numa filosofia de proteger a carne portuguesa e de ajudar a diminuir a pegada carbónica, tudo bem, mas não sei se será fácil. Já viu a quantidade de listas que tinha de IVA para isto, IVA para aquilo? Depois também me parece um bocadinho redutor fazer da capacidade financeira das pessoas a forma de conduzir a sociedade num determinado caminho. Por hipótese ridícula, se fossemos todos milionários e não quiséssemos saber disso para nada então enchíamos os cofres do Estado ao comer aquilo que o Estado não quereria que se comesse só por ter aumentado o IVA. No extremo exposto estávamos a impedir completamente as pessoas de ter acesso a um produto que tem o seu cabimento na nossa alimentação e que, por via da economia ou das suas condições financeiras, ficariam afastados desses produtos. Creio que não é por aí que devemos ir, devemos consciencializar as pessoas, introduzir normas no sentido de as levar a perceberem onde é que está o meio-termo, onde está o bom senso e atuar com consciencialização das pessoas para levá-las a autodisciplinarem-se no consumo de isto e daquilo. Desde o plástico até aos automóveis, à forma como se movimentam, como se vestem e como comem, em vez de ser através de medidas impositivas.

E depois da vaca haverá outras restrições?

Diria que de tudo.

Acredita que a famosa dieta mediterrânea corre o risco de ter os dias contados?

A dieta mediterrânica está classificada como património da humanidade. Isto tem de ter algum significado, a não ser que desvalorizemos completamente o que é ter esse selo. É a mesma coisa que dizer que o prémio Nobel não vale nada. A dieta mediterrânica está provada cientificamente e pelos médicos que dentro, de determinados limites – porque nem uma pessoa deve só comer chouriços, nem deve beber só azeite, ou arroz ou isto ou aquilo – há um conjunto de produtos que são maioritariamente produzidos no nosso território que fazem bem nas devidas contas. Temos vegetais e produzimos imensos vegetais, depois dentro do espetro animal (sem estarmos a incluir o peixe de mar) temos borrego, porco, vaca, cabra e cabrito, frango, galinha. O que é que não temos? E comemos de tudo um pouco. Depois os tempos e as eras que atravessamos ensinaram-nos a conservar algumas coisas, como é o caso do bacalhau, dos enchidos e, que na devida conta fazem parte de uma dieta que beneficia as pessoas em termos cardiovasculares, de proteção de diabetes, etc. Por este conjunto de produtos que produzimos internamente somos capazes de ter uma alimentação saudável. Agora surgem umas pessoas e dizem que temos de tirar tudo o que é proteína animal e ficamos só com proteína vegetal e depois porque o organismo precisa de proteína animal tomam-se uns químicos e depois comem-se umas sementinhas. Não sou nem periquito nem tubo de ensaio. Como com peso e medida no âmbito da alimentação onde cresci e onde tradicionalmente estou inserido e ainda por cima profissionalmente estou inserido como produtor. Devemos valorizar muito mais esses produtos, devemos pedir aos chefes e aos nutricionistas que façam as receitas com estes produtos e que puxem pela cabeça e façam coisas mais modernas, mas não nos tirem os nossos ingredientes porque o homem é animal hominívoro e precisa de comer com equilíbrio.

Os produtores têm falado com a CAP?

Sim. Não foi só a CAP que reagiu. É fácil as pessoas dizerem que só reagiram os produtores, obviamente que isso aconteceu porque a medida foi dirigida a um setor que a ser levada à prática com aquela veemência vinda de um reitor pode significar a rutura, a falência e o desequilíbrio e é contra isso que as pessoas se indignam quando estão todas em grande luta para tentar sobreviver num período em que a vida não é propriamente fácil.

Mas há umas que são mais beneficiadas em detrimento de outras…

Sim, culturas, florestas, regiões do país. Tudo isto está a mudar em função das alterações climáticas, incluindo a qualidade dos produtos.

Os agricultores têm de se adaptar?

