O poucochinho que bem lhe chega


Em 2014, contra uma coligação de direita e depois da assinatura do memorando com a troika, por alguns socialistas desmemoriados, o PS obteve uma vantagem de 3,75%. Agora, a diferença é de 5,25%.


Tenho um amigo que quando está a começar a comer, meio a sério, meio a brincar, proclama aos presentes um “alguém é servido deste poucochinho que mal me chega?”. As realidades são cada vez mais configuradas à medida de uma visão tribalista das dinâmicas, em que os apoiantes de uma determinada visão não querem ser importunados por algo que não seja o discurso, a visão ou o interesse do grupo a que pertencem. Sim, é intolerante. Sim, é pouco democrático, mas é o que temos.

Das europeias, por muito que custe a alguns, resultou “um poucochinho que bem chega” para os que sempre exigiram mais a outros. O PS voltou a ganhar as eleições para o Parlamento Europeu, elegeu mais um deputado, teve mais 73 170 votos do que em 2014, isto é, mais 1,92%. Recorde-se que em 2014, contra uma coligação de direita e depois da assinatura do memorando com a troika, por alguns socialistas desmemoriados, o PS obteve uma vitória com uma vantagem de 3,75%. E agora, se somarmos PSD e CDS, já nem contando com a Aliança, a Iniciativa Liberal ou o Basta, a diferença para o PS é de 5,25%. Portanto, os 3,75% de 2014 são poucochinho, os 5,25% são uma grande vitória. Com tal matemática e firmes ou encapotados apoiantes acobertados em alguma imprensa, teme–se pelas contas certas como elemento central do discurso oficial.

E é aqui que reside o perigo do “poucochinho que bem lhe chega”, perante uma direita em implosão e uma esquerda à esquerda que ladra, mas não morde, depois de ter viabilizado todos os Orçamentos do Estado desde 2015.

Por muito fortes que sejam as narrativas, em Portugal e na Europa, há contradições insanáveis e linhas políticas da atual solução de Governo que são insustentáveis. E de nada valerá ensaiar pedidos de desculpa, remeter desculpas para governos anteriores depois de uma legislatura ou encenar manobras de diversão.

Muito do que é preciso ser feito em Portugal ou na Europa, por exemplo, para completar a união económica e monetária, não pode ser feito com os atuais parceiros de solução governativa. Como disse a semana passada Fareed Zakaria, “não há nenhuma resposta para os problemas da Europa que não impliquem mais Europa”.

A narrativa de responsabilidade e senso que o ministro das Finanças defendeu nas Conferências do Estoril, assente na sustentabilidade, na esperança e na exigência, não é compatível com as visões dos atuais comparsas BE e PCP, nem com o putativo futuro sustentáculo PAN.

Como não é sustentável anunciar o fim da austeridade, sustentar a defesa da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde, do crescente aumento de encargos e responsabilidades do Estado para depois ter os serviços públicos no estado deplorável em que estão. A coberto das cativações e de outras restrições esconde-se uma incontornável incompetência na gestão de áreas integrais da vida dos portugueses. Se há dinheiro a toque de caixa da realidade das ruturas dos serviços, de algumas reivindicações profissionais e das pressões mediáticas geradoras de comoções e impactos, porque não há dinheiro e competência para decidir atempadamente sobre as necessidades correntes? Porque se insiste em querer construir as soluções pelo telhado, e não pela base ou com os pés no chão?

Na saúde, na educação, nos serviços públicos, na segurança, na proteção civil, em quase todas as áreas da governação há problemas identificados que se arrastam, presos numa alegre anuência assente nos cobres a mais que os portugueses poderão ter nos bolsos, na letargia das oposições nos momentos cruciais da governação e na cobertura mediática do perfil de governação desresponsabilizada e desresponsabilizante. O que está a acontecer é que o avolumar de problemas decorrentes de não decisões, de decisões tardias ou de incapacidade de antever as realidades está a minar a confiança dos portugueses na capacidade de gestão do Estado. E, no entanto, o que se ouve é o Estado a assumir mais responsabilidades. Isto é, por cativações e outros bloqueios de gestão, não faz o que deve, mas quer fazer mais. Não é anorexia nem bulimia, esta gente é mesmo garganeira. Como se dizia, tem mais olhos que barriga pois, na verdade, exceto no que concerne ao sistema bancário, o poucochinho mal lhe chega.

Não atalhe o Governo caminho, desbloqueando os nós que persistem na gestão corrente das funções do Estado, amarfanhadas pelas cativações e pela incompetência de quem não decide a tempo e horas, e terá um verão horribilis de casos e mais casos, numa onda de irritantes, cavalgada pelas dinâmicas eleitorais e pelos média, com impactos eleitorais.

Até lá, a partir do resultado, que na história das europeias iguala as vitórias dos partidos em funções governativas com as vitórias das oposições (4-4), com a direita atordoada e a esquerda atemorizada pela governação na forma tentada, é continuar a trabalhar para a verdadeira superação do poucochinho: não tendo ganho nas legislativas de 2015, ganhar em 2019 com maioria absoluta.

NOTAS FINAIS

As desculpas evitam-se. Há problemas estruturais, comecem-se a resolver. Há problemas que precisam de tempo para ser resolvidos, depois de quatro anos de Governo, explique-se o porquê de não ter feito o que se devia, atempadamente. Se respiramos e comemos todos os dias, como é possível achar que os serviços não precisam da mesma atenção diária nos recursos humanos e materiais?

Evitar desculpas esfarrapadas. Se a nova Carochinha é o PAN, porque a atual solução governativa não é suficiente para casar, é bom que se coloque preto no branco quais são as convergências aceitáveis com essa fonte de intolerância e de fundamentalismos na sociedade portuguesa.

Sem desculpa. Não aceito uma gestão de Estado que se comporte mediaticamente como um gangster, em que a árvore serve para denegrir a floresta. O Hospital de Vila Franca de Xira foi a última vítima. Tal como o de Loures, só foi construído porque houve uma PPP, senão estava no mesmo ponto que os do Seixal, de Évora, do Oeste ou de Todos-os-Santos. É o não faz nem deixa fazer.