Vejamos Barajas /Madrid, com a primeira pista asfaltada em 1944 e que tendo preservado amplas áreas de expansão foi evoluindo e conta atualmente com 4 pistas paralelas e 4 edifícios terminais. O de Lisboa, que nasceu com pistas cruzadas, que ainda hoje se mantêm e que permaneceu sempre limitado, por não se ter preservado essas áreas, ou o caso do Aeroporto da Madeira, à partida com fortes restrições territoriais, sendo que mesmo nestes casos não cessam os projetos e obras de melhoramento.
Face a esta realidade, para o desenvolvimento de um novo aeroporto, é preferível, uma vez na posse de localização bem estudada e selecionada e com um amplo plano geral de desenvolvimento, programar a sua construção por módulos faseados.
Neste conceito, a primeira fase consiste só na execução das obras que permitam a abertura de um aeroporto civil para o tráfego internacional que possa suprir as necessidades imediatas. Basicamente uma pista, caminhos de circulação, amplas zonas de estacionamento para aviões, terminal de passageiros, torre de controle, serviços aeroportuários, de alfândega e de bombeiros.
Em contínuo, deve prosseguir o trabalho de todo um corpo técnico especializado, não só na elaboração dos projetos previstos e necessários, de acordo com permanente análise de dados estatísticos de tráfego como na calendarização antecipada, da entrada em funcionamento de uma 2ª fase que poderia, conforme aconselhável, passar por aumento da capacidade do terminal de passageiros, das placas de estacionamento e dos diferentes serviços ou contemplar uma segunda pista paralela.
Esta metodologia, mantinha-se ao longo do tempo, quer para a avaliação da necessidade de arranque das novas fases quer para preparar os correspondentes projetos que poderiam, em fases muito mais avançadas, vir a consagrar aeroporto com três ou mesmo quatro pistas paralelas como há décadas possui Madrid.
De um modo geral, este conceito modular ajusta-se melhor à economia e à evolução tecnológica e da realidade do país, versus a construção de uma só vez do “grande aeroporto internacional” de concurso único, com custos gigantescos e incomportáveis em tempos de contenção e rigor. Recorde-se que em 2007, o custo estimado para a Ota, já ultrapassava os 3 mil milhões de euros.
Torna-se premente refletir sobre este conceito, quando se sabe estar mais uma vez sobre a mesa, a transformação um aeródromo militar (Base Aérea do Montijo) num aeroporto para o exigente tráfego aéreo civil.
Já tínhamos o caso do aeródromo militar da Ota (há décadas abandonado pelos militares, para a instrução e treino das operações de voo, por falta de condições orográficas e aerológicas) e que se iria transformar no novo aeroporto intercontinental sendo que as más condições orográficas, bem como geológicas e hidrográficas associadas, permaneciam e sem que houvesse capacidade de expansão para além de 2 pistas paralelas (sofrivelmente afastadas, para rentabilizá-las, ou seja permitir operações de voo por instrumentos simultâneas nas duas pistas).
Valeu então a tomada de posição de reputadas entidades e especialistas e a intervenção do ex-Presidente da República que pediu um debate aprofundado no Parlamento, o que veio a suceder.
Vejamos também o caso da Base Aérea que se iria transformar no Aeroporto Civil de Beja, mas que não tem conseguido a permanência de uma única linha aérea regular.
Os interessados e os responsáveis por estas soluções, particularmente ruinosas como esta última, não se expõem às suas responsabilidades sendo que a maior parte continua no ativo.
Nestes casos, a argumentação simplista com que é propalada a vantagem de aproveitar a utilização de uma base aérea militar, é recorrente:
Já existe um aeródromo militar, com pista, terminal, caminhos de circulação e placa de estacionamento, portanto o principal já está feito o que o torna logo à partida mais barato e mais rápido de concretizar e evita-se a difícil e ingrata tarefa da escolha de uma nova localização. Há, portanto, só que adaptar e ampliar.
Ora nenhuma realidade militar, em termos de instalações e serviços, é compatível com o transporte aéreo civil de passageiros.
A solução provisória e sob pressão do “Aeroporto Terminal do Montijo” irá obrigar à transferência de capacidades da Força Aérea, designadamente a deslocalização dos serviços de busca e salvamento, dos transportes de urgência médica e da esquadra de transportes tático-militar ali sedeados, para além de se recear a diminuição nas capacidades de luta anti-submarina.
