The day after: ufa, que alívio!


A respeito do tema PGR, parecia que vinha aí o fim do mundo, e que o tema era de trombetas, lágrimas, gritos, desespero, chamas e devastação; que exagero e, nalguns casos, que ridículo


Quem faz – se alguém faz – o favor de me ler já sabe que, entre o mais, gosto muito de cinema. Lá pelos tempos da minha tenra adolescência, houve um filme (ou telefime) chamado “The Day After”, que versava sobre o horror e a devastação após um ataque nuclear. Pois bem, nas últimas semanas revivi, em antecipação aterrorizada, cenas desse filme, nas várias (muitas, tantas) vezes que ouvi ou li considerações, opiniões, proclamações, intenções, visões ou premonições sobre a questão da PGR. Que Diabo, parecia que vinha aí o fim do mundo, e que o tema era de trombetas, lágrimas, gritos, desespero, chamas e devastação. Que exagero, Deus meu, e nalguns casos – peço desculpa – que ridículo. É importante o tema? Claro que é. Penso eu bem da ainda senhora PGR? Penso sim, aliás muito bem, pessoal e profissionalmente. E fez bem o mandato e a função, em geral? Também penso que sim. Mas daí até ao drama apocalíptico que se criou sobre o tema vai a mesma distância que separa Lisboa de Samarcanda, e a gritaria e a inflamação sobre isto revelam, entre o mais (e há bem mais), três coisas negativas, e que, como cidadão e (digamos) “operador judiciário”, me desgostam, e que não são de agora, mas que vêm em crescendo.

Primeiro, a alegada politização da justiça é principalmente culpa dos políticos, especialmente dos que têm vistas curtas, dos que usam processos e temas judiciários como arma de luta – pequenina – política e/ou, também, dos que, há tempos que fingem já não recordar (especialmente os que deixaram a arena da política todo-o-terreno para as alcatifas das conversas em família e outras), inauguraram a moda de recorrer aos processos e aos temas de justiça para o combate no ringue da política paroquial, regional ou nacional. Depois queixem-se, especialmente quando o boomerang volta ou a pedrinha acerta na vidraça! Segundo, os meios de comunicação social (uma grande maioria, e desculpem-me os injustamente apanhados na generalização) vivem cada vez mais do empolamento, da dramatização, da polémica, cultivando até à náusea muitas vezes o pathos associado ao terreno judiciário. Terceiro, o cargo de PGR é importante, sem dúvida, bastante, e a sua escolha igualmente, mas, perdoem-me os crentes

– e eu perdoo, também, os que me queiram apodar de ingénuo ou de cínico, o que aliás será frequente e entra-me por um ouvido, quando chega a entrar, e sai logo pelo outro –, PGR e MP não se confundem, e muito menos PGR e sistema de Justiça na sua globalidade se confundem. Aliás, essa coisa muito em voga, na sociedade atual, de concentrar as atenções todas em pessoas e em funções, e menos em ideias, sistemas, projetos e arquiteturas, é um mal dos tempos que vai acabar por ser uma das causas da decadência do modo de vida que levámos pelo menos dois séculos e meio a construir. Acho eu, e temo. Mas pronto, para já o mundo não acabou, como parecia, e hoje, estando já resolvido o tema da PGR, o cenário ainda não é o apocalíptico da cidade do Kansas do filme do começo da minha adolescência. Ufa, que alívio!

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira