A aversão de cada vez mais portugueses ao funcionamento dos partidos políticos é perfeitamente justificada, porque os partidos da área do poder – PS, PSD e CDS – comprometeram o desenvolvimento do país ao longo de 30 anos, empobrecendo os portugueses relativamente aos outros países da União Europeia, e os partidos da esquerda – PCP e Bloco de Esquerda – nunca constituíram uma alternativa credível no contexto de uma democracia liberal, escolhida pelos portugueses em sucessivas eleições.
Dito isto, parece-me inquestionável que cabe ao Partido Socialista a maior quota de responsabilidade pelos maus resultados da governação do país, nomeadamente a partir dos governos de António Guterres. Seja porque foi o PS que esteve mais tempo no governo, seja porque foi no PS que se desenvolveu um modelo de poder endogâmico e pouco democrático, isto é, um casamento quase perfeito entre a cúpula partidária e os interesses económicos e outras instituições da sociedade, mais ou menos secretas, como seja a maçonaria e o Opus Dei, secretismo que entrou na cultura do partido até aos nossos dias.
Cabe a António Guterres a maior responsabilidade por esta evolução do PS, seja porque foi o organizador do partido com base em lideranças regionais integradas no chamado centralismo democrático, seja porque permitiu que se instalassem e reforçassem os grupos de interesses no interior do partido, aumentasse o controlo sobre o Estado e deste sobre a sociedade, e se instalasse a corrupção. Foi ainda António Guterres que trouxe para o poder social e partidário um grupo de novos dirigentes e governantes – padre Melícias, José Sócrates, Armando Vara (ministro Adjunto), Vieira da Silva, António Costa, Pedro Silva Pereira, Capoulas Santos, Pina Moura, Maria de Belém, Eduardo Cabrita, Santos Ferreira, Diogo Lacerda Machado, Narciso Miranda, Paulo Campos, Fausto Correia, José Lello, Luís Patrão –, personalidades que muito contribuíram para os erros políticos e desmandos éticos e financeiros dos anos seguintes. A fuga de António Guterres do pântano é a história do homem que não resistiu à sua obra, apesar da sua enorme capacidade intelectual, infelizmente desperdiçada.
Depois do enorme desastre político, económico, financeiro, social e ético dos governos de José Sócrates, temos o governo do PS de António Costa, que tem sido um fiel continuador dos governos anteriores do PS. Digo-o com tristeza mas com uma forte convicção, ainda que saiba que, como aconteceu com os governos de José Sócrates, muitos portugueses se tenham deixado iludir outra vez, seja pela propaganda, seja pela aparente recuperação económica – ainda que reconheça da parte do atual governo um maior rigor nas contas públicas, porventura por força da União Europeia e porque também não existe alternativa possível em vista da dívida do Estado.
O Partido Socialista de hoje não é uma cópia exata do PS do último quarto de século, mas é certamente o seu fiel continuador. Existe a mesma tentação de controlo sobre o sistema político e o Estado e têm crescido as formas de controlo sobre a sociedade, o que é favorecido pela ideologia estatizante dos restantes partidos que formam a geringonça. Há a mesma navegação à vista, agora ainda mais atrabiliária por força das contradições entre os partidos da maioria. Cresceu a endogamia dirigente, agora através de um círculo restrito de familiares e de amigos, nuns casos mais desgastados por muitos anos no poder e noutros escolhidos pela sua fidelidade ao chefe e não pelas suas qualidades e experiência, resultando em seguidores acríticos e frequentemente incompetentes. O ex-ministro Pedro Marques, agora cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu, representa bem esta nova juventude partidária chegada ao governo, que alia uma perigosa ignorância ao desejo de poder, com as mesmas qualidades para a propaganda e para a mentira e a mesma incapacidade para o debate e para a critica.
Ao longo dos anos, o PS tornou-se uma máquina eleitoral feita para iludir a realidade e substituir a necessária visão de futuro pela sobrevivência no poder, agora ajudado pelo desaparecimento da oposição do PCP e do Bloco de Esquerda. De facto, o regime político, com António Costa, tornou-se ainda menos democrático, menos sensível à necessidade de mudança e mais próximo de uma plutocracia de interesses – em resumo, um partido ainda menos capaz de contribuir para o progresso e para o desenvolvimento de Portugal no contexto de uma União Europeia, igualmente sem rumo, mas com países que seguem com sucesso o seu próprio desenvolvimento económico, o que não acontece connosco.
Tenho dedicado algum pensamento e escritos à questão das obras públicas porque, para além da sua importância em qualquer estratégia de desenvolvimento da economia, elas demonstram facilmente a incapacidade do governo para definir uma estratégia e fazer escolhas que ultrapassam os interesses particulares. O facto de o governo não ter qualquer oposição interna ao erro e à construção de uma retórica propagandística desligada da realidade será porventura o melhor exemplo de que os partidos políticos da geringonça perderam todo o pensamento criador e são hoje uma burocracia, incapaz de contribuir para o futuro de Portugal.
Burocracia que no PS perdeu todo o sentido da realidade. Defender, por exemplo, que a adoção da bitola ibérica na ferrovia evita a concorrência internacional, para além de criar um monopólio interno, revela o total desfasamento com o funcionamento das economias de mercado e com a realidade da globalização, além dos perigos do isolamento internacional, cujos resultados estão bem documentados em inúmeros países e pela nossa própria experiência dos governos de Salazar. Levar para a frente, teimosamente e contra a opinião da maioria dos especialistas dos setores respetivos, os ruinosos projetos da ferrovia em bitola ibérica, da linha circular do Metro e do Porto do Barreiro, representa a incapacidade de compreender os erros anteriores e a enorme falência estratégica a que o Partido Socialista conduziu o país ao longo dos anos, com investimentos sem a necessária rentabilidade económica, mas também social.
Aparentemente, o excesso de autoestradas, o aeroporto de Beja, os estádios de futebol, a construção de péssima qualidade e gosto na periferia das grandes cidades, a sementeira de pavilhões gimnodesportivos e o vício da construção à custa da manutenção são factos reconhecidos universalmente, mas que não ensinaram nada ao Partido Socialista. Pelos jogos de interesses, por ignorância e por provincianismo, o PS tornou-se um partido perigoso para a democracia portuguesa e para o progresso e o desenvolvimento de Portugal.
Empresário
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”
por uma democracia de qualidade