Abril, do dia inicial inteiro e limpo de Sophia de Mello Breyner, perfaz em breve 45 anos. Deveria ser já um patamar de considerável maturidade e de consolidação cívica de uma exigência maior em relação ao funcionamento de pilares essenciais das sociedades democráticas.
O Estado exige dos cidadãos.
A comunicação social verbaliza exigências, próprias ou induzidas, em relação aos titulares de cargos públicos.
Vários setores da sociedade exigem do Estado mais rendimentos e melhores condições de trabalho para o desempenho de funções.
E os cidadãos não exigem o suficiente de quem tanto exige. É assim na justiça, na política e na comunicação social, cada vez mais remetida a uma marginalidade de telespetadores, leitores e ouvintes, tal é o desprendimento das pessoas e das novas gerações em relação aos suportes de comunicação tradicionais.
Em breve perfazem três (3) anos que o semanário Expresso, integrado num consórcio internacional de investigação jornalística, divulgou que, no âmbito do escândalo das offshores dos Papéis do Panamá, o saco azul do GES tinha feito pagamentos regulares a políticos e jornalistas.
Três anos depois, dos políticos lá se souberam os nomes, mas dos jornalistas nem um nome foi divulgado, lançando uma enorme suspeita sobre boa parte de uma classe profissional, em especial dos protagonistas que poderiam ter relevância para os Donos Disto Tudo do BES e do GES.
Três anos depois é legítimo questionar o porquê de tanta opacidade em relação aos nomes dos jornalistas que deveriam estar nos mesmos ficheiros onde foram lidos os nomes dos políticos, mas nada.
Os arautos deste jornalismo de alegada investigação, parcial, seletiva e em causa própria, sentem-se bem com a suspeita de que no passado escreveram não em função de critérios jornalísticos, mas em função dos interesses do BES, mandando o direito à informação às ortigas? Conseguem conviver com uma mancha negra que paira sobre os escritos do passado e as peças que ainda hoje escrevem, quiçá no mesmo registo de avença, agora com outra entidade de tantas que persistem no mercado e na sociedade com interesses a defender?
Três anos depois do anúncio das avenças do saco azul do GES a jornalistas, nada, nem o nome de um jornalista avençado. Apesar de tudo, é menos tempo do que o que demoraram a despertar para a realidade das nomeações familiares nos cargos públicos, seja no patamar local, regional ou nacional. Esta realidade, que agora indigna e alimenta tanta comunicação social e algum poder político, já existia em 2012, 2013 e 2014, altura em que serviu para dar alento a uma estratégia de conquista do poder interno do Partido Socialista a partir da Câmara Municipal de Lisboa e de desgaste desse mesmo poder democraticamente eleito a partir de uma comunicação social comprometida com essa mesma autarquia e com as benesses de publicidade concedidas.
O estado periclitante de boa parte dos grupos de comunicação social, sem vendas, sem leitores e sem publicidade, alimenta uma incontornável degradação ou aligeiramento do exercício, não havendo espaço para a investigação rigorosa e consequente. O problema é que o caso do “saco azul do GES para jornalistas” sublinha que essa realidade, mais do que uma circunstância, é um elemento estrutural do funcionamento dos média, devendo ser superados os tradicionais impulsos de fanatismo na defesa da classe para separar o trigo do joio. A não ser assim, persistirão sempre as suspeitas mais exigentes. Por que razão, três anos depois, não divulgaram os nomes dos jornalistas do saco azul do GES? Por que razão há sete, seis ou cinco anos não descobriram o network família que já existia e agora tanto excita?
Dia 23 de abril perfazem os três anos da notícia, dois dias depois comemoramos os 45 anos do impulso democrático – era uma boa ocasião para o tal jornalismo de investigação, em consórcio ou não, com maiores ou menores justiceiros, acertar o passo com o rigor, a verdade e a consequência: debitar cá para fora o nome dos jornalistas avençados do GES. É que, afinal, no meio de tantos desmandos bancários pagos pelos contribuintes portugueses, é bem possível que estejamos a pagar duas vezes: uma no resgate do banco que pagava a avença ao jornalista e, agora, na aquisição da edição do órgão de comunicação social em que os espécimes trabalham.
Embora o tempo atual seja acelerado e demasiadas vezes ligeiro, damos 15 dias de avanço para a preparação da revelação, é só ver de novo os papéis e anunciar a divulgação, ainda que com elevada probabilidade de haver gente da casa. Quinze dias dão tempo para um resquício de investigação jornalística e para a preparação das narrativas justificativas, que a classe aceitará como quase sempre, não fosse a defesa da classe um dos primados do exercício.
NOTAS FINAIS
Papel de jornal. O “sei o que disseste no verão passado” pode levar a mais rigor no exercício político e maior impulso de escrutínio dos cidadãos sobre a coerência. Será certamente bom para avaliar que a direita propõe agora diferente do que fez, que o Bloco se modera para procurar entrar no círculo das nomeações governamentais e que o PCP da liberdade expulsa por delito de opinião.
Papel couché. Houve um tempo em que todos fomos configurados no querer mais. Há um tempo em que o registo é o da reposição do que já tivemos. É bom que o exercício cuide da sustentabilidade das opções, sob pena de andarmos entre a reivindicação irresponsável e a renovada imposição de cortes. Numa vida em ioiô, ora se tem, ora não se tem.
Papel higiénico. Quando havia tanto para dizer e para afirmar sobre Portugal e sobre a União Europeia, colocar o debate das europeias no patamar do voto de confiança ao governo do PS é um erro político que só acontece por uma certa perceção de impunidade política em relação a tudo o que se faz. Não honra o património europeísta do PS nem o acervo de intervenção política da sua matriz. É poucochinho.
Escreve à segunda-feira