Os agricultores têm de se adaptar e a academia tem uma palavra muito importante a dizer no que diz respeito às alternativas. Por exemplo, nas regiões dos vinhos há castas de vinhos que têm de mudar de sítio e para esse sítio têm de ir outras castas. E quem tem de estudar isso tem de ser a academia.

E essa alteração é fácil?

Sim, os homens fazem tudo e mais alguma coisa. Costumo dizer que não há nada que a engenharia não resolva. Se somos capazes de atravessar o Tejo com 10 quilómetros de distância e se somos capazes de ir à lua então não vamos ser capazes de mudar uma cepa de uma vinha? Não vamos ser capazes de mudar uma variedade de trigo? Não vamos ser capazes de mudar um sistema de rega? É para isso que se estuda e é para isso que se aplicam as novas tecnologias. Se há setor que utiliza tecnologia hoje em dia é o setor agrícola. Muito mais do que aquilo que as pessoas pensam. A tecnologia está na produção agrícola hoje com uma intensidade elevadíssima e Portugal é um dos países na vanguarda na utilização da mesma, principalmente na utilização da água de rega, na forma de poupar a água, de diminuir o uso de fertilizantes, de reduzir ao mínimo o uso de fito fármacos, de rentabilizar o recurso, de proteger o solo, de dar origem a produções enquadradas em cadernos de encargos de qualidade – a chamada produção integrada – a agricultura biológica, a proteção integrada, a agricultura de proximidade. Tudo isso é atualmente objeto de preocupação dos agricultores. Usamos sondas com GPS, drones que fazem leitura do comportamento de um campo em que o drone vê o que o olho humano não vê e depois tudo é trabalhado em computador.

Mas os pequenos produtores, por exemplo, não fazem isso…

Não obrigatoriamente. Esse mito de que só os grandes agricultores é que são capazes de deitar mão às novas tecnologias não é verdade. E por isso é tão importante as associações de agricultores, os agrupamentos de agricultores e o conhecimento dos pequenos agricultores. E é assim que a agricultura tem de evoluir. Por isso é que a mão-de-obra, hoje, na agricultura, é uma mão-de-obra muito mais especializada, qualificada, deixando para trás aquela imagem de que o agricultor era quase que um marginal, agarrado a uma enxada, com duas cabras à porta de casa a comer meia dúzia de couves que conseguia produzir. Essa imagem, se existe e acredito que ainda exista, está relacionada com a pobreza e não com uma agricultura que se pretende que seja empresarial, dinâmica, independentemente da dimensão. E depois temos os outros, que estão ligados pela dimensão da propriedade com exploração de vastas áreas, vocacionados para as indústrias, para as commodities e para a entrega de produtos a fábricas que criam valor.

E essa mudança foi fácil para o setor?

Está em curso. Temos um setor ainda bastante envelhecido. Acredito que há jovens agricultores que vão para a universidade porque mostram interesse em seguir essa profissão, mas depois ficam desmotivados quando ouvem todos a dizer mal dos agricultores. Muitos repensam e vão antes para enfermeiros, advogados ou para outras profissões com receio de não terem emprego. As pessoas, se têm vocação e vontade de desenvolver uma determinada atividade devem procurar essa atividade, mas com esta objetividade e com conhecimento daquilo que vão fazer. Para isso é que existe a política agrícola comum, as ajudas nacionais, os programas de apoio. Mas é claro que se surge uma onda do outro lado a dizer que ‘tudo aquilo que vocês façam é mau e não queremos’ não dará resultado. Volto um pouco à base inicial: era preciso um bocadinho mais de serenidade na forma como as pessoas andam a discutir estes assuntos.

Tenho noção de que nos últimos anos têm aparecido mais jovens empresários do que em anos anteriores. É um setor mais atrativo?

