Portugal e as bitolas


Entre a bitola do chico-esperto que procura contornar as regras ou gerar expectativas além da realidade e a bitola do burocrata agarrado à filha de Excel, há uma margem de manobra para que as coisas sejam feitas com rigor e sustentabilidade


Enquanto se adensa um certo frenesim populista-eleitoral, entre os jugulares interesses expressos à mesa do orçamento e as derivas de convergência com os atos eleitorais colocados no horizonte de 2019, continuamos a assistir a um exteriorizar de bitolas que se vão tornado referências para futuro.

Já nem se fala da bitola de um certo facilitismo que parece povoar o discurso político como se, no quadro de referência em que laboramos na Europa e nos compromissos internacionais, os recursos fossem infinitos e o crescimento da economia viabilizasse de forma sustentável soluções expansionistas. Um discurso político embrenhado em caminhos pouco lineares entre reivindicações orçamentais, lançamentos de ideias para ver se pegam e meias palavras que geram expectativas no eleitorado. Incorre-se no mesmo erro que gerou as expectativas dos professores na contabilização integral do tempo de carreira congelado pela austeridade passada, na sequência de um exercício parlamentar em que a ligeireza ou o engodo político foram manifestos.

Num tempo de frenesim, precisavam-se de estabilizadores, mas temos uma miríade de catalisadores. Uns que defendem agora o contrário do que fizeram no passado, outros que reivindicam agora todos os passivos frustados ao longo dos anos e depois os que procuram surfar a onda da sobrevivência política, com redobrada ambição gerada pelo exercício da solução governativa e pela fragilidade das alternativas. 

Faz algum sentido o PSD verberar alegados desvios de metade dos 50 milhões do Fundo Solidário Europeu destinados aos territórios vítimas dos incêndios de 2018 para a GNR e para a Proteção Civil, quando o governo PSD/CDS desviou verbas do Fundo de Garantia Automóvel, resultante das Cartas Verdes de quem paga seguros, destinadas à promoção da prevenção e segurança rodoviária para a aquisição de viaturas para a GNR e a PSP?

Faz algum sentido ampliar a acessibilidade dos cidadãos a serviços públicos sem cuidar de apurar a capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos, de forma coerente, integrada e sustentável para superar os funcionamentos em pré-ruptura, aos solavancos e outras expressões de disfuncionalidade do funcionamento do Estado e da sociedade? Será assim na saúde, na educação como nos transportes públicos, agora tão em ponto de mira dos azimutes políticos e mediático.

Num país em que o turismo tem sustentado boa parte dos impulsos económicos que possibilitam a criação de emprego e as folgas orçamentais, fará algum sentido que enquanto se idolatra a presença de personalidades famosas do mundo do espetáculo nas nossas cidades ou se lançam ideias para reverter a emigração a toque de troika, um parceiro da solução de governo queira desestabilizar soluções que asseguram a fixação de cidadãos não nacionais em território luso?

A par de um certo frenesim populista-eleitoral, cresce a perceção de uma falta de senso no exercício político, mediático e institucional. Parece haver demasiada leviandade e isso estabelece nova bitolas para futuro. É assim quando o Presidente da República assume um nível de exposição e proximidade que não é sustentável ou quando o Comissário Europeu Carlos Moedas participa na Universidade de Verão do PSD e numa profusão de eventos em Portugal que desvirtuam o estatuto de membro da Comissão Europeia. Embora haja um Comissário por cada país da União Europeia, a missão dos Comissários é defender os interesses da UE no seu conjunto e não os interesses nacionais.

A definição de bitolas com ligeireza só pode gerar desregulação e frustrações por ser evidente que fasquias muito elevadas não são razoáveis porque os recursos são finitos e devem ser usados com sentido de sustentabilidade e de futuro.

Entre a bitola do chico-esperto que procura contornar as regras ou gerar expectativas além da realidade e a bitola do burocrata agarrado à folha de Excel, há toda uma margem de manobra para que as coisas sejam feitas com rigor, explicação, integração e sustentabilidade. Haver senso na bitola já ajudava a que o frenesim político, mediático e social não se apoderasse da nação.

Será pedir demais?

 

NOTAS FINAIS

Funil. Se é uma evidência o estado a que chegaram determinados serviços públicos como a saúde, o ferroviário, as infraestruturas ou a segurança, em boa parte devido a passivos acumulados e desinvestimentos sucessivos, por que razão não foram realizados os trabalhos de casa para que, quando houvesse vontade política e/ou disponibilidade financeira, os procedimentos de aquisição fossem concretizados no menor tempo possível ou a tempo de superar as ruturas? 

Banda Larga. O território nacional que é um dos mais seguros do mundo, apesar da falta de investimento sustentado nos recursos humanos e materiais das forças de segurança, mas é o terceiro da União Europeia com mais vítimas de cibercrime. A criminalidade desmaterializou-se, a resposta do Estado e da sociedade não acompanhou o risco dessa dinâmica.

Banda Estreita. O processo de designação do(a) titular do cargo de Procurador(a) Geral da República ameaça ser um exercício crucial da definição da bitola da relação institucional entre o primeiro-ministro e o Presidente da República para o que resta dos mandatos.

Beco. Pode parecer bater no ceguinho, mas a liderança de mais um dos D. Sebastiões da política portuguesa esfuma-se a cada dia que passa, por inabilidade própria e força das circunstâncias que não consegue moldar. É que nem o papel de sonso ou moralizador tem nexo com os telhados de vidro da respetiva experiência autárquica.

Esquina. Em rota de convergência para as eleições, um concurso para duas posições na TDT tem sempre um efeito soporífero dos humores mediáticos. 

