2019, o princípio do fim da ilusão?


António Costa tem consciência de que não tem condições de manter, por muito mais tempo, essa capacidade de alimentar a ilusão com que nos tem gerido


Entrámos no último ano da segunda década do século XXI. E se a primeira foi perdida, a que se aproxima anuncia um novo tempo, um tempo perigoso, estranho, e que poderá ser muito injusto. Em especial para os mais fragilizados socialmente.

Fomos sendo anestesiados para viver docemente num país que tem uma vertigem pela ilusão. Mas, como sempre acontece, as ilusões um dia acabam-se. E quando acabam, os resultados são pesados, duros, dramáticos. Para todos, mas infelizmente menos para os ilusionistas do que para os iludidos.

António Costa tem consciência de que não tem condições de manter, por muito mais tempo, essa capacidade de alimentar a ilusão com que nos tem gerido. Sabe que não é possível aumentar mais a carga fiscal, tirando nos impostos mais do que o poucochinho que foi repondo a alguns. Sabe que não pode continuar a aumentar a dívida. Sabe que não há mais espaço para desinvestir porque, na verdade, se o investimento é nulo, não é possível baixar mais do que isso.

Sabe que não consegue comprometer mais o futuro empurrando despesa para baixo do tapete. Sabe que os sistemas públicos não aguentam mais esta política de ilusão. O Serviço Nacional de Saúde já nem consegue afirmar-se como Serviço Nacional da Doença. A Escola Pública promove cada vez mais uma fratura social. Na Justiça, apenas quem tem recursos – seus ou dos outros – é que consegue ir passando entre os pingos da chuva. As infraestruturas básicas carecem de manutenção e mesmo os anúncios repetidos de que o investimento vai ser realizado – com fundos comunitários, claros está – apontam-no só lá para depois de 2030.

António Costa sabe que a sua capacidade de alimentar a ilusão aproxima-se do fim à mesma velocidade que a impaciência se vai apoderando dos portugueses. Ao contrário do que dizia Santana Lopes, António Costa vive no mesmo país que ele, que eu e que muitos portugueses. Tem é uma relação difícil com a realidade apesar da capacidade, e, diria mesmo, a competência, de nos criar ilusões.

Afinal já não há mais vida para além do défice e a boa moeda já se excita com crescimentos económicos pouco acima de uns míseros 1%.

Se a todo este cenário nacional juntarmos as negras nuvens no cenário internacional, percebemos como serão conturbados os próximos tempos. A influência norte-americana, por via da gestão da Administração Trump, vai continuar a incrementar os níveis de incerteza. A recente subida das taxas de juro da Reserva Federal é já um sintoma evidente da doença instalada na (ainda) superpotência liderante que se entretém tristemente a criar cada vez mais obstáculos ao comércio internacional, a políticas de fechamento e à inversão da política externa para pior no estilo de relacionamento com os aliados.

Em termos regionais, a Europa só vem acrescentando preocupações inquietantes. O Brexit, o populismo crescente, o radicalismo da extrema-direita a juntar-se ao de extrema-esquerda. Nada que augure grande futuro a uma Europa a caminho da desagregação e do cada vez mais que provável cenário da criação de vários sistemas de “uniões europeias”. Estão instalados os motores da desordem mundial.

Com estes cenários em cima da mesa, é para mim cada vez mais claro que António Costa, na impossibilidade de continuar a alimentar a ilusão dos portugueses, e independentemente de ter ou não maioria absoluta e de ser ou não o mais votado, irá fazer tudo para ter a extrema-esquerda alinhada com o objetivo de garantir uma maioria presidencial em Janeiro de 2021, atendendo à mais que provável não recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Assim, António Costa não teria que enfrentar a crise que se avizinha e que terá um impacto negativo muito superior à crise anterior, também responsabilidade do Partido Socialista, e que colocará a nu a forma irresponsável como Portugal tem sido governado.

A partir daqui será interessante saber quem será o Primeiro-Ministro lá para Outubro de 2020, altura em que António Costa deve apresentar a sua candidatura presidencial. Como é evidente, isto faz-nos olhar para uma questão decisiva para a estabilidade política do país e com fortíssimo impacto (presente e futuro) ao nível das dinâmicas governativas. Será muito interessante acompanhar todas estas movimentações.

Tenho para mim que a escolha recairá num de três nomes: Carlos César, Augusto Santos Silva (o mais provável) ou Fernando Medina (o menos provável). Certo é que uma grande convulsão se avizinha no PS. Parece-me inevitável.

O que nos leva a outra questão decisiva. No curto prazo, teremos os dois maiores partidos portugueses completamente desnorteados e a consumirem-se em lutas internas pelo poder, abrindo cada vez mais espaço aos populismos e radicalismos de extrema-direita e de extrema-esquerda.

Sou um otimista militante – caso contrário não seria presidente de Câmara. Mas esta análise que faço dos tempos que aí vêm faz-me reforçar a necessidade de aparecerem novas lideranças e novas políticas assentes em modelos estratégicos disruptivos em relação ao situacionismo imobilista a que temos assistido. É para isso que me preparo todos os dias, ao nível das responsabilidades que me foram confiadas, que tenho e que quero ter, autárquicas e em Cascais.

Mesmo com as nuvens negras no nosso horizonte, faço votos de um 2019 o melhor possível. E, acima de tudo, com saúde para todos.

Escreve à quarta-feira