Sim, porque é mais atrativo. E isso acontece desde que existam alguns projetos infraestruturais com dimensão, como a região do Alqueva. A quantidade de pessoas que têm encontrado novos produtos – até estrangeiros – é muito interessante. E não só na região do Alqueva. O mesmo acontece na região da Beira Interior, onde se estão a desenvolver alguns projetos interessantes na área dos frutos secos. Confesso que gostaria de ver algum desse desenvolvimento em Trás-os-Montes, precisamos que o Governo olhe para essas regiões e que crie condições para melhorar a implementação desses polos de desenvolvimento com questões fiscais, que atualmente são uma asfixia. Ao contrário do que dizem a mobilidade hoje não me preocupa, falamos no Interior mas o Interior já não está longe. O Interior está a uma hora e meia de distância. O problema é que as pessoas chegam lá e sentem-se esvaziadas dessas competências e dessas infraestruturas que podem dar impulso a essas regiões. Por isso é que é importante as mensagens que, às vezes, ouvimos no sentido de procurar que haja uma fiscalidade dirigida ao Interior para que possa crescer.

Há algumas medidas que foram apresentadas, pelo menos, no último Orçamento do Estado para criar incentivos e benefícios para o interior. Já deu alguma resultado?

Não. Algum impacto poderá ter, mas não será grande. Mas já se nota algum empenho até dos próprios municípios que olham para o setor agrícola com outra importância. Agora convém que haja o acompanhamento.

O desenvolvimento da tecnologia implicou perda de postos de trabalho?

Por curioso que pareça, não. A agricultura em Portugal, nos últimos 30, 40 anos, passou de uma transição de um modelo anterior para um modelo mais atual que, numa primeira fase, esvaziou o setor agrícola: tinha 20% de população e agora tem 5%. Essas pessoas desapareceram do meio, mas o setor ao reinventar-se com a tecnologia e com mão-de-obra mais especializada aumentou a produtividade, criou mais valor sem necessitar de mão-de-obra demasiado barata. É evidente que o setor agrícola não tem salários milionários mas tem, ao contrário daquilo que se possa parecer, uma média salarial superior ao salário mínimo e é superior a muitos setores da indústria ou dos serviços. Por exemplo, os supermercados ou os call-centers praticam salários muito inferiores aos do setor agrícola. Além disso, o setor agrícola também tem um conjunto muito grande de utilização de mão-de-obra que se perdeu em termos de disponibilidade nacional e está a ser substituída por mão-de-obra de países terceiros que são trabalhadores por conta de outrem, que vêm por períodos determinados, alguns até bastante longos e que ocupam funções que têm de ser manuais. São desempenhadas por esses trabalhadores porque deixaram de existir no mercado do trabalhador português.

Por falta de interesse?

A sociedade mudou. Os jovens portugueses não ambicionam sair da sua universidade – hoje praticamente todos têm capacidade para lá chegar ou perto – para irem colher frutos vermelhos ou uvas de mesa. Como esse setor cresceu muito, essas empresas viram-se obrigadas a socorrer de mão-de-obra de países terceiros. É por isso que temos em Portugal cerca de 10 a 15 mil trabalhadores por conta de outrem, que são empregados dessa agricultura que utiliza esse tipo de mão-de-obra.

São produções sazonais…

Sim, mas esses trabalhadores vão mudando de sítio. Por exemplo, agora vão colher uva, depois vão colher frutos vermelhos. O agricultor pode ser outro, mas esses trabalhadores mudam de um lado para outro. E já há trabalhadores desses que constituíram família em Portugal, têm filhos portugueses, são estrangeiros. São trabalhadores de uma agricultura moderna que utiliza mão-de-obra. Nem tudo pode ser feito à máquina.

Foi por isso que mudaram as oliveiras para o formato de arbusto?

