Berrar e Ser Contra, ou a imbecilidade esférica


O que me preocupa é o palco excessivo que estas personagens recebem, que vai na razão inversa da qualidade e da substância do que têm para dizer.


Há no mundo público e mediático português (que cada vez é mais entretenimento e menos outras coisas) meia dúzia de personagens (que não personalidades, que é substantivo para outras estaturas), aliás sempre as mesmas, que têm por “profissão” ou modo de ser (ou de existir) berrar e ser contra. Melhor: ser contra, aos berros. Sempre, a propósito de tudo, e puxando o gatilho muito rapidamente, sempre que são solicitados, ou, não o sendo, sempre que surge uma oportunidade, criada pelas circunstâncias ou criada por eles mesmos. Podia citar alguns nomes, mas dispenso-me, não por receio (estou aliás certo de que a minha morte não será seguramente nem por medo, nem por parto, como costumo dizer sempre que me ameaçam ou tentam constranger), mas por três razões: porque me interessa discutir a questão ela mesma, e não os nomes; porque nomear é dar mais palco, e não quero “dar para esse peditório”, nem aliás é preciso, porque palco já têm o muito (demasiado) que infelizmente lhes dão, sempre em busca de “polémicas”, “casos” e “homens que mordem cães”; e porque toda a gente sabe de quem se trata, e cada qual ponha os nomes a quem de direito e cada qual, se tiver discernimento e sentido crítico para isso, que enfie a carapuça.

A mim, o que me entristece e enfada (e nada mais, mesmo quando sou alvo da berraria do contra, e sou algumas vezes, direta ou indiretamente) não são as personagens em si, nem propriamente o que dizem. Aliás, nada contra a que sejam sempre do contra, e até tolero (apesar da indelicadeza) os berros. O que me revolve um pouco as entranhas, e sobretudo preocupa olhando para a saúde da República, são duas outras dimensões do fenómeno (que por vezes chega à caricatura, embora tosca e com pouca graça), que aliás muito recentemente pude observar a respeito de dois temas que de alguma maneira me envolvem, mas que antes já vi tantas outras vezes, a propósito de tudo e de todos, a saber: primeiro, o palco excessivo que estas personagens recebem ou encontram, que vai na razão inversa da qualidade e da substância do que têm para dizer. Segundo, a falta de cuidado, preparação, estudo, reflexão e senso das personagens em causa, que fazem sempre o mesmo discurso a respeito de tudo, muitas vezes sem curar de saber bem do que falam e se o que dizem tem alguma espécie de fundamento. Com o que revelam, muitas vezes (noutras esperteza, mais ou menos saloia), não só imbecilidade, no sentido de falta de preparação e de falta de preocupação com tal falha, mas uma imbecilidade de tal ordem, e tão balofa, que é impossível penetrar nela com alguma reflexão e alguma ponderação. Tão redonda e composta, que não tem arestas, nem frestas, nem há forma de lhe fazer alguma coisa para além de a contornar, aguentando se e na medida do possível. Trata-se de uma imbecilidade verdadeiramente esférica. Uma bola, que roda sobre si mesma, que saltita, cheia de ar, vazia de tudo. Resta alertar, e sugerir que se reflita. Aqui fica, e pode ser que, porventura, sirva para alguma coisa.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira