A partir de hoje estamos a viver com recursos que não temos

A partir de hoje estamos a viver com recursos que não temos


Acionámos hoje o cartão de crédito ambiental. O i revela algumas medidas que podem ajudar a poupar o planeta.


Assinala-se hoje o Dia de Sobrecarga da Terra. Ou seja, a Humanidade atingiu esta segunda-feira o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para 2019. Este ano, o limite foi atingido três dias mais cedo do que em 2018. Mas existem pequenas coisas que podemos fazer para tentar travar este problema.

De acordo com a Associação Zero, Portugal é um dos países que contribuem para esta situação: “Se todos os países tivessem a mesma pegada ecológica que o nosso, seriam necessários 2,5 planeta”, revela a associação em comunicado. Recorde-se que Portugal gastou os seus recursos naturais disponíveis no dia 26 de maio, 21 dias mais cedo do que no ano passado.

“O consumo de alimentos (32% da pegada global do país) e a mobilidade (18%) encontram-se entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal e constituem, assim, pontos críticos para intervenções de mitigação”, explica a Zero, alertando ainda para o facto de, tendo em conta a média mundial e a velocidade de produção e consumo, estarmos a consumir cerca de 1,75 planetas. “O overshoot (ou sobrecarga) só é possível porque estamos a esgotar o capital natural da Terra, o que põe em causa o futuro da humanidade. Desta sobre-exploração resulta, por exemplo, a desflorestação, a erosão do solo, a perda da biodiversidade ou o aumento dos níveis de carbono na atmosfera, que nos conduzem de forma muito perigosa para as alterações climáticas”, acrescenta.

Em comunicado, a Zero propõe uma série de “novas práticas” que podem ajudar a mudar esta situação, nomeadamente a promoção de uma dieta alimentar “saudável e sustentável”, a “disponibilização de infraestruturas e condições que estimulem a mobilidade suave (andar a pé e de bicicleta)” e a “partilha de transportes”.

Mas como podem estas medidas mudar de facto este problema? Dá para atrasar o dia em que somos obrigados a acionar o cartão de crédito ambiental? A tendência tem sido precisamente o contrário: de acordo com a plataforma Global Footprint Network, uma organização que se decida precisamente ao estudo da sustentabilidade dos recursos terrestres, em 1970, o dia de sobrecarga assinalou-se a 29 de dezembro. Em 1980, ia já a 4 de novembro. Em 1990, o planeta esgotou os recursos naturais a 11 de outubro. Dez anos depois, em 2000, a data assinalada foi 23 de setembro. Em 2010, o dia de sobrecarga foi registado a 7 de agosto, nove dias depois da data registada este ano.

Para tentar contrariar esta tendência, a organização criou uma plataforma com dicas do que podemos fazer para travar esta situação e que mostram, em termos práticos, quantos dias podemos poupar com pequenas ações (ver quadro ao lado).

“O passado não tem obrigatoriamente de determinar o nosso futuro. Mas as nossas escolhas no presente, sim. Através de decisões inteligentes e voltadas para o futuro, podemos inverter a tendência de consumo de recursos naturais e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de vida da população mundial”, lê-se no site da plataforma que, através das redes sociais, está a implementar a hashtag #movethedate (mudar a data, em português) para que todos partilhem o que têm feito para ajudar.

Mas há outras formas de partilhar o que é feito: a Global Footprint Network criou um mapa interativo onde os utilizadores podem partilhar as empresas e iniciativas sustentáveis que existem na sua cidade. Para partilhar com os outros o que é feito no seu bairro para ajudar o planeta inteiro, basta aceder a https://movethedate.overshootday.org/.

 

Cidades

Em 2050, é esperado que entre 70 e 80% da população mundial viva em áreas urbanas. Por isso, é necessária a implementação de políticas sustentáveis nas cidades, para garantir que existe capital natural suficiente nestas zonas.

Sabia que, segundo a Global Footprint Network, a mobilidade das pessoas é responsável por 17% da pegada de carbono deixada pela humanidade? Não é difícil acabar com este problema, Se a população mundial reduzisse em 50% o uso do carro – e assumindo que um terço dessa redução é substituído pelo uso de transportes públicos e o resto pelo uso de bicicleta ou simplesmente por uma caminhada, o dia de sobrecarga atrasava 11 dias e meio.

A questão dos centros urbanos e do excesso de população nestas áreas levou as Nações Unidas a criarem uma série de metas para 2030, com o objetivo de manter a sustentabilidade destas zonas. Algumas das regras são o acesso “seguro, sustentável e comportável a transportes públicos para todos”, dar uma “atenção especial à qualidade do ar e à gestão da água” e “dar apoio a países menos desenvolvidos, nomeadamente através de assistência financeira e técnica, da construção de edifícios sustentáveis e da utilização de materiais daquela zona”.

Energia

“A pegada de carbono é responsável por 60% da pegada ecológica humana”, refere a Global Footprint Network. E este é um problema recente: há 150 anos, a pegada de carbono estava muito perto dos 0%. Se conseguíssemos reduzir este problema, teríamos um grande impacto na sustentabilidade – a associação diz que reduzir em 50% a componente de carbono da pegada ecológica faria com que o dia de sobrecarga da Terra se atrasasse 93 dias, ou seja, mais de três meses.

E como concretizamos esta medida? Cumprindo o Acordo de Paris, assinado em 2015. Uma das conclusões deste acordo é que, se todos o cumprirem, a pegada de carbono voltaria a níveis perto dos 0% ainda antes de 2050. No entanto, face ao fracasso deste acordo e aos registos cada vez mais preocupantes, no final do ano passado, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP24) foram definidas medidas concretas para que tal fosse possível, nomeadamente na medição, registo e comunicação das emissões.

A Global Footprint Network diz ainda que devemos usar o que criamos a nosso favor: a utilização de “tecnologia de ponta na construção de edifícios, em processos industriais e na produção de eletricidade pode ajudar a atrasar o dia de sobrecarga pelo menos 21 dias, sem que se perca produtividade ou conforto”.

Comida

A necessidade de alimentar a população mundial é responsável por 26% da pegada ecológica humana, diz a Global Footprint Network. Segundo as Nações Unidas, é necessário ter em conta dois aspetos para lidar com a questão da quantidade de alimentos disponíveis, com os problemas de desnutrição e a fome: resolver problemas de sustentabilidade na produção alimentar e evitar desperdício de alimentos.

“São necessários mais recursos para produzir calorias animais do que calorias vegetais”, frisa a associação. Aliás, se reduzirmos o consumo de carne em 50% ou o substituirmos por uma dieta vegetariana, conseguimos atrasar a data 15 dias – dez deles graças à diminuição de emissão de gás metano.

A Global Footprint Network alerta ainda para o facto de que “cerca de um terço da comida produzida no mundo para consumo humano – 1,3 mil milhões de toneladas por ano – é desperdiçada”, um valor que equivale a 9% da pegada ecológica humana. Só nos EUA, estima-se que 40% da comida produzida seja deitada ao lixo. A verdade é que se cortássemos o desperdício alimentar para metade a nível mundial, conseguíamos atrasar o dia de sobrecarga dez dias.

Planeta

A saúde da Terra é essencial para a sua (e a nossa) subsistência. Solos férteis, águas limpas e ar puro são imprescindíveis para a sobrevivência das espécies. No que diz respeito ao ser humano, vários estudos mostram que um ambiente sustentável e rico ajuda o homem a ter melhores alimentos e uma saúde física mais forte. Além disso, ajuda também a manter “um equilíbrio psicológico e espiritual”, diz a Global Footprint Network.

“Tendo em conta o uso massivo dos recursos biológicos do planeta, as nossas economias estão agora limitadas à biocapacidade da Terra. A boa notícia é que já existem soluções para melhorar a saúde dos nossos ecossistemas e, consequentemente, a capacidade do planeta de regenerar os seus recursos biológicos”, revela a associação. Essas soluções são a reflorestação de vários ecossistemas, a implementação de uma agricultura regenerativa – que ajuda a enriquecer os solos e os lençóis freáticos – e a pesca sustentável. 

Aliás, se conseguirmos implementar a reflorestação de 350 milhões de hectares de floresta poderemos atrasar a data limite para o uso de recursos do planeta oito dias. 

População

É dos cálculos mais fáceis de fazer: quanto mais pessoas existem, menos espaço no planeta está disponível para cada uma.

Uma das metas das Nações Unidas é investir em famílias mais pequenas através da implementação de estratégias que contribuam para a igualdade de género e para a valorização das mulheres, principalmente nos países menos desenvolvidos. Para isso são propostas “reformas para que as mulheres tenham direitos iguais no que diz respeito a recursos económicos, bem como o direito a deter e controlar propriedades”, e medidas que potenciem a “adoção de políticas e legislação que promovam a igualdade de género e a valorização das mulheres e das raparigas a todos os níveis”.

A criação destas condições fará com que as famílias diminuam. Aliás, se todas as famílias tiverem, em média, menos um filho, a população mundial em 2050 diminuirá de 9,7 mil milhões para 8,7 mil milhões, estimam as Nações Unidas. Se essa tendência continuar, serão menos quatro mil milhões de pessoas no mundo até ao final do século. Tendo em conta a esperança média de vida, é expetável que as crianças nascidas hoje em dia ainda sejam vivas no final do século.

Ora, menos pessoas, menos consumo de recursos naturais. Por isso, a Global Footprint Network diz que, se todas as famílias do mundo tiverem menos um filho, a data de sobrecarga da Terra atrasa 30 dias.