Os pecados capitais de Cavaco Silva


Não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é uma das figuras mais execradas pela esquerda portuguesa. Seja pelo estilo autoritário que caracterizou os seus mandatos, pelo lado provinciano, pela forma como come bolo-rei ou pelas derrotas que impôs aos seus adversários políticos, Cavaco tornou-se uma espécie de “besta negra” para muitos, em particular para…


Não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é uma das figuras mais execradas pela esquerda portuguesa. Seja pelo estilo autoritário que caracterizou os seus mandatos, pelo lado provinciano, pela forma como come bolo-rei ou pelas derrotas que impôs aos seus adversários políticos, Cavaco tornou-se uma espécie de “besta negra” para muitos, em particular para a família socialista. Que não perde uma ocasião para o atacar ou apoucar.

Como já se previa, o lançamento do segundo volume de memórias do ex-Presidente, “Quinta-feira e Outros Dias”, constituiu um pretexto perfeito para uma nova ronda de apupos. Carlos César deu o mote, seguindo-se-lhe uma série de outros ataques, numa lógica de matilha.

Dos vários comentários que li ou ouvi, retive este de Edite Estrela: “É inaceitável revelar conversas privadas quando ainda passou tão pouco tempo”. António Costa disse algo parecido: “Todas as conversas que mantive com o atual Presidente da República, com o anterior Presidente da República e as que venha a manter com futuros Presidentes da República com quem venha a trabalhar, serão conversas a dois, exclusivamente a dois, e nunca com mais alguém”, tentando assim mostrar a sua superioridade moral.

Ora, é evidente que um livro de memórias ou uma autobiografia não podem cingir-se às declarações públicas ou aos discursos oficiais – têm de oferecer uma janela para os bastidores que ajude a explicar o porquê das decisões e dos acontecimentos. Não é isso que têm feito estadistas, diplomatas, políticos e líderes de movimentos dos direitos civis um pouco por todo o mundo quando deixam o seu testemunho para a posteridade?

Pode naturalmente questionar-se a legitimidade de revelar conversas privadas, mas essa discussão assenta num equívoco: mesmo que aconteçam em privado, as conversas entre um Presidente e outros altos responsáveis políticos não versam sobre assuntos privados. Cavaco não falou com Sócrates, Passos ou Costa sobre a sua esfera pessoal ou íntima. Falaram sobre assuntos de Estado, com relevo para os destinos da nação, e que dizem respeito a todos os portugueses.
Por último, Cavaco cometeu, na opinião dos críticos, o pecado capital de emitir a sua opinião sobre outros protagonistas. É bizarro que isso tenha suscitado tanta indignação – Mário Soares, por exemplo, não disse sempre o que lhe ia na cabeça?

No meio desta polémica, só subsiste uma dúvida: se o problema de César e dos seus sequazes é apenas com Cavaco ou se pura e simplesmente convivem mal com a opinião alheia.
 


Os pecados capitais de Cavaco Silva


Não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é uma das figuras mais execradas pela esquerda portuguesa. Seja pelo estilo autoritário que caracterizou os seus mandatos, pelo lado provinciano, pela forma como come bolo-rei ou pelas derrotas que impôs aos seus adversários políticos, Cavaco tornou-se uma espécie de “besta negra” para muitos, em particular para…


Não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é uma das figuras mais execradas pela esquerda portuguesa. Seja pelo estilo autoritário que caracterizou os seus mandatos, pelo lado provinciano, pela forma como come bolo-rei ou pelas derrotas que impôs aos seus adversários políticos, Cavaco tornou-se uma espécie de “besta negra” para muitos, em particular para a família socialista. Que não perde uma ocasião para o atacar ou apoucar.

Como já se previa, o lançamento do segundo volume de memórias do ex-Presidente, “Quinta-feira e Outros Dias”, constituiu um pretexto perfeito para uma nova ronda de apupos. Carlos César deu o mote, seguindo-se-lhe uma série de outros ataques, numa lógica de matilha.

Dos vários comentários que li ou ouvi, retive este de Edite Estrela: “É inaceitável revelar conversas privadas quando ainda passou tão pouco tempo”. António Costa disse algo parecido: “Todas as conversas que mantive com o atual Presidente da República, com o anterior Presidente da República e as que venha a manter com futuros Presidentes da República com quem venha a trabalhar, serão conversas a dois, exclusivamente a dois, e nunca com mais alguém”, tentando assim mostrar a sua superioridade moral.

Ora, é evidente que um livro de memórias ou uma autobiografia não podem cingir-se às declarações públicas ou aos discursos oficiais – têm de oferecer uma janela para os bastidores que ajude a explicar o porquê das decisões e dos acontecimentos. Não é isso que têm feito estadistas, diplomatas, políticos e líderes de movimentos dos direitos civis um pouco por todo o mundo quando deixam o seu testemunho para a posteridade?

Pode naturalmente questionar-se a legitimidade de revelar conversas privadas, mas essa discussão assenta num equívoco: mesmo que aconteçam em privado, as conversas entre um Presidente e outros altos responsáveis políticos não versam sobre assuntos privados. Cavaco não falou com Sócrates, Passos ou Costa sobre a sua esfera pessoal ou íntima. Falaram sobre assuntos de Estado, com relevo para os destinos da nação, e que dizem respeito a todos os portugueses.
Por último, Cavaco cometeu, na opinião dos críticos, o pecado capital de emitir a sua opinião sobre outros protagonistas. É bizarro que isso tenha suscitado tanta indignação – Mário Soares, por exemplo, não disse sempre o que lhe ia na cabeça?

No meio desta polémica, só subsiste uma dúvida: se o problema de César e dos seus sequazes é apenas com Cavaco ou se pura e simplesmente convivem mal com a opinião alheia.