A carga fiscal insustentável


Em Portugal, há muito que se está a atingir o limite do suportável em matériafiscal, mas o governo não parece disposto a arrepiar caminho e a oposição mostra-se incapaz de defender os cidadãos contra o aumento de impostos


Há bastante tempo que, nos países europeus, a carga fiscal atingiu valores absolutamente incomportáveis, mas os governos insistem em entrar cada vez mais numa deriva despesista, em ordem a satisfazer as suas clientelas políticas através dos tributos.

Assim, depois de terem aumentado os impostos sobre o rendimento até valores insustentáveis e de ainda terem decidido tributar o que sobrou aos cidadãos nos impostos sobre o património, os governos europeus fazem deslocar agora a incidência fiscal cada vez mais para os impostos indirectos e para as taxas, esperando conseguir por essa via alguma anestesia fiscal que leve os cidadãos a não perceberem que grande parte dos seus consumos básicos consiste em impostos e que os serviços públicos lhes levam taxas por serviços inexistentes.

Em virtude dessa anestesia fiscal, a maior parte das vezes, os cidadãos não reagem à cada vez maior carga tributária que suportam, mas há momentos em que a sua paciência cessa, o que normalmente leva à queda dos governos que lançam essas medidas fiscais. Curiosamente, isso costuma acontecer até devido a novas tributações com pouco peso no conjunto do sistema fiscal, mas cujo lançamento ou aumento corresponde à gota de água que faz transbordar o copo. No Reino Unido, em 1990, a sra. Thatcher foi derrubada do cargo de primeira-ministra devido à forte contestação que motivou o imposto “poll tax”, que decidiu lançar para sustentar as autarquias. Em Portugal, em 1994, o bloqueio da Ponte 25 de Abril, como reacção à subida das portagens em 50%, levou a que Cavaco Silva não voltasse a candidatar-se a primeiro-ministro. Passos Coelho só não caiu em 2012, depois da sua absurda iniciativa de aumento da TSU, porque decidiu recuar na medida, face aos gigantescos protestos que encheram as ruas do país.

Em França ocorre neste momento um protesto semelhante com o movimento dos “coletes amarelos”, que está a encher as ruas e as estradas. O protesto surge perante mais um aumento dos combustíveis, numa altura em que o preço do petróleo desce, graças à sucessiva elevação dos impostos. Não é de estranhar que esse movimento surja em França, que é considerada um dos países com maior pressão fiscal do mundo e onde em todos os orçamentos se anuncia o aumento da tributação. Há por isso, naturalmente, um momento em que a paciência dos cidadãos se esgota e é isto que o movimento dos coletes amarelos em França significa.

Em Portugal, há muito tempo que também se está a atingir o limite do suportável em matéria fiscal, mas o governo não parece disposto a arrepiar caminho e a oposição mostra-se incapaz de defender os cidadãos contra o aumento de impostos.

É assim que os escalões do IRS não vão ser actualizados de acordo com a inflação, levando a que todos os portugueses paguem mais imposto no próximo ano.

Foi assim que, depois de o Tribunal Constitucional ter chumbado a absurda tentativa de várias câmaras de cobrar taxas de protecção civil por serviços que nunca prestaram, o governo tentou no Orçamento do Estado apresentar uma proposta de criação de uma contribuição para o mesmo fim. Ao que parece, essa proposta vai ser rejeitada, mas os próprios partidos da oposição apresentaram outras propostas para aumentar a carga fiscal. O PSD apareceu com uma proposta para aumentar as mais-valias pela venda dos imóveis no caso em que eles são possuídos por menos tempo, como se o Estado tivesse alguma coisa a ver com o momento em que os cidadãos decidem alienar a sua propriedade.

E foi assim que os impostos sobre os combustíveis e sobre a electricidade continuam em montante insustentável para os cidadãos, sem qualquer perspectiva de serem reduzidos. Quando lhe falaram em reduzir a tributação sobre a electricidade, o ministro do Ambiente brincou com os cidadãos, recomendando-lhes que reduzissem a potência das suas casas.

Mas, perante mais um Orçamento que aumenta brutalmente a carga fiscal, o que o país político e a comunicação social discutem é a taxa de IVA que vai ser aplicada às touradas. Em breve, os cidadãos vão perceber que eles é que andaram a ser toureados com este Orçamento.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990