Foi para substituir a mão-de-obra presencial por máquinas, o mesmo aconteceu nas vinhas. Hoje em dia, há zonas onde a colheita tem, obrigatoriamente, de ser feita à mão. É o caso das encostas do Douro, mas no Ribatejo e no Alentejo, as vinhas foram transformadas de forma a serem colhidas à máquina. Porquê? Porque então seria necessário muito mais gente e nem nós tínhamos capacidade para ter tanta gente, mesmo sazonal. A agricultura está dinâmica, ganhou dimensão em termos económicos, hoje o peso na economia nacional da agricultura está equiparado aos outros países que nos rodeiam, sem termos perdido muita mão-de-obra. Perdemos aquela tal mão-de-obra envelhecida, mas em contrapartida, com mais introdução de tecnologia, temos mais trabalhadores permanentes a funcionar e temos mais qualificação em muitas tarefas.

E com peso significativo nas exportações…

Segundo os dados do INE, as exportações agroalimentares – agricultura e produtos transformados – valem 7,15 mil milhões, cerca de 12,3% das exportações totais em 2018. Em termos de peso do PIB, ronda os 16%.

Disse que o salário médio é superior a muitas outras atividades. Qual é o valor?

Diverge muito de zona para zona. Por exemplo, tem carta de condução e tem um automóvel, conduz o seu automóvel e também conduz o meu se lho emprestar. Mas se lhe emprestar uma ceifeira-debulhadora moderna ou um trator moderno fica a olhar para aquilo e acha que está numa nave espacial. Quem for para cima daquela ceifeira-debulhadora, ou daquele trator, tem de saber de informática, tem de saber de física, de GPS, disto e daquilo. São trabalhadores que podem ganhar mil euros por mês. E esses são os trabalhadores qualificados que começam a surgir por esse país fora. Não são todos, obviamente que não são todos.

Mas tem existir alguma sensibilidade para essa área?

Exatamente. E há jovens que se dedicam a esse tipo de formação. Agora, não estou a dizer que a média dos salários seja de mil euros. Mas os trabalhadores permanentes, que trabalhem com alimentação de animais, que são responsáveis até pelo próprio maneio dos animais, trabalhadores relacionados com operadores de máquinas, são pessoas que têm outro nível de qualificação e são pagos para isso.

Há pouco falou que devia haver questões fiscais que deviam ser mais trabalhadas para este setor. Além dessa questão, que mais benefícios é que deviam ser dados?

Não sou grande defensor de benefícios muito dirigidos. Pode haver benefícios dirigidos para um determinado território ou para um determinado programa específico. Mas era preciso fazer um esforço especial para darmos uma volta à questão da floresta e dos fogos. De uma maneira geral, o país está demasiado asfixiado fiscalmente. Tudo aquilo que as empresas conseguem libertar, o Estado apropria-se desse esforço económico-financeiro e depois é o Estado que decide o que fazer com esse dinheiro sem ter sido ele a produzir. Aliás, o Estado não produz nada. O Estado, a única coisa que faz é consumir o produto dos outros. Se essa voracidade do Estado for exagerada, a liberdade de manejo desses produtos é diminuída. Ora, se as empresas tivessem maior capacidade de reter os proveitos que gerem e se fossem aliciadas a investir parte dessa valorização e também a valorizar a própria mão-de-obra poderiam subir os salários e capitalizar as empresas. O que temos assistido, fruto, principalmente do período da Troika é um maior asfixiamento e por isso é que os escalões de IRS foram penalizados e por isso é que as empresas têm um IRC tão pesado. Acredito que todos saímos beneficiados se houver uma redução fiscal e se a economia der um produto maior, isso vai-se refletir na própria receita fiscal.

Há pouco falou dos incêndios, o setor foi um dos mais afetados nos últimos anos pelos grandes incêndios que houve em Portugal, mas este ano aconteceu o mesmo ou foi um bocadinho menos dramático?

