Linha de Cascais: não desisto


Na linha política, a hipocrisia das esquerdas não tem supressões nem atrasos. É um comboio certinho


Basta olhar para os jornais. Se dúvidas houvesse, as notícias dos últimos dias apenas mostram de forma implacável que os rumores sobre a morte da ferrovia em Portugal não são claramente exagerados. Já não são rumores de todo: são factos.

A CP não tem dinheiro para o combustível.

A Renfe, operadora espanhola, não aluga mais comboios a Portugal esvaziando a última boia de salvação na questão do material circulante.

Os passageiros das linhas nacionais, de norte a sul, queixam-se dos horários, de supressões à la carte, de carruagens vandalizadas, estações abandonadas e serviços tão degradados que nem o básico – digamos bilheteiras – funciona.

Os funcionários da manutenção dos comboios estão tão espremidos e a falta de material é tão grosseira que as condições de segurança, dizem-no eles, estão em causa.

E o i mostrou-nos que numa altura em que dezenas de milhares de turistas usam a Linha de Cascais, uma das mais belas do país, para acompanhar o percurso do Tejo para o Atlântico, o que o país tem para oferecer como cartão-de-visita são estações de comboio sujas, mal cheirosas e negligenciadas como se fossem terra de ninguém. Uma realidade triste, que há tempo demais faz parte do dia-a-dia de muitos portugueses.

Quando tudo levaria a crer que o governo está a fazer aquilo que é suposto fazer – resolver problemas –, eis que somos brincados com uma notícia espantosa no Boletim de Execução Orçamental: as cativações na ferrovia cresceram 20 milhões de euros de março para maio, totalizando cortes de 95 milhões de euros. E, para efeitos orçamentais, o ano ainda só vai a meio. O que significa que chegaremos ao fim de 2018 com um valor bem superior. Para ver se nos entendemos: o PS, apoiado pelo PCP e o BE, está a “resolver” os graves problemas da ferrovia nacional com mais austeridade e mais cortes cegos. Como é que o PCP e o BE ainda têm coragem de ensaiar o discurso de defensores do serviço público e do transporte coletivo? Na linha política, a hipocrisia das esquerdas não tem supressões nem atrasos. É um comboio certinho.

Temo que os próximos tempos nos tragam mais más notícias. Pelo que já temos e pelo que ainda está para vir.

Entramos em campanha eleitoral para as legislativas de 2019.

É irónico que o PS tenha utilizado a CP, um dos maiores fiascos da governação, como estação de partida na caça ao voto. Os socialistas foram de comboio a Caminha. Mas não viajaram em comboios quaisquer. Circularam com prioridade sobre os restantes e eram bonitos, confortáveis e arejados. Talvez os últimos exemplares da sua espécie na ferrovia portuguesa. Coisas de que os utentes dos caminhos-de-ferro já só têm uma memória longínqua. Para os militantes socialistas a pontualidade, o conforto, o melhor. Para os portugueses, os restos. O episódio é revelador de como o PS, um partido que continua a ser ostensivamente burguês, faz política descolado da realidade e das necessidades dos cidadãos.

Na Assembleia da República, no início desta semana, os partidos da esquerda chumbaram a proposta de criação de uma Comissão Permanente que debata os problemas e as soluções para a linha férrea. Com a exceção do PSD e do CDS, os partidos não querem que o Parlamento discuta os comboios. À boa maneira soviética: se não se fala esquece, se esquece nunca existiu. A crise da CP é uma não existência. Nada muito diferente daquilo que disse o secretário de Estado da tutela.

E por falar em sovietes, em Setúbal a câmara governada pelo Partido Comunista exige (mas é só conversa) o fim da concessão da Fertagus, depois de ter beneficiado dela.

Tudo isto é muito revelador. PS, BE e PCP não estão interessados em soluções para a ferrovia. O que os move é pura dominação ideológica.

Que haja partidos que não querem operadores privados nas linhas é uma preposição política válida. Válida se, e só se, for acompanhada de formas alternativas de financiamento do serviço de transporte público ferroviário de passageiros. Não podemos ficar, como até aqui, numa situação em que o operador público está falido, os portugueses desesperam, o governo não encontra solução e o BE e PCP bloqueiam a entrada de privados por histeria ideológica.

Este clima de guerrilha às empresas e a hostilidade ao privado tenderá a aumentar até às eleições. Caberá ao PS, ou pelo menos a parte dele, defender o país e a sua livre economia de mercado dos assaltos da extrema-esquerda. (A propósito, tem-se visto algo parecido na disputa do Hospital de Cascais, com o PCP e o BE a exigirem o fim de uma PPP que tem sido boa para público, boa para o privado e boa para os utilizadores).

O que mais me revolta e indigna é que perante todos os sinais evidentes e ineludíveis de rutura na ferrovia nacional, e na Linha de Cascais em particular, o governo continue a ignorar o sentido de urgência, fechando-se, calando-se e apenas ensaiando anúncios em que já ninguém acredita. Chega de negligência: é da vida de pessoas que estamos a falar. Se o governo tem uma insuficiência política executiva, resolva-a. Não espere por uma desgraça para fazer o que tem de ser feito, empurrado pelos acontecimentos e pela pressão mediática.

Em janeiro de 2019 a liberalização do transporte ferroviário dará a Portugal a oportunidade de ter outros operadores no país. Quanto à Linha de Cascais, é-nos indiferente se a solução é pública ou privada. O que interessa aos passageiros, e a mim em particular, é que haja uma solução que funcione, que projete o serviço para patamares de qualidade e que baixe o preço.

Há investidores para a Linha que garantem melhorar, e muito, o serviço (não me parece difícil), e manter ou reduzir o custo para os passageiros (também não parece nada difícil). Assim, ou o governo aceita esta solução ou avança com uma da sua própria lavra. Não podemos aceitar mais adiamentos e promessas não cumpridas. Não podemos é pactuar com a arrogância de desfazer os acordos do passado sem deixar promessa de solução para o futuro.

Ao longo de todo o mês de agosto, deixei neste espaço um retrato atual sobre a Linha de Cascais, não irei desistir de defender a Linha de Cascais. Não irei desmobilizar até que a situação se altere; passaremos a fiscalizar de forma permanente o estado da linha; apresentarei queixas a todas as entidades com responsabilidades; e recorrerei a todas as instâncias judiciais adequadas.

Estou certo que terei ajudado milhares de utentes.

Nenhum caminho ficará por caminhar.

*Escreve à quarta-feira