 

Escreve à quinta-feira


Portugal e as bitolas


Entre a bitola do chico-esperto que procura contornar as regras ou gerar expectativas além da realidade e a bitola do burocrata agarrado à filha de Excel, há uma margem de manobra para que as coisas sejam feitas com rigor e sustentabilidade


Enquanto se adensa um certo frenesim populista-eleitoral, entre os jugulares interesses expressos à mesa do orçamento e as derivas de convergência com os atos eleitorais colocados no horizonte de 2019, continuamos a assistir a um exteriorizar de bitolas que se vão tornado referências para futuro.

Já nem se fala da bitola de um certo facilitismo que parece povoar o discurso político como se, no quadro de referência em que laboramos na Europa e nos compromissos internacionais, os recursos fossem infinitos e o crescimento da economia viabilizasse de forma sustentável soluções expansionistas. Um discurso político embrenhado em caminhos pouco lineares entre reivindicações orçamentais, lançamentos de ideias para ver se pegam e meias palavras que geram expectativas no eleitorado. Incorre-se no mesmo erro que gerou as expectativas dos professores na contabilização integral do tempo de carreira congelado pela austeridade passada, na sequência de um exercício parlamentar em que a ligeireza ou o engodo político foram manifestos.

Num tempo de frenesim, precisavam-se de estabilizadores, mas temos uma miríade de catalisadores. Uns que defendem agora o contrário do que fizeram no passado, outros que reivindicam agora todos os passivos frustados ao longo dos anos e depois os que procuram surfar a onda da sobrevivência política, com redobrada ambição gerada pelo exercício da solução governativa e pela fragilidade das alternativas. 

Faz algum sentido o PSD verberar alegados desvios de metade dos 50 milhões do Fundo Solidário Europeu destinados aos territórios vítimas dos incêndios de 2018 para a GNR e para a Proteção Civil, quando o governo PSD/CDS desviou verbas do Fundo de Garantia Automóvel, resultante das Cartas Verdes de quem paga seguros, destinadas à promoção da prevenção e segurança rodoviária para a aquisição de viaturas para a GNR e a PSP?

Faz algum sentido ampliar a acessibilidade dos cidadãos a serviços públicos sem cuidar de apurar a capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos, de forma coerente, integrada e sustentável para superar os funcionamentos em pré-ruptura, aos solavancos e outras expressões de disfuncionalidade do funcionamento do Estado e da sociedade? Será assim na saúde, na educação como nos transportes públicos, agora tão em ponto de mira dos azimutes políticos e mediático.

Num país em que o turismo tem sustentado boa parte dos impulsos económicos que possibilitam a criação de emprego e as folgas orçamentais, fará algum sentido que enquanto se idolatra a presença de personalidades famosas do mundo do espetáculo nas nossas cidades ou se lançam ideias para reverter a emigração a toque de troika, um parceiro da solução de governo queira desestabilizar soluções que asseguram a fixação de cidadãos não nacionais em território luso?

A par de um certo frenesim populista-eleitoral, cresce a perceção de uma falta de senso no exercício político, mediático e institucional. Parece haver demasiada leviandade e isso estabelece nova bitolas para futuro. É assim quando o Presidente da República assume um nível de exposição e proximidade que não é sustentável ou quando o Comissário Europeu Carlos Moedas participa na Universidade de Verão do PSD e numa profusão de eventos em Portugal que desvirtuam o estatuto de membro da Comissão Europeia. Embora haja um Comissário por cada país da União Europeia, a missão dos Comissários é defender os interesses da UE no seu conjunto e não os interesses nacionais.

A definição de bitolas com ligeireza só pode gerar desregulação e frustrações por ser evidente que fasquias muito elevadas não são razoáveis porque os recursos são finitos e devem ser usados com sentido de sustentabilidade e de futuro.

Entre a bitola do chico-esperto que procura contornar as regras ou gerar expectativas além da realidade e a bitola do burocrata agarrado à folha de Excel, há toda uma margem de manobra para que as coisas sejam feitas com rigor, explicação, integração e sustentabilidade. Haver senso na bitola já ajudava a que o frenesim político, mediático e social não se apoderasse da nação.

Será pedir demais?

 

NOTAS FINAIS

Funil. Se é uma evidência o estado a que chegaram determinados serviços públicos como a saúde, o ferroviário, as infraestruturas ou a segurança, em boa parte devido a passivos acumulados e desinvestimentos sucessivos, por que razão não foram realizados os trabalhos de casa para que, quando houvesse vontade política e/ou disponibilidade financeira, os procedimentos de aquisição fossem concretizados no menor tempo possível ou a tempo de superar as ruturas? 

Banda Larga. O território nacional que é um dos mais seguros do mundo, apesar da falta de investimento sustentado nos recursos humanos e materiais das forças de segurança, mas é o terceiro da União Europeia com mais vítimas de cibercrime. A criminalidade desmaterializou-se, a resposta do Estado e da sociedade não acompanhou o risco dessa dinâmica.

Banda Estreita. O processo de designação do(a) titular do cargo de Procurador(a) Geral da República ameaça ser um exercício crucial da definição da bitola da relação institucional entre o primeiro-ministro e o Presidente da República para o que resta dos mandatos.

Beco. Pode parecer bater no ceguinho, mas a liderança de mais um dos D. Sebastiões da política portuguesa esfuma-se a cada dia que passa, por inabilidade própria e força das circunstâncias que não consegue moldar. É que nem o papel de sonso ou moralizador tem nexo com os telhados de vidro da respetiva experiência autárquica.

Esquina. Em rota de convergência para as eleições, um concurso para duas posições na TDT tem sempre um efeito soporífero dos humores mediáticos. 

 

Escreve à quinta-feira