Youtubers do mundo, uni-vos


O lóbi da indústria de conteúdos ganhou a batalha no Parlamento Europeu, mas a diretiva ainda tem de ser transposta para as legislações nacionais.


Se tentarmos entabular uma conversa com um adolescente sobre uma diretiva europeia que está a ser discutida em Bruxelas, há uma grande probabilidade de o jovem adormecer a meio da primeira frase. No entanto, um artigo específico de uma diretiva complexa tornou-se, de repente, no tema mais excitante em muitas escolas secundárias. A mobilização contra o “artigo 13” transformou-se num debate sobre o valor da liberdade no séc. xxi, e quem quiser acabar com ela na internet já sabe que vai ter pela frente uma geração inteira.

A complexidade do assunto torna tudo ainda mais impressionante. Mas, em resumo, está em causa uma alteração da regulação dos direitos de autor nos conteúdos disponibilizados pelas plataformas online, como o YouTube. É a conclusão de uma guerra entre grandes produtores de conteúdos, como Hollywood ou a Sony, que querem impedir que as suas músicas ou imagens andem por aí em vídeos aleatórios de milhões de utilizadores de todo o mundo sem pagar direitos de autor; e as plataformas que não se querem responsabilizar pelos direitos de autor de um conteúdo que não foi produzido por elas.

Até aí, tudo bem, os grandes andam à bulha para ver quem mete mais ao bolso – nada de novo. O problema é que a diretiva aprovada esta semana no Parlamento Europeu permite um mecanismo discricionário de escolha de conteúdos. Atualmente, quando um conteúdo viola direitos de autor, cabe ao queixoso queixar-se e à plataforma resolver o problema. Agora vai passar a ser responsabilidade da plataforma ou da rede social zelar pelos direitos dos autores. Para se proteger, a plataforma desenvolve um mecanismo preventivo, um filtro digital que identifica os conteúdos no momento do upload e, em caso de dúvida, bloqueia-os.

Para compreender melhor como isto funciona recorri a um tutorial de quem sabe falar destas coisas com clareza: uma youtuber. Em dois vídeos cheios de boas perguntas, a Bumba na Fofinha parte de uma grande questão: saber o que poderá acontecer-lhe se carregar um vídeo com uma fotografia de um bebé de lasanha. Confusos? Vejam o vídeo. O mais importante, e assustador, é perceber que, de acordo com as novas regras, ela poderia não ter conseguido carregar nenhum dos seus vídeos. E dessa forma entendemos que a internet não é um buraco negro onde flutuam conteúdos metafísicos. A liberdade da internet é a nossa liberdade na internet. E portanto, sim, um filtro de conteúdo é uma rede de pesca gigante com uma malha que arrasta tudo, razão pela qual muitos de nós denunciamos esta diretiva como uma censura da internet e estivemos contra ela.

Claro que essa censura pode ser de vários tipos e cumprir diferentes objetivos. Este filtro não tem de servir necessariamente para uma censura política direta, coisa que poderia deixar-nos descansados se não partilhássemos o mundo com Trumps, Bolsonaros e Putins. A norma também permite à grande indústria de conteúdos fazer a vida negra aos pequenos produtores independentes (aka youtubers) e dificulta o surgimento de plataformas alternativas que não possam pagar por estes filtros. Ou seja, passam a ser os tubarões a decidir o que circula na internet, a sugar o lucro dos direitos de autor e a distribuir uma ninharia pelo peixe pequeno. A vantagem deles é evidente, mas qual é a nossa?

Nenhuma. Por isso, a Marisa Matias, eurodeputada do Bloco, votou contra. Infelizmente, a maioria dos eurodeputados do PS, toda a bancada do PSD e o não tão liberal Nuno Melo conseguiram ver as vantagens que mais ninguém vê e votaram a favor. O lóbi da indústria de conteúdos ganhou a batalha no Parlamento Europeu, mas a diretiva ainda tem de ser transposta para as legislações nacionais. Ainda vale a pena lutar. Youtubers do mundo, uni-vos.

 

Deputada do Bloco de Esquerda