1. Quando certas pessoas dizem “deixe isso comigo” é cada vez mais frequente o assunto a tratar passar definitivamente ao rol dos esquecidos. A degradação da palavra dada e do compromisso assumido é um sinal dos tempos. O mal não se limita à promessa política. Nesse campo, é verdade que as promessas feitas e não executadas tendem a aumentar, generalizando o descrédito. O governo atual é um exemplo paradigmático e um campeão dos incumprimentos. O fim da austeridade foi uma ilusão. A realidade objetiva é uma sucessão de cortes de funcionamento jamais vista, mas sistematicamente escondida. Dissimular é, hoje, prática corrente na sociedade portuguesa. A palavra e a falta dela estendem-se às coisas do quotidiano. São muitos os que perdem a frontalidade, a capacidade de assumirem os comportamentos que vão adotar perante situações concretas. Dizem sim para despachar e não fazem nada. Adiam decisões. Alguns mentem descaradamente quando dizem que os assuntos estão a andar. Não têm a coragem de dizer não, coisa que há anos era natural. Vivemos no reino do cinismo permanente, da falta de responsabilidade e da incapacidade de encarar as pessoas de frente. A indiferença, a falta de frontalidade, a fuga aos compromissos, a ausência de respostas e o empurrar com a barriga os problemas que se colocam ou envolvem terceiros tornaram–se rotina. São raros os que assumem posições difíceis, quanto mais os erros. Muitos remetem para terceiros a responsabilidade pelo que eles próprios não fazem ou invocam outros para se justificarem. Este estado de coisas não começou ontem. É uma tendência. Claro que há ainda exceções por parte de gente séria, rigorosa, frontal e educada que atua com lisura, transparência e honestidade de métodos, esforçando-se para que as coisas aconteçam, assumindo claramente uma negativa ou dando conta das evoluções. Há, ainda, pessoas assim. Mas é preciso que haja mais. Faz-nos falta uma mentalidade mais anglo-saxónica, mais transparente, mais ética e, por isso, mais direta. Estamos a tornar-nos bizantinos. E é pena. Porque há não muitos anos era bonito saber que, em Portugal, a palavra dada tinha um valor superior e que se faziam negócios de milhares de contos (no caso da cortiça) com um simples aperto de mão.
2. Estão a comemorar-se os 150 anos do nascimento de Calouste Gulbenkian. A evocação começou com a publicação de uma biografia assinada pelo britânico Jonathan Conlin. Sem a decisão testamentária de Gulbenkian e o empenho do seu advogado Azeredo Perdigão, Portugal não seria o país que é hoje nas artes, na cultura e na ciência. A Fundação Gulbenkian tem sido, pela mão dos seus sucessivos presidentes, administradores, dirigentes e funcionários, o verdadeiro ministério da cultura português, mantendo, porém, distâncias prudentes dos mundos político e económico, tanto no tempo da ditadura como no da democracia. Nunca poderemos estar suficientemente gratos pelo legado que Calouste Gulbenkian nos deixou.
3. Apesar de não ser taxativo, o Presidente da República vai regularmente admitindo a possibilidade de se recandidatar, de uma forma cada vez mais explícita. Há que reconhecer que o mandato atual tem sido desgastante, mas altamente positivo na perspetiva dos portugueses e de Portugal. Ainda agora, no Panamá, Marcelo voltou a dizer que se Deus lhe der saúde e se não houver ninguém em melhores condições para ser o anfitrião do Papa em 2022, quando se realizarem entre nós as Jornadas Mundiais da Juventude, ele poderá ser candidato. Era desejável. E era, em certa medida, uma forma de manter pacificada a vida política e social do país nos momentos difíceis que se pressentem, dada a quase unanimidade que existe à volta do chefe de Estado. E quem melhor do que o atual Presidente para receber o Papa em nome de Portugal e dos portugueses? Haja saúde para Marcelo e para o Papa Francisco. Era bonito juntarem-se em Lisboa na maior festa católica! Mesmo quem, infelizmente, não é crente sente uma alegria enorme com o anúncio agora feito no Panamá. Ainda por cima, importa não esquecer que a ideia dos encontros da juventude ocorreu a João Paulo ii quando celebrou uma missa campal para a juventude no Parque Eduardo vii, em Lisboa, em 1982.
4. Muitas infraestruturas em Portugal estão a cair de podres ou levam anos para serem acabadas e servirem a população. Um exemplo paradigmático tem a ver com a ponte pedonal que está há longos meses inoperacional à frente do Museu dos Coches, em Lisboa. É uma espécie de ponte de Santa Engrácia. Uma vergonha e um estaleiro na zona mais turística e visitada da capital. Se é assim com uma ponte de peões, o que sucederá com o aeroporto do Montijo, que agora se torna ainda mais indispensável, depois do anúncio da realização em 2022 das jornadas católicas da juventude em Lisboa, e logo no Parque das Nações?
5. Vasco Pulido Valente regressou (certamente por pouco tempo, como acontece normalmente em tudo o que se lança na imprensa) com um diário publicado num jornal de referência. Há dias, o ilustre cronista escrevia que tinha acompanhado o conselho nacional do PSD e que não via uma razão para o partido existir. A memória, realmente, é curta. Esqueceu-se certamente que foi candidato e deputado eleito nas listas daquele partido. Claro que não há memória de nada que por lá tenha feito ou dito, tendo desaparecido em pouco tempo.
Escreve às quartas-feiras