O Governo do sim, do não, e do antes pelo contrário


O anúncio deixou os cerca de 300 funcionários do INFARMED em estado de choque. Rapidamente organizaram um plenário onde 97% se manifestaram contra a deslocação para o Porto


“Raros são aqueles que decidem após madura reflexão; os outros andam ao sabor das ondas, e longe de se conduzirem deixam-se levar pelos primeiros.”

Séneca

Vou tentar contar esta história da deslocação frustrada da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde – INFARMED, para o Porto, de uma forma que faça sentido, mas acho que não vou conseguir.

No final de novembro do ano passado, o governo anunciou que o INFARMED iria ser transferido para o Porto, numa espécie de prémio de consolação pelo facto de a cidade ter perdido a candidatura para receber a sede da Agência Europeia do Medicamento. A decisão era inabalável, tomada em Conselho de Ministros e com data marcada: 1 de janeiro de 2019.

O primeiro-ministro, António Costa, desmentiu mesmo a ideia de contrapartida pela perda da Agência Europeia. “A decisão já estava tomada”- afirmou na altura.

Como era de prever, o anúncio deixou os cerca de 300 funcionários do INFARMED em estado de choque. Rapidamente organizaram um plenário onde 97% se manifestaram contra a deslocação para o Porto.

O governo nomeou depois um grupo de trabalho, composto por 27 – vinte e sete – especialistas da área farmacêutica, para avaliar “os cenários alternativos para a deslocalização do INFARMED para a cidade do Porto”. O grupo anunciou, cerca de seis meses depois, em Junho deste ano, conclusões que apontavam para a viabilidade da decisão governamental.

“O INFARMED pode ganhar se for para o Porto”, garantia o grupo de trabalho, que vislumbrava também na decisão ganhos em eficiência e produtividade. 

Registe-se a sequência: o governo decide, anuncia e, posteriormente, avalia o impacto da decisão.  

Seguiram-se meses de algumas hesitações em declarações do ministro da saúde, mas tudo parecia apontar para a transferência.

Na passada sexta-feira, o ministro Adalberto Campos Fernandes anunciou no parlamento a suspensão do processo de transferência.

Argumento: “O contexto político mudou porque se abriu um diálogo nacional sobre a importância da descentralização dos serviços públicos”.

Perceberam?

Agora, o governo aguarda o parecer de mais uma comissão, a da descentralização, que nem sequer começou a trabalhar.

Pergunto: 

Qual a base com que foi tomada a decisão de transferir o INFARMED para o Porto?  

Quanto custou o grupo de trabalho dos 27 especialistas?

Mais importante ainda: Alguém percebeu o que se passou?

Eu também não.

 

Jornalista