Opiniões que não podem ser ditas em público


Não basta posts na net para aproximar a polícia das pessoas, é preciso que a própria polícia o queira. E estou certo de que a maioria dos agentes o quer, mas há forças contrárias.


Num relatório de 2016 do Comité de Eliminação da Discriminação Racial, a ONU mostrava preocupação com a violência das forças de segurança em Portugal sobre grupos como as comunidades cigana e africana e mesmo sobre afrodescendentes. No ano passado, o país foi confrontado com notícias que davam conta de que, para o Comité para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Desumanos do Conselho da Europa (CPT), Portugal era dos países com mais casos de violência policial e maus-tratos nas prisões – ainda que as autoridades nacionais tenham admitido não terem dados estatísticos sobre o assunto. E já antes, em 2015, tinham sido divulgadas várias notícias sobre investigações das secretas por suspeitas da existência de elementos da extrema-direita nas forças policiais portuguesas.

Acredito que estas situações estão longe de ser a norma, mas não posso acreditar que não existam. Mais: até posso pensar que há uma razão para as coisas serem assim, para ainda não estarmos noutro patamar, mas não me peçam para não lutar por mais e melhor.

No início deste ano, o i noticiou um caso de discriminação em que o comandante da PSP da esquadra do Campus de Justiça deu ordens para que, na sala de tribunal onde estavam a ser ouvidos os elementos que se envolveram em confrontos com a polícia no Bairro da Jamaica, só estivessem agentes negros (não é por ser nestes moldes que a discriminação deixa de ser discriminação e os agentes do Campus de Justiça sentiram-no na pele).

Vi, por tudo isto e por conversas que tenho com amigos polícias, com muita naturalidade as declarações de Manuel Morais, ex-vice-presidente da Associação de Profissionais de Polícia: “O que existe na nossa sociedade e também na polícia é um preconceito étnico”.

Claro que na nossa sociedade existe preconceito e claro que os agentes da PSP são produtos da nossa sociedade. O que me deixou perplexo nos últimos dias nem foi tanto a constatação de que existe esse preconceito, foi descobrir que a PSP e este sindicato preferem expelir os que não verbalizam o discurso corporativista, os que, pensando de forma diferente, arriscam aproximar a polícia daqueles que hoje a veem como um inimigo. Os posts XPTO na página de Facebook são importantes mas, enquanto não se tolerar a diversidade de opiniões, não se tentar evoluir, de pouco servirão. Admitir que há problemas é meio caminho para alcançar uma solução, é preciso agir mesmo quando não há o tal vídeo dos GNR a humilhar a prostituta.

 

Jornalista