Esta opção, pressionada pela falta de planeamento e investimento (também decorrente do resgate e da intervenção externa), é o reflexo da ausência de uma verdadeira Política Aérea Nacional, há décadas reclamada e vai desembocar neste modelo híbrido, com aumento exponencial do congestionamento do espaço aéreo e do controle da navegação aérea nas aproximações e descolagens na Portela e no Montijo e obrigar ao fecho da pista secundária 17-35 do Aeroporto de Lisboa, utilizada nas operações de voo com fortes ventos de nortada, como geralmente acontece no pino do Verão.
Grave é a plena invasão com grandes aviões de passageiros, a intervalos de alguns minutos, com sobrevoo a baixa altitude das zonas da Reserva Nacional do Tejo e consequente aumento do ruído sobre importantes aglomerados populacionais e potencialmente destruidor do refúgio, nidificação e rotas migratórias(nos dois sentidos), entre países da Europa desde a Escandinávia e de África, das tão numerosas colónias de aves assim como do não negligenciável aumento de risco de colisão em voo (lembremo-nos do “milagre na Baía do Hudson, Nova York em 2009).
As deslocalizações a que seria forçada a Força Aérea, somadas às demolições necessárias, à construção de novos terminais e serviços e eventual criação de aterros sobre o estuário para prolongamento das pistas, assim como as novas e complexas redes de acessos necessários, poderá contribuir (mas só no curto prazo) para proporcionar alguma dinamização no setor dos gabinetes de projetos e da construção civil ou mesmo aumento de emprego, mas nada semeará de sólido e duradouro, dificultando assim as tarefas do futuro.
Há que comparar os custos ambientais e financeiros desta solução de recurso, com os da solução baseada na metodologia modular, que dê início à construção de uma primeira fase aeroportuária dando resposta a tráfego equivalente e que não obrigue a deslocalizações, para além das que já estivessem anteriormente programadas pelas Forças Armadas.
Será sempre preferível consolidar a localização numa planície com capacidade de expansão, como a de Alcochete, amplamente estudada, decidida e prevista como alternativa à Ota (praticamente sem expropriações, boas condições orográficas, hidrológicas e geotécnicas) a entrar-se em nova deriva que, por não planeada com antecedência, irá certamente resultar nas tão bem conhecidas derrapagens e enormes custos de trabalhos a mais, por não previstos.
Havia sim que redobrar esforços para alargar os limites da capacidade da Portela e ao mesmo tempo negociar o cofinanciamento europeu para a construção de uma 1ª fase aeroportuária em Alcochete dentro do Quadro Comunitário de Apoio.
Para o estudo aprofundado da alternativa Alcochete, bem como para a sua discussão pública, deram contributo entidades vocacionadas e de grande prestígio como a Sociedade Nacional de Geografia, o Instituto Superior Técnico ou o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
É importante dar novamente atenção a estas e outras entidades e auscultar as opiniões de atuais ou anteriores Diretores do LNEC ou da Ordem dos Engenheiros como o Engº Matias Ramos que, em declarações de 27/01/2018 ao DN, aponta para um esgotamento da solução Portela+ Montijo mais rapidamente do que previsto e dando-lhe um tempo de vida útil, após a conclusão das obras em 2022 ou 2023, de 12 a 13 anos.
Ouvir ainda outros especialistas para a área como o Engº José Manuel Viegas (em 2012 designado para Secretário Geral do International Transport Forum da OCDE), ou estudiosos das grandes questões estruturais, como por exemplo, os ex-ministros Daniel Bessa, Mira Amaral e Augusto Mateus.
Tem-se plena consciência que o tempo que vivemos, é pouco propício à discussão das matérias verdadeiramente estruturais como a aeroportuária, pelo que só com o contributo dos média a sua análise e escrutínio é possível.
O Ministro do Planeamento e Infraestruturas já tinha declarado à Imprensa, há cerca de um ano, que a decisão “deixou de ser urgente e transformou-se numa emergência” mas ainda não foi capaz de diligenciar a mais que necessária Avaliação Ambiental Estratégica que compare os impactos totais entre a opção Montijo e as alternativas que incluem Alcochete.
Tenhamos esperança que o Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, muito atento a todas as realidades, tenha não só uma palavra a dizer, mas que possa usar das suas prerrogativas e do poder de influência que alcançou, para não deixar que se venha a cometer eventual erro que desbarate os nossos escassos recursos, degrade profundamente o nosso ambiente e mais nos afaste do tão necessário e propalado ordenamento do território.
Geólogo de engenharia, ex-técnico superior da Direção-Geral de Aviação Civil e da ANA