Os incêndios estão muito relacionados com as alterações climáticas. Este ano tivemos um verão frio, não houve calor, as pessoas queixavam-se que queriam ir para a praia em junho e tinham frio. Lembro-me que em agosto ainda tinha um cobertor na cama. Isto é sintomático. Sou produtor de arroz e, neste momento, o meu arroz está três semanas atrasado em relação ao normal, porque não tive calor no mês de julho. Portanto, as plantas agora para completarem o ciclo vão à procura de um outubro quente, que tem vindo nos últimos anos e se tivermos, como tivemos em 2017 que foi um ano dramático, aquelas condições climáticas de períodos secos muito longos, períodos sem chuva, associados a baixa humidade no ar, é uma mistura explosiva. Arde tudo, queiramos ou não. Depois temos o outro problema da floresta: a floresta precisa, de facto, de ser repensada, mas também não é pelas medidas que o Governo tomou de proibir os eucaliptos e de agora proibir as plantações de oliveiras. É o tal resolver os assuntos pela proibição, obrigar os proprietários a fazer uns trabalhos de limpeza que não tem nada a ver com proteção da floresta, tem a ver com a proteção das cidades, e obrigar os proprietários a suportar esses custos, retirando-lhes, inclusivamente, o já fraco rendimento que aquelas florestas dão. Tudo isso, na nossa perspetiva está errado. O setor florestal precisava de ser outra vez posto em cima da mesa e ser repensado. E então sim, porque é um setor importantíssimo nas exportações, na mão-de-obra que produz, na qualidade de produtos que produz, etc. Devíamos criar um verdadeiro plano de ataque à floresta, envolvendo os proprietários. Neste momento, o que acho é que os proprietários ficaram à margem das decisões que o Governo tomou, muitas delas a dizer que vai proteger os proprietários. Nós não concordamos com a forma como o pacote do Estado foi feito.

São as tais medidas que são feitas por quem não sai das cidades?

Também. Não digo isso do Ministério da Agricultura, porque reconheço que o Ministério da Agricultura tem pessoas que conhecem o setor. Mas a política tem os seus meandros menos simpáticos e este período de compromisso à esquerda, como dizem os especialistas, não beneficiou as medidas que deveriam ter sido tomadas nessa área.

Sente que tem havido uma resistência em fazer essa tal reforma da floresta?

Enquanto a reforma da floresta não tiver o verdadeiro apoio dos proprietários, não há reforma que lhe valha.

E não há apoio?

Dizem-me: “Vou-lhe cortar um dedo”. Eu dou a mão? Não dou. Se me puxarem o braço e eu não tiver força para o encolher, eu fico sem o dedo. Com os proprietários é a mesma coisa. As pessoas, ainda por cima, algumas delas não estão cá, vão fazer o quê? A floresta não é uma cozinha, não se passa lá a vassoura. Quem é que toma conta da floresta? São as pessoas. Onde há menos gente, é onde arde mais, porque aquilo está entregue a si próprio, não tem gestão, não tem rentabilidade. Se aquilo tivesse rentabilidade, as pessoas estavam lá, em vez de serem operários da construção civil na Alemanha ou serem médicos em Londres, seriam empresários em Portugal.

Estamos em véspera de eleições, que balanço faz do trabalho do ministro da Agricultura?

Com estas particularidades de nem sempre termos tido concordâncias em algumas medidas de política, o relacionamento institucional foi bom, fizemos grandes críticas e continuamos a fazer grandes críticas ao sistema do funcionamento da agência dos pagamentos, ou seja, ao Programa de Desenvolvimento Rural. À parte disso, o ministro foi colaborativo, empenhado em resolver os assuntos dentro das balizas que tinha. Teve um relacionamento franco com Bruxelas, conseguiu apoios para Portugal. Conseguiu algumas medidas específicas, mas em algumas situações foi pouco ambicioso, como no caso das medidas contra a seca. O problema da seca que atravessámos em 2017, já vinha de 2016 e continua sem ser revolvido.

Fala-se que se o PS não ganhar com maioria absoluta, poderá fazer um acordo, ou uma pequena coligação com o PAN. Isso seria a morte do setor?

Não gostaria de fazer conjeturas, porque iria ter de dar opiniões de caráter político.