Há flamingos no Tejo, levem binóculos


Como se deixa um polo de animação ambiental ficar com um ar abandonado e rodeado de lixo? Que pena, Alcochete


É uma tarde de sábado, passa pouco das 17 horas e vamos à procura de um lugar para fazer um piquenique. Quase a chegar a Alcochete, uma vila encantadora onde gostava de viver, fico impressionada: sabia que os flamingos costumam passar umas temporadas no estuário do Tejo, mas ver, ao longe no rio, uma enorme mancha rosada – vê-se da estrada aí a 800 metros da água – dá uma dimensão diferente deste habitat tão perto de Lisboa, tão pouco conhecido, tão pouco divulgado numa capital em alta no mapa-mundo do turismo e onde as últimas atrações são apartamentos de Airbnb, restaurantes, experiências do tipo escape room e museus de gomas.

Pesquiso no Google pelo melhor local para observação de aves ali perto e, aparentemente, não há que enganar: Polo de Animação Ambiental do Sítio das Hortas. Seguimos as indicações e viramos na estrada de terra batida à direita. Há uma carrinha a vender vegetais, um pastor com cabras e ovelhas mas, de resto, o caminho parece levar a lugar nenhum. Sem saber bem se estamos perdidos, lá chegamos ao Sítio das Hortas à espera de conseguir ver melhor os flamingos, de ficar a saber mais e de encontrar o sítio perfeito para o piquenique de fim de tarde em família.

As informações na internet deixavam as expetativas em alta para quem gosta de manter o contacto com a natureza: os flamingos, embora estejam a maior distância, podem ser vistos todo o ano, mas há muito mais espécies. Mais: o Polo de Animação Ambiental do Sítio das Hortas, segundo o site da câmara, é um espaço dedicado à educação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. “Os visitantes têm ao seu dispor um núcleo de apoio às atividades de animação ambiental, constituído por um posto de informação, uma sala de exposições, um centro de documentação técnica, uma plataforma de observação de aves, uma sala de projeção, palestras e oficinas, um laboratório de apoio à investigação e um parque de merendas…” Bom… até podia ser assim quando abriu, mas o cenário, hoje, é desolador. O parque parece simplesmente abandonado, há lixo por todo o lado, não se vê quase ninguém – apenas um grupo parece não se demover e aproveita a tarde de sábado para relaxar. A música popular de leste que lhes sai do rádio é a única coisa que dá vida ao lugar.

A casa onde teoricamente se faz a educação ambiental está fechada, com as janelas tapadas. Não diz se costuma abrir ou quando. Não sei quem pensa os horários, mas um sábado na reta final do verão não me parecia um mau dia para estarem abertos. Uma placa enferrujada junto à porta exibe as honras do costume: “Inaugurado a 7 de fevereiro de 2008 pelos Exmos. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Alcochete, Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, na presença de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ambiente”. Excelências que, dez anos depois, tiveram sucessores, e tanto uns como outros deviam ter vergonha de deixar um polo de animação ambiental em pleno séc. xxi representar precisamente o contrário daquilo que deveria ser.

Depois de o piquenique com duas crianças pequenas ficar fora de questão, caminhamos até à beira da água. Há uma estrutura de madeira com ar de que seria usada para observar as aves. Afinal, não é uma mancha de flamingos mas duas – no ano passado, o número de flamingos no Tejo, avistados pela primeira vez nos anos 80, bateu recordes. Sem binóculos não dá para os ver bem. Ainda tentámos a sorte com dois locais que passam, mas nenhum trouxe os seus. Quando costuma abrir o polo de animação ambiental?, indagamos. Respondem com um sorriso de quem não tem ilusões de como funciona o país. A última vez que se lembram de o espaço estar aberto foi na primavera, para acolher peregrinos de Fátima. Menos mal, mas é isto que um país desenvolvido quer como cartão-de-visita de uma reserva natural, “reconhecida internacionalmente como uma das zonas húmidas mais importantes da Europa, que alberga anualmente mais de 100 mil aves”? Estou a citar do placard perdido debaixo de uma árvore e que dá as únicas informações a quem chega. Que pena, Alcochete.

 

P.S. Talvez o interesse renovado na vila entusiasme os responsáveis. A pouca distância do polo, uns cartazes sinalizam o lugar onde vai ser construído um condomínio privado cheio de estilo, com apartamentos T2 a partir de 345 mil euros. No centro (ainda) calmo, recuperam-se casas antigas. Se o lado ambiental não pareceu suficientemente apelativo, aproveitem o embalo imobiliário. Flamingos e cestas de piquenique? Mais trendy não há.

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira