35 anos para libertar um segredo


Há dois aspetos perturbadores em tudo isto. O primeiro é que o episódio se terá passado em 1982 e só agora, 35 anos volvidos, quando Kavanaugh ganhou grande protagonismo, Ford decidiu trazê-lo para a praça pública. O segundo é que muitos dos manifestantes que dizem acreditar piamente em Ford o fazem não por terem dados…


A democracia nos Estados Unidos está a viver tempos perigosos – e não é só por causa de Donald Trump ter chegado à Casa Branca. Tomemos o caso de Brett Kavanaugh, apontado pelo presidente para ocupar um lugar vago no Supremo Tribunal dos EUA. A nomeação prometia ser polémica em qualquer caso, uma vez que Kavanaugh é um católico conservador que adotou posições anti-aborto e escreveu um relatório para o Congresso em que pedia a destituição de Bill Clinton na sequência do seu caso com Monica Lewinski.

Agora é o próprio Kavanaugh que está envolvido num escândalo sexual: há dias foi acusado de ter tentado violar uma colega numa festa quando era um estudante de 17 anos. Como é habitual por aquelas bandas, mobilizou-se de imediato uma campanha. Esta segunda-feira, centenas de pessoas que nada têm a ver com o caso manifestaram-se contra o juiz num edifício do capitólio em Washington D.C. empunhando cartazes com palavras de ordem como: ‘Stop Kavanaugh’ ou ‘Eu acredito em Christine Blasey Ford’ (o nome da acusadora).

Há dois aspetos perturbadores em tudo isto. O primeiro é que o episódio se terá passado em 1982 e só agora, 35 anos volvidos, quando Kavanaugh ganhou grande protagonismo, Ford decidiu trazê-lo para a praça pública. O segundo é que muitos dos manifestantes que dizem acreditar piamente em Ford o fazem não por terem dados que sustentem essa versão mas por causa das suas convicções ideológicas, ou seja, pura e simplesmente não querem que Kavanaugh ocupe o lugar no Supremo.

Admito que o juiz possa ser um crápula. Já se tentou ou não violar a estudante tenho as maiores dúvidas. Olhando para o contexto – adolescentes de férias, com uma casa por sua conta, organizam uma festa – parece-me outra coisa… E isto eu sei: alguém que guarda segredo de uma coisa e tenta usá-la 35 anos depois para influenciar uma decisão política não merece